Dez Vezes Escritor

Imagem parcial da biblioteca com títulos da Scenarium Plural — Livros Artesanais

Tudo começou com latas de manteiga que meu pai usava para guardar pregos, parafusos e itens similares. Comecei a desenhar as letras, uma por uma, em meu caderno de brochura da pré-escola. Ao terminar a página, passava para a outra sem o “vale” existente entre as duas me impedisse.

Nos primeiros anos escolares, lia os livros de todas as matérias até a metade do ano, por pura curiosidade e sede de conhecimento, não importando o tema. Excetuando as matérias exatas. No primeiro ano primário, como mudei de escola, li os dois de alfabetização, diferentes entre si.

Eu buscava o “Excelente!” das professoras como se fosse um prêmio para o meu artesanato na escrita. Ganhei alguns e percebi que gostava de agradar às minhas “primeiras leitoras”.

Quando ajudava o meu pai como “catador de papel”, entre os 12 e os 14 anos, recolhi vários livros jogados fora como lixo, o que me proporcionou formar a minha biblioteca particular. Alguns deles, guardo até hoje.

Quando garoto, apresentava algumas habilidades artísticas inatas: lia e escrevia com facilidade, desenhava razoavelmente bem e sabia modelar com massa e cheguei a usar barro para fazer algo parecido com “esculturas”, além de arte em relevo em madeira. Para completar arranhava bem o violão. Mas escrever começou a ganhar cada vez maior espaço. O meu mundo interior ganhava clareza no uso das palavras, as quais comecei a cultivar com carinho crescente. Namorava termos e sentenças. Buscava os efeitos inusitados e passei a amar livros e escritores que me estimulavam mais fortemente.

Porque escrevia bem, segundo avaliaram, fui escalado como candidato a um concurso de leitura. Eu e outro colega “duelamos” para representar a nossa escola. Fiquei tão incomodado com aquilo que não me esforcei para vencer. Depois da decisão, feita pelo professor, me perguntaram a razão de estar sorrindo. Não sabia responder. Ao ler em público, percebi que além da timidez, tinha uma maneira não linear de ler. Era como se eu tentasse “escrever” o texto ao mesmo tempo que lia. Achava estranho quando a ideia era desenvolvida diferentemente do que eu estava imaginando. Tive que me disciplinar para que pudesse ler “realmente” o que propunham os escritores, ainda que saiba que ler também é reescrever uma história.

Como adorava cinema, pensei em me tornar um cineasta. Mas sabia que a “sétima arte” no Brasil era precária. Depois, me imaginei um publicitário. Isso, antes de não querer mais “participar do sistema” de forma alguma, a partir dos 17 anos. O máximo que cheguei perto “fazer um filme” foi participar como figurante de “Feliz Ano Velho”, em 1987, quando fui aluno de História, na USP e lá recrutaram quem quisesse fazer parte da filmagem. Mas desde o início meu foco recaía na criação e desenvolvimento literário por trás da expressão cinematográfica.

Em certa época, encetei a possibilidade de me tornar Frei Franciscano. Não cheguei a frei, mas franciscano sou até hoje. Enquanto lia obras sacras relacionadas aos temas para a preparação seminarística, continuava a ler os livros seculares ou mundanos. Os de Machado de Assis, por exemplo, eram sagrados para mim.

Ao me casar, diminuí bastante a atividade da escrita, até praticamente deixar de escrever. Depois de vinte anos “parado”, voltei a exercitar a palavra escrita com o surgimento das redes sociais. Alguns anos depois, Edward Hopper e Maria Cininha me juntou a Lunna Guedes. Sob sua orientação, percebi que tinha que reaprender a escrever.

Aos 55 anos, lancei o meu primeiro Livro — “REALidade”. Mais dois — “Rua 2” e “Confissões” — se sucederam, pela Scenarium Plural – Livros Artesanais. É bem possível que um quarto venha à luz ainda este ano — 2121 — também conhecido como segunda edição de 2020.

Isabelle Brum – Darlene Regina – Lunna Guedes

Scenarium / Leu… Está Lido / Fim

FIM

FIM é meu objeto de análise instilado pelo tema proposto pela Lunna para esta postagem: “Leu… está lido!”.

