BEDA / Meus Anos 50*

Vivo meus anos 50. Mais um pouco, inaugurarei a sétima edição anual da década. Este decênio foi totalmente diferente do que idealizei. E completaria: graças a Deus! Ao final dos meus Anos 40, tive um episódio de saúde que modificou minha interação com a vida. Cinquenta anos em cinco – emblemática frase de Juscelino Kubistchek — apenas emprestava números ao desejo de fazer crescer o país dos Anos 50 — cuja a inauguração de Brasília, no início dos 60, foi um marco. Nestes meus Anos 50 particular, esperarei ter crescido, ao final de tudo, cem anos em dez — a crise hiperglicêmica foi a minha marca inicial, em 2007.

Definir datas como pontos cardinais, com números redondos parece ser uma tentativa para justificar situações que teriam começo e fim, sem causas anteriores e repercussões posteriores — uma espécie de “Big Bang” histórico, assim como anuncia a frase: “nunca antes, neste País…”. O Brasil parece ser uma nação de ciclos, sempre a se repetir, rota sem saída para o mar, com o apoio luxuoso de nossa falta de memória. Tento manter a lembrança daquilo que me levou a enfrentar determinadas situações. Sem isso, não há como saber como cheguei aonde estou. Adotei a imprudência de me arrepender apenas do que não fiz. No mais, apesar da tentação de deixar tudo ao “acaso”, se é que ele existe, sei do rumo que tomei. E das consequências que ele gerou.

O contexto em que vivo os meus Anos 50 tem sido incrível. É como se tivesse aberto os meus olhos apenas agora, nos meados do meu século de vida. Eu me deixei levar pela aventura de amar — dizem que o mocinho morre no final. Eu retomei os estudos, entre compromissos profissionais e pessoais. Lancei o meu primeiro livro e estou prestes a lançar o segundo, dia 25, antes que este Agosto se encerre**. Nunca me senti tão pleno, talvez viva o ápice que todos visitam, antes do fim.

Ainda aguardando as surpresas que me reservam esta era, já vislumbro as possibilidades dos Anos 60. A década histórica do século passado, na qual nasci, foi uma das mais importantes dos 1900. De alguma forma, aglutinou todos as potencialidades que vivemos depois. Marcou mudanças estruturais que ainda repercutem nos dias atuais. Guerras (frias e quentes), luta pelos direitos civis, emancipação da mulher, revoluções político ideológicas e comportamentais, viagem à Lua e a propaganda da ideia do “País do Futuro”, entre tantos fatos possíveis.

Saúdo a todos e a todas que estão chegando aos seus próprios Anos 50. Saberão que a vida ganha frescor, com o início de novos e estimulantes formatos e término de antigos e infrutíferos projetos. Muitas vezes, com pesar, porém com convidativos e bem-vindos significados.

*Texto de 2018

**O livro de contos curtos “RUA 2”, editado pela Scenarium Plural Livros Artesanais, foi lançado em 25 de Agosto de 2018

BEDA / Brasília – Inventada Um Dia Antes Do Brasil

Brasília II
Torre das estações de rádio, em Brasília

Em abril ocorre algumas das efemérides mais importantes do Brasil. Dia 22, oficializou-se o descobrimento de terras novas neste hemisfério – Ilha de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz e, finalmente, Brasil. Dia 21, Inconfidência Mineira e inauguração da nova e, supostamente, definitiva capital brasileira – Brasília. Na primeira vez que fui à Capital Federal, trabalhava como roadie de uma banda de São Paulo, que faria um baile no Cassino dos Oficiais da Aeronáutica. Naquela oportunidade, teríamos como atração principal o grupo “Os Originais do Samba”, já sem a presença do Mussum, que deixara o time para se dedicar exclusivamente aos “Trapalhões”. Vivíamos os meados dos Anos 80.

Eu e a minha equipe, fomos de caminhão, levando o equipamento de sonorização e iluminação, em uma viagem que durou 32 horas, por vários problemas que tivemos no veículo durante o trajeto de 1.100 Km do percurso. Ao chegarmos à cidade, em um dia muito quente, amplificado pelo concreto e asfalto, estávamos atrasados e não ajudava em nada verificarmos que, em vez de nomes comuns, as ruas apresentavam quadras, letras e números para identificar os logradouros.

Depois de dar voltas e voltas em torno de edifícios-monumentos, nos dignamos a pedir informações em um ponto de taxistas, sujeitos que mal olharam para nós e responderam, secamente, que não sabiam onde ficava o lugar que procurávamos. Percebemos certa má vontade por parte deles porque, logo adiante, encontramos a rua aonde íamos, bem próxima dali. Aliás, um soldado que a patrulhava, também não soube informar em que altura ficava o Cassino dos Oficiais da Aeronáutica. Conjecturamos que o rapaz não fosse local. Depois descobrimos que quase ninguém de Brasília, que fosse mais velho, nascera na cidade. Com certeza, os apenas muito jovens poderiam ser chamados de brasilienses natos de uma cidade jovem, que fora fundada quase 30 anos no passado.

Enfim, fizemos o evento sem nenhuma intercorrência e voltamos para São Paulo pela manhã, agora podendo observar melhor a vastidão sem fim do serrado, em estradas em que o final se encontrava no infinito, qual em um túnel do tempo. O céu estava limpo, sem nuvens, como era comum, segundo eu soube, naquela estação. Nada de objetos voadores não identificados, como acontecera quando passávamos pela mesma estrada a duas noites antes.

