27 / 09 / 2025 / Dominic

Chegou ao fim a nossa relação física, mas aquela atemporal permanecerá. Ainda que a memória se esvaneça, a energia de amor gerada continuará a fazer diferença no mundo. Ela foi a última filha a falecer da Domitila, mais uma das nossas companheiras resgatadas da rua. Aliás, ela surgiu toda manchada de tinta, praticamente sem pelos. Arte de descerebrados maldosos. Duas de suas filhas (as fêmeas sempre foram mais rejeitadas do que os machos), ficaram na família — Frida e Dominic (eu prefiro o nome afrancesado). Esta, na casa vizinha, minha irmã. Quando Frida faleceu, atropelada numa das poucas vezes que saiu à rua, pedimos para a Marisol cuidar da bichinha que já havia quebrado a pata dianteira esquerda e se encontrava com problemas de pele, além de estar muito magra. Cuidamos dela e em pouco tempo, já mais fortinha, se mostrou bastante gulosa. Tanto que mesmo no período do câncer que a vitimou, continuava voraz. Quando começou a recusar comida, percebemos que não viveria muito mais tempo.

Eu estive com as velhinhas que foram falecendo nos últimos anos. No sábado, quando saí para trabalhar, avisei à Tânia que suspeitava que não resistisse ao final do dia. Fiquei triste que não estaria com ela no final de tudo. Mas a Tânia disse que esteve com ela até o último suspiro. E isso me aliviou. Antes de sair, ainda fiquei um tempinho com ela. Percebi o seu olhar um tanto assustado de quem não conseguia mais respirar como antes. Fiz um carinho que supus de despedida, que acabou por acontecer. Essa senhora passou uns bons 10 anos conosco. Ao falecer, contava com uns 15 anos. Mais isso é irrelevante numa história de amor. Todo amor verdadeiro é atemporal.

Até logo, meu amor!

08 / 07 / 2025 / Os Peludos*

Vivem conosco em casa cinco peludos permanentes — Domitila, Dominic, Maria Bethânia, Lola Maria e Arya — e mais um eventual, o Bambino Princeso, meu neto que mora num apartamento com a Ingrid e a Luna, sua (nossa) amiga. Quando a sua mãe viaja, deixa o filho conosco.

Aliás, há aqueles que são contra o uso do termo “filho” para designar aos animais que nos acompanham. Seria uma utilização indevida que é vista como uma contraposição a relações humanas saudáveis. Seria o caso de nos abstivermos de amar aos bichos porque são bichos? Ou o amor que damos e recebemos desses incríveis seres na realidade nos humanizam?

Sabendo que têm uma expectativa de vida menor, eu acho que dedicar tanta atenção e carinho a eles torna-se uma lição para que tenhamos em perspectiva a nossa própria finitude. Tudo pode estar por um segundo e a Pandemia veio nos provar isso. O fato de que vemos morrer nossos amores e de, ao morrer, deixarmos quem nos ama, não vejo como motivo para não amar ou não sermos amados. E, em relação a eles tampouco deixarmos de considerá-los filhos do coração.

Como a um filho, devemos educá-los, estipular regras, mostrar diretrizes e estabelecer uma rotina. Se sentirem que não somos firmes em nossos propósitos, tomam conta de nossas vidas como fazem filhos deixados por si só quanto a um modelo de comportamento. Em contrapartida, eles têm sempre muito amor para nos dar. E demonstram isso, como mostram os vários outros sentimentos e emoções. Sem subterfúgios ou falta de clareza.

O resultado de quem se dedica aos peludos (e a outros bichos) é que torna-se necessário organizar a casa para que recebam guarida adequada e alimentação equilibrada. Neste inverno, por exemplo, estão dormindo na sala, apesar das casinhas quentinhas no quintal (esta noite chegou aos 10°C). Faz parte da minha rotina recolher o coco e lavar o xixi no quintal. Além de ter que conviver com os pelos nas roupas e no sofá. Brincando, a Tânia diz cogitar eventualmente construir uma sala só para elas. Não posso deixar de varrer a casa uma vez por dia, do entardecer para a noite.