De início, FIM nasceu para morrer, aliás como creio tudo que perpassa por nossa existência, nasça. Sem fim, não há razão para existir. Essa ideia de infinitude serve para o Universo… ou não. A não ser que tenhamos total ciência de nossos aprendizados pelos seguidos renascimentos, individualmente somos limitados pela morte. Em existindo renascimentos. Em se considerar que renasçamos sempre seres humanos e não flores de jardim, de vez em quando. Pensando bem, deve ser maravilhoso ser flor.

A proposta diria respeito a um livro já lido que não pretendamos não ler novamente, nunca mais. Tanto quanto os personagens do belo livro de Fernanda Torres, estou chegando a um patamar  ̶  idade e constituição física  ̶  que a velhice está mais próxima de fazer mais uma vítima, do que perto da força juvenil. Ainda que me sinta bem o suficiente para lembrar o deus Ciro, tenho impulsos de Sílvio, a sobriedade do Neto, a perplexidade do Álvaro e a inveja do Ribeiro  ̶  personagens que contam a história de um Rio de Janeiro humano, superficial e profundo.

Fernanda Torres  ̶  filha da imensa Fernanda Montenegro e do grande Fernando Torres  ̶  começa pelo fim de cada um deles para narrar a versão em primeira pessoa, como vozes solos de um coral, do concerto que ocorreu em determinada época sob o sol macabro do Rio, de areias carregadas de histórias em forma de gente. A viagem passeia pelos anos 60, passa pelos estertores do Século XX e finda no início do XXI, quando o último membro da gangue, Álvaro, começa a narrar seus passos finais, relembrando amigos e peripécias daquele grupo que variava de status profissionais, dentro de uma mesma bolha comportamental, reverberando viva felicidade a permear o vazio existencial.

Mas todos têm as suas chances de participar. De Álvaro a Ciro, Sílvio, Ribeiro, Neto conduzem o cortejo fúnebre de forma esplêndida, com a participação de personagens e contrapartes  ̶  as mulheres que fizeram parte de suas vidas. Mais cedo ou mais tarde, todas percebiam que não se envolviam apenas com um homem, mas com todo os cinco. Ciro, o mais icônico e amado do grupo é o primeiro (no tempo) e último a morrer (no livro). Qual homem, já moribundo, consegue ser o homem na vida de uma mulher? Luz de farol para os outros membros, influenciou as suas vidas quando vivo e, talvez, ainda mais, morto. Quando a sua luz se apagou, perdeu-se o lado belo da fealdade em se viver o idílio carioca. Ainda que autônomas, eram como se fossem cenas laterais e complementares  ̶  comentários da ação principal. Com efeito, o livro da Fernanda é vivaz o suficiente para ser dramatizado, talvez influência de seu universo de atuação primordial.

Quando fui chamado para a postagem da Scenarium, quis ler um livro inédito. Seria estranho ter que relembrar um que já tivesse lido e ter que objetivar porque não o leria nunca mais. Teria que folheá-lo, eventualmente relê-lo, voltar a fazer o que que disse que não faria. Preferi um que nem sei como apareceu em minhas mãos. Compro livros na esperança de enveredar por suas páginas e que, muitas vezes, ficam boiando nas prateleiras da biblioteca sem serem tocados. Enquanto outros são relidos como se fossem páginas da Bíblia em dias de culto. FIM, no entanto, é um desses livros que merecem releitura. Que venham outros. Com a unção do Padre Graça, pergunto: “O próximo?”. No mínimo, Fernanda Torres ser lida, além de assistida em peças de teatro, vista series de TV e admirada no cinema.

 

Robôs Sinceros

RS

Fui à boca do caixa. Das três disponíveis, havia uma única ocupada por um ser humano. Quando fui chamado, apesar da espera, me senti reconfortado por não estar falando com uma máquina, ainda que o atendimento da bancária tenha sido, de certa maneira, robótica. Não a recrimino, já que o trabalho que desenvolve é um tanto entediante. Está ali para cumprir tarefas que qualquer robô faria e fará, sem exceções, em futuro próximo. Aliás, o banco tem alardeado publicitariamente que o futuro já chegou e que grande parte das relações financeiras entre a instituição e seus clientes estão sendo eficazmente intermediadas pela Inteligência Artificial.

De forma derivada, brinco com a concepção da artificialidade intelectual apresentadas por algumas pessoas, observável quando não conseguem estabelecer uma comunicação razoável, ainda que se digam inteligentes. Em muitos casos, adotam comportamentos, expressam argumentos e realizam atividades obviamente dirigidas e emprestadas, tornando-se, ao invés de produtoras, meras replicadoras de ideias simplistas.

No entanto, aparentemente, as virtudes dos robôs são amplas, a ponto de sermos levados a entendê-los como seres humanos melhorados – capacitados, confiáveis e sinceros – a ponto de acreditarmos que se forem questionados se são robôs, responderão que são. Afinal, qual seria o objetivo de haver esse tipo de pergunta ao fazemos um cadastro online como quesito de segurança, se não houvesse a certeza que um robô, talvez um tanto envergonhado por querer se passar por uma pessoa, “sonho” de toda máquina inteligente, declinasse de sua pretensão de assumir, com dignidade: “Sim, sou um robô! Desculpe-me por querer passar por um ser vivo!”. Acresce-se que ao aparecer para mim o receptáculo em que devo assinalar o “X” em “Não Sou Um Robô”, fantasio com a possibilidade que me descubram, finalmente.

Isaac Asimov, em 1950, no livro “Eu, Robô”, acabou por desenvolver as três Leis da Robótica: 1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e 3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores.

Se já fossem tão desenvolvidos, talvez não ocorresse tantos episódios de fake news que fazem tanto mal às relações humanas. Mais recentemente, diante da realidade que se impõe cada vez mais aceleradamente de convivermos com máquinas que simulam comportamentos humanos, o exponencial desenvolvimento da tecnologia se chocará, mais cedo ou mais tarde, com nosso atraso como exemplares de “unidades de carbono defeituosas”, como nos nominou V’Ger, em Jornada Das Estrelas, de 1979.

Nesse filme de Jornada Das Estrelas, V’Ger originou-se da sonda espacial Voyager 6, que de fato originalmente nunca foi ao espaço pelo programa de sondas exploratórias espaciais norte-americanas lançadas a partir de 1977 para estudar os planetas do Sistema Solar e que posteriormente prosseguiriam para o espaço interestelar. Pelo enredo, a Voyager 6 acabaria por acumular tanto conhecimento que desenvolveu autoconsciência e voltou à Terra para encontrar seu “criador” – o próprio homem. Por encontrá-la infestada de seres subdesenvolvidos, a ponto de não entenderem o sinal lançado por ela, tornou-se seu objetivo limpar o planeta daquelas “unidades de carbono defeituosas”. A máquina consciente deseja, além disso, unir-se fisicamente ao criador. O filme soluciona a questão de maneira interessante, baseado no sacrifício humano, aliado ao amor, expressado inclusive de maneira carnal, o que nos salvará de sermos varridos do planeta ao qual fazemos tanto mal.

Há várias previsões alarmistas que nos levam a acreditar que o conflito entre o Homo sapiens e as máquinas capacitadas com inteligências artificiais hiperdesenvolvidas será uma questão de tempo. Não duvido, se compreendermos que a lógica do desenvolvimento de uma espécie como hegemônica passa pela violência e aniquilação de adversários. É o que fazemos com os outros seres com os quais convivemos no Planeta. Por enquanto, não tem sido preciso que as máquinas com Inteligência Artificial se revoltem contra seus criadores e nos exterminem progressivamente. Nós mesmos, com a ajuda da tecnologia que desenvolvemos, estamos fazendo esse trabalho sujo de maneira criativa e exemplar.

Foto: Robô iClub, que tem habilidades motoras avançadas que o permitem pegar e manipular objetos. Ele interage e aprende com o ambiente de forma semelhante a uma criança de dois anos de idade.

Os Mafiosos*

Tony Montana

Antonio Raimundo Montana, conhecido como Tony Montana, é o personagem fictício interpretado por Al Pacino no filme Scarface, codinome, advindo de uma cicatriz no rosto, é resultado de uma briga quando criança. Seu pai o abandonou quando era pequeno e o relacionamento com sua mãe e irmã sempre foi instável. Refugiado ilegal cubano, fugitivo do regime comunista de Fidel Castro, seu amigo Manolo “Manny” Ribera em um acordo com um chefão das drogas de Miami, em troca de  alguns serviços, resultou no green card para Tony, que trabalhava como lavador de pratos em uma lanchonete até entrar definitivamente na máfia que controlava o comércio de entorpecentes. Traços marcantes do personagem eram o uso abusivo de cocaína e o assassinato frio, com requintes de crueldade de suas vítimas. Acabou se casando com Elvira, a loira personagem de Michelle Pfeiffer, ex-esposa de seu antigo patrão. Scarface pode ser considerado um dos grandes filmes sobre a Máfia do cinema americano, juntamente com The Godfather e Goodfellas.

Além disso, Scarface, de 1983, com o argumento de Oliver Stone e direção de Brian De Palma, inspirou outras mídias e modelos de expressão:

  • O jogo Grand Theft Auto: Vice City tem muitos traços que indicam serem inspirados no filme e em Tony. O personagem principal do jogo se chama Tommy Vercetti. A mansão dele é idêntica à de Tony, bem como uma casa onde se acha um banheiro sujo de sangue com uma serra elétrica, uma das cenas do filme.
  • Foram criados dois outros jogos em sua homenagem: Scarface: The World Is Yours Scarface: Money, Power, Respect, ambos lançados em 2006.
  • Vários rappers aderiram à expressão: “Money, Power, Respect”  ̶  o grupo The Lox  fez um CD com esse nome.
  • Também foi criado um jogo de celular em sua homenagem. A trama do jogo é parecida com Mafia Wars e se chama Scarface: The Rise of Tony Montana.
  • rapper e integrante do grupo de K-pop sul-coreano BTSAgust D (Suga) fez uma música em referência a ele em sua mixtape solo intitulada Agust D.
  • Um miliciano brasileiro atuante no Rio de Janeiro, o adotou como ídolo e ao ser preso, encontrou-se bonecos na prateleira inspirados no personagem Tony Montana, junto a um pequeno cartaz com a inscrição AI-5.

O Ato Institucional nº5  (AI-5), baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do Gal. Costa E Silva, foi a expressão mais significativa da Ditadura Militar brasileira, que durou de 1964 a 1985. Vigorou até dezembro de 1978 e produziu uma série de desdobramentos arbitrários de efeitos duradouros, como a morte e desaparecimento de opositores. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção ao governo para punir arbitrariamente os que fossem críticos do regime ou inimigos atuantes. Isso incluía prisões sem justificativas e torturas realizadas por agentes militares e civis para a obtenção de possíveis informações de ações que viessem a atacar o governo.

No campo cultural, censurou inteiramente ou vetou partes de roteiros de cinema, peças de teatro, novelas de TV, músicas, livros e jornais. Em lugar de notícias, alguns periódicos passaram a dar receitas culinárias. A Imprensa foi impedida de noticiar acontecimentos que denunciassem ou minimamente indicassem algo que viesse a demonstrar desvios de conduta dos participantes do chamado “governo revolucionário”.

O que os militares denominaram de Revolução foi basicamente um golpe de estado realizado pelas Forças Armadas, no mesmo formato que imperou no continente latino-americano durante décadas do século XX, normalmente ligados à direita patrocinada pelos Estados Unidos da América. Em sentido contrário, o exemplo mais famoso de uma revolução influenciada pela esquerda tradicional foi a cubana, liderada por Fidel Castro. Seria por isso que o Fabrício Queiróz teria Tony Montana como ídolo, por ele ser um fugitivo do Regime Castrista? Ou por que ele ter angariado tanto poder a ponto de ser um exemplo de sucesso na seara do crime? Ou a realidade que ele vive espelha exatamente o clima de violência e negação de humanidade ao qual se acostumou na formação da quadrilha da qual participa? Isso explicaria a falta de empatia de seu Chefe direto? Será que tanto ele quanto o Chefe conseguem distinguir entre realidade e ficção?

Eu não sei de quase nada, mas desconfio de muita coisa. Normalmente, por observação. O fascínio por poder dessa turma que atua no governo brasileiro mistura alhos com bugalhos e desvios de conduta com estilos formais que denotam projeções de personagens maiores do que suas ações. É comum se refestelarem no uso de interjeições, palavras de ordens e palavrões. “Fuck” foi pronunciada 182 vezes por Tony no filme Scarface. 37 palavrões foram proferidos na reunião ministerial de 22 de abril de 2020. 29 deles, pelo Chefe do grupo. Apraz aos nossos mafiosos promover atos kitsch associados à riqueza, como pilotarem jet-esquis ou se mostrarem montados a cavalos em público, sobranceiros.