O OVNI que vimos, então, emitia luzes que variavam de tamanho, a medida que se aproximava ou se distanciava. Esse contato de 1° Grau durou uns 3 minutos. A sensação que ficou do episódio foi de sonho, ainda que tivesse sido compartilhado por mais duas pessoas. No dia seguinte, o Capitão B., nosso contratante, ao qual relatamos o ocorrido, nos disse que realmente ocorrera uma informação de um OVNI pelos radares das torres de controle, o que, na verdade, não era incomum. Além disso, um dia depois, tivemos a notícia, com filmagem, de uma aparição no Rio de Janeiro, idêntica a que havíamos testemunhado.

Essa lembrança de Brasília, entre a frieza de alienígenas brasilienses, em dia quente, e o encontro de visitantes de outras dimensões, permeou a minha impressão sobre essa cidade do Planalto Central durante a minha vida toda até que vim conhecer pelas redes sociais pessoas que interagi a ponto de ir de encontro a elas em viagem ao Planalto Central. Hoje, fico feliz em poder encontrar seres que me estimulam, em vários sentidos, mesmo que “estrangeiros”, a adotar uma visão mais completa da nossa Capital.

Assim como São Paulo, Brasília é uma cidade adotada e de adotados. A sua multiplicidade arquitetônica e humana não é para fracos. Mesmo que atrasado, desejo um feliz aniversário a você, Brasília! Você começou a ser engendrada no ventre da Nação que se formaria, a partir do peito de um português que gritou, há 519 anos, no dia 22 de abril: “Terra à vista!”…

O Síndico

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Está tudo nos livros…

Virgílio esperou, até tarde da noite, a saída do amigo da “Sala de Padronização”. Após duas horas de sessão, Gervásio pareceu bastante abatido. “O que aconteceu lá dentro?”… O anteriormente alegre Gegê, baixou a cabeça. Preferiu não responder, envergonhado. Virgílio sentiu cheiro de fezes. A calça do amigo estava manchada.

Ele era mais um dos moradores com condutas “desviantes” do Condomínio Brasília que passava pelo processo de equalização comportamental, desde que o Comandante Jair assumira o cargo de síndico. Em uma eleição acirrada, a voz tonitruante do ex-soldado se fez ouvir como a opção mais apta para equilibrar as contas do erário condominial.

Jairzão, como antes era conhecido, era um sargento aposentado que vivia a repetir palavras de ordem contra o desequilíbrio social e o desrespeito aos bons costumes. Era visto como um tipo inofensivo, apesar das bravatas que cometia com frequência. Após assumir o poder, mostrou na prática tudo o que professava.

Cachorros e gatos foram banidos do Brasília (muita sujeira). Roupas extravagantes foram erradicadas da circulação entre muros. Beijos na boca resultavam em pesadas multas. Comportamentos tidos como indecentes, segundo regras aprovadas em ata, após reuniões com escasso comparecimento dos condôminos, resultavam em visitas à “Sala de Padronização”.

Para auxiliar o Comandante em sua empreitada, contava-se com parrudos jovens entusiasmados que viam, na disciplina militar, o melhor caminho para tornarem as vidas dos moradores mais felizes, pacíficas, seguras e retas mercê os melhores hábitos de salubridade social. Professavam que qualquer traço de criatividade conspurcaria a tradição edificante proposta pelo Comandante, o que poderia acarretar no surgimento de sistemas espúrios na construção da sociedade ideal que propunha.

A tropa de choque ganhou adesões cada vez maiores. Todas as manhãs, os moradores eram despertados, aos primeiros raios de sol, com a Canção de Brasília Melhor. Garotos e garotas – uniformizados-perfilados-peitos-estufados – entoavam, com força, cada estrofe como se fosse um hino devocional. No resto do dia, se revezavam na vigilância de interditar discrepâncias na obediência às regras promulgadas como lei.

Secretamente, ainda que visse algumas medidas como exageradas, mais da metade dos condôminos apoiava a legislação padronizadora. Quem estivesse em desacordo, que mudasse. Perceberam que o comportamento dos pequenos também se transformara. Confusos quanto à educação que davam aos filhos, a assustadora figura do Comandante era evocada para auxiliá-los. A qualquer malcriação, era citado o nome do Jairzão.

O episódio da moça do livro foi o começo do fim do sonho do Comandante em levar adiante sua revolução moralizadora. Mariana gostava de ler. Já fora advertida pelos pais que não o fizesse na praça central do condomínio. Eram liberais, mas depois de batalharem tantos anos para conseguirem quitar o apartamento, não viam possibilidade de mudarem tão cedo dali.

Querendo promover um ato de repulsa ao que estava acontecendo no Brasília, Mariana sentou-se em um dos bancos da praça, com “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” nas mãos. Foi advertida por Angelina, sua antiga companheira de festas e idas ao cinema, que deveria parar de lê-lo, colocado que estava no índex de proibidos para a juventude brasiliana. Recém convertida ao credo padronizador, era uma entusiasta do novo regime. Acreditava que a nova diretriz a tenha salvo da vida sem propósito que levava.

Ao receber a recusa de Mariana, Angelina, de posse de um pequeno cassetete – distribuído aos “Jovens Padronizadores” – desferiu apenas um golpe na têmpora da leitora, que veio a óbito quase imediatamente. Como despertados de um sonho ruim, os condôminos se revoltaram e derrubaram o síndico-ditador. Com um pouco mais de percepção e conhecimento, saberiam que tudo já estava escrito nos livros.