Ao subir para dormir, antes de deixar três delas no escuro, rotineiramente as acaricio. Parecem pedir isso com o olhar. Maria Bethânia têm dormido com a irmã Romy e Lola Maria com a mãe, Lívia — uma típica e tradicional família brasileira.

*Texto de 2021. A Domitila nos deixou há um pouco mais de um ano. Durante quase dois anos tivemos conosco o Nego, um velhinho cego, com problemas locomotores. E eu resgatei o Alexandre, um pretinho também idoso que estava só pele e osso e que quando ficou aprumado descobrimos se tratar de uma mistura de Pincher, com todas as características da raça — territorial e tremelhique.

Rebelião*

Bethânia, na mureta. Embaixo, da esquerda para a direita: Domitila, Dominic e Arya.

— Então, cachorrada, precisamos nos organizar para exigir certas regalias!

— Quem é você para liderar a turma, Bethânia? Eu sou a mais velha aqui!

— Eu sou a queridinha do papai e da mamãe, Domitila! Você sabe disso!

— Eu não gosto de você! Você implica comigo!

— Ah! Desculpa, Dominic… Tenho ciúme! Perco o controle!

Tudo bem! Qual o seu plano? Como é que voltaremos a dormir na sala?

— Vocês, na sala! E eu, no quarto! É simples! Vamos recusar carinho!

— Eu gosto tanto de dar e receber carinho!

— Ah, Arya! Você é tão carente!

— Mas eu gosto…

— Todas nós temos que estar de acordo, Arya!

— Tá bom! Vou me esforçar…

— Ainda bem que ele não entende o que estamos latindo… Tá lá, tirando foto… Ele nos ama…

— Nossa! Ele é tão fofo!

— E cuida de nós! Prepara e dá ração com misturinha…

— E faz um carinho tão gostoso! Olha! Ele vai descer…

— E aí, meninas? Está tudo bem com vocês? Vamos descer?

— Au! Au! Au! Sim! Sim! Sim!

— Au! Au! Quero carinho na cabeça, como só você sabe fazer!

— Au! Au! Passa a mão no meu pelo?

— Au! Au! Eu quero comidinha, de novo!

— Au! Au! Sai de perto dele, Dominic!

*Tentativa de rebelião realizada em 2021

#Blogvember / Carta Ao Amor Ideal

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Amor Ideal, como vai?

Deve saber que há muitos que o procuram em vão, não?

Onde se esconde?

Tenho por mim que, de tão perfeito, passe despercebido em forma de cumulus nimbus que interdita a luz do Sol apenas para refrescar o calor.

No voo da abelha em direção à flor, na lambida do cão amigo, na mão que se estende para agarrar a acrobata sei que se exibe.

Ou passa disfarçado como uma simples sardinha num grande cardume do Atlântico.

Com certeza, morou por um instante nos olhos verdes da moça triste.

Dever caminhar em grupo de pinguins que se juntam para enfrentar a tempestade de neve.

Estou quase certo de que o vi de relance no arabesque preciso da bailarina.

Tenho por mim que esteja no beijo de boa noite de uma mãe em seu filho… também. Mas não apenas.

Sei que está no gesto de carinho do namorado no cabelo da amada, ainda que se restrinja a existir em tempo escasso, diante do cotidiano de dissabores.

Amor Ideal, sou dos poucos que desacredita em sua existência sempiterna.

Todos o desejam eterno, mas somos mortais e nossos desejos urgentes, sem compromisso com o que é permanente.

Está nas ondas do mar que se quebram em ruídos d’água espumosos. No entendimento de seu fluxo e refluxo.

Está no quarto 102 de um hotel barato do centro em que os amantes se bastam por tempo determinado.

Caminha nos primeiros passos claudicantes da criança que meses antes nadava na barriga materna.

Outro dia, eu o encontrei numa palavra singela, mas que me fez perceber a sua eternidade – “é”.

Eu me surpreenderia se eu o encontrasse por aí, como quem o procura com insistência.

Assim como a Felicidade, deve estar em momentos de descuido da sensibilidade e no cuidado de quem acredita…

Foto por Pixabay em Pexels.com

Participam: Suzana Martins / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia