07 / 08 / 2025 / BEDA / Três Tigres E Um Veado

Tive que resolver um problema com o meu aplicativo de banco no meu celular e fui para a Avenida Angélica. Quase chegando à minha agência, passei pela Praça Buenos Aires. Do lado de fora, visualizei um monumento que quis ver de perto. Havia outros, mas esse me chamou mais a atenção por sua temática. A placa indicava o título: Veado Lutando Com Três Tigres.

Como sou um sujeito que conhece razoavelmente a Natureza, achei estranho que três tigres se associassem em um ataque a um pobre veado. Os tigres são caçadores individualistas, solitários, com ação em um determinado território. Agem de forma diferente dos leões (ou leoas) que costumam se unirem para usarem conjuntamente estratégias de ataque.

Fiquei incomodado com a violência gratuita da obra, bem desenvolvida em termos técnicos. Aparentemente de origem francesa, não sei porque alguém poderia a ideia como algo de relevância que não seja somente a excelência dos traços. No mais, acho de mau gosto desnecessário que as artes plásticas produziu.

Caçador De Bruxas*

Autografando Confissões, em 2021

*Trecho de “Confissões“, meu terceiro livro pela Scenarium Plural – Livros Artesanais:


“Junto aos nossos desejos de sermos bruxas, dentro de nós atua um inquisidor… um matador de diferentes. Um aniquilador de sonhos. Ao lado da puta que somos. Quem não vende o seu corpo e mente em troca de dinheiro?

Existe aquele que atirou a primeira pedra.

Ser contraditório, mentiroso e hipócrita é condição básica para sobrevivermos nesta sociedade. E, no entanto, não nos falta fôlego para vociferarmos contra o Sistema.

Estar aqui a denunciar nossa pequenez, não deixa de ser uma tentativa de não parecer um minúsculo ser. Não me excluo de todo esse processo em que morremos de vontade de matarmos o que não gostamos, como se não suportássemos o contrário.

Somos caçadores de bruxas. Ainda que filhos de bruxas. Queremos quebrar os nossos espelhos. Reproduzimos os nossos produtores. Produzimos podridões – amores malparidos.

Momento de devaneio, sonho com um mundo que aceite o irmão. Que aceite o mal, o identifique e o reverta. Que sejamos bruxas. Façamos uma poção mágica. Uma porção básica que contamine a escuridão de verdadeira claridade. Peito aberto, mamas e sexos à mostra, barriga prenha de filhos livres da maldição de sermos tão humanamente menores.

Quero ser, além de ser, Ser.”

BEDA / Caçador De Nuvens

Sou caçador de nuvens e pores-do-sol.

Seria também de nasceres-do-sol, mas não os encontro com frequência, visto que eles não tem coincidido com os meus turnos.

Nuvens são nuvens, mas nunca são as mesmas.

Visões do sol ocorrem todos os dias, mas nunca deixo de me encantar com a sua beleza.

Tenho a fascinação dos antigos bem antigos, nossos ancestrais, que perceberam que devemos a vida no planeta Terra por obra e graça do Sol, a face visível de Deus.

E desenharam nas paredes de suas imaginações monstros e deidades, bichos e pessoas. Nas tardes de hoje, os homens desenham cidades…

Participam do BEDA: Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Suzana Martins / Mariana Gouveia / Darlene Regina

Emtardeser

Por trás da cortina diáfana
Se vai o Sol da nossa retina
Como um ser de olhar oblíquo
Incandescente e profícuo.

Caçador de nuvens, espero que o rei
Decaia, faça o percurso que decorei
Ao se inclinar, refaz um novo entardecer
Respiro luz, súdito entregue em tarde, ser…

B.E.D.A. / Memória E Vida

Hutger Hauer, como o replicante Roy Batty.

Blade Runner, de Ridley Scott — filme ao qual assisti no início dos anos 80 — além da linguagem cênica e fotografia impecáveis, trouxe-me elementos novos com relação à memória elaborada mentalmente, a nos distinguir como seres conscientes de nossa identidade. A película conta a história de Replicantes, androides com tempo de vida pré-programado — marcados para morrer — que buscam quem os criou para que desenvolva uma maneira que faça com que continuem vivos para além da data de “validade”.

Proust, com Em Busca do Tempo Perdido, ressalta a apreensão da memória através dos sentidos, interpretada pelo intelecto. Os Replicantes contavam com memórias implantadas, corroboradas por imagens em fotos com pessoas que representavam pais, irmãos, parentes, amigos e eles mesmos, menores. No entanto, nenhum daqueles personagens efetivamente existiu…

Ainda que não fossem humanos, os androides passam a valorizar verdadeiramente a vida. Alcançam a compreensão de sua importância incomensurável de uma forma talvez muito mais clara do que os humanos que desperdiçam displicentemente a energia vital de seus corpos. A penúltima cena, desenvolvida em cima do prédio sob a chuva ácida, entre o líder dos Replicantes e o implacável caçador de androides interpretado por Harrison Ford —, passeia por minha memória desde então como uma lembrança viva, ainda que “implantada”.

A compaixão que senti pela triste e terrível figura que tenta continuar a viver por passar a amar a vida foi um sentimento verdadeiro, porém. O que me leva a acreditar que, para além da memória padronizada em recordações estanques, os sentimentos talvez sejam a medida mais completa que venha a nos identificar como pessoas reais e plenas.

Momentos antes de morrer, o replicante Roy Batty, depois de salvar Deckard de uma queda para a morte, diz enquanto cai a chuva: “Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer…”.

Participam do B.E.D.A.:
Adriana Aneli
Cládia Leonardi
Darlene Regina
Lunna Guedes
Mariana Gouveia
Roseli Pedroso