Gostam de alardearem atributos com ares de arrogância e de realizarem movimentos que demonstrem força. Algo como, por exemplo, dizer que tem histórico de atleta e fazer excêntricos “abdominais de pescoço”. Suas atitudes são baseadas em profecias ou restauração de paraísos perdidos, utilização de frases bíblicas que, vez ou outra, vão de encontro a ideais de dominação hegemônica de um País originalmente múltiplo em termos raciais, sociais, religiosos e econômicos como o nosso. Uma pandemia, a saber que provavelmente os eleitos de Deus estariam protegidos contra ela, viria bem a calhar para eliminar parte da população, exatamente aquela que representa a menos interessante para quem deseja um país padrão  ̶  pobres, velhos e doentes crônicos  ̶   tomadores de recursos. Deixaria correr solta a manifestação de sua força se não fosse a intervenção das outras instâncias institucionais.

Associada às iniciativas negacionistas, abominam o Conhecimento e a Ciência. Guindados ao poder pela pregação de seu evangelho particular, buscam desmantelar a Educação e as plataformas de expressão de artistas que exprimam um estilo de vida que destoem de seu projeto. Efetivamente, atacam um outro flanco do ambiente pernicioso que aviltaria o ideal de Pátria sem ideologia  ̶  a Cultura  ̶  na verdade, uma ideologia branca, de viés fascista-miliciano. Não é por outro motivo que propõem liberdade de armamento para a população. Que população seria essa? Minhas filhas, a Marineide, o Seu Zé da esquina, escritores, artistas, religiosos, locutores esportivos? Ou milicianos, que já usam armas com desenvoltura e já participam das máfias que prosperam à sombra do vácuo do Estado?

O Escritório do Crime de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, constitui um desses grupos de milicianos. Surgiu inicialmente como matadores de aluguel e, aos poucos, cresceu com a adesão de “de agentes de segurança do estado, entre servidores da ativa, aposentados e afastados. O grupo se imiscuiu em atividades ilegais, como a grilagem de terras, a construção e venda de imóveis sem licença, a extorsão de moradores e de comerciantes e o controle e cobrança de serviços essenciais como água, gás, luz e transportes públicos. A quadrilha também negocia permissões para que candidatos possam pedir votos nas áreas que domina. Só faz campanha ali quem paga pedágio”. Não duvido que possa ter se tornado, de fato, em reduto de votos de simpatizantes da milícia, como a famiglia que está em Brasília, ao molde dos antigos “currais eleitorais” da política brasileira, em que se colocavam eleitores em cercados até serem liberados para a votação. Os modernos currais se expandiram pelas redes sociais, armados de fake news, lançadas alegremente por uma fake elite e robôs pagos a soldo por empresários fakes.

Adriano Nóbrega, ex-capitão do BOPE, líder do grupo miliciano Escritório do Crime, em 2005 foi homenageado em projeto de resolução proposto por Flávio Bolsonaro, então deputado do PP, com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa do Rio, arquivo vivo no caso da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Depois de permanecer escondido com a ajuda de políticos e outros criminosos, está morto. Sua esposa, sumiu. Sua mãe, que foi assessora do mesmo Flávio, desapareceu. Fabrício Queiróz, amigo de 30 anos de Jair Bolsonaro, operador financeiro do grupo chefiado por Flávio, foi preso há pouco, na casa do advogado da famiglia. A amizade com Adriano “se formou dentro da Polícia Militar do Rio. Em 2003, os dois amigos participaram de uma ação da PM na Cidade de Deus que resultou na morte de um técnico de refrigeração. Há 17 anos, esse caso se arrasta entre a polícia e o Ministério Público, à espera de uma conclusão”. A ajuda de políticos poderosos tem preservado Queiróz de não ser punido. Sua esposa, Márcia, é fugitiva procurada. Não sei se o Santo Tony Montana, mesmo que com armas em punho, poderá ajudá-lo nessa etapa em que os soldados devem sumir ou se calar para o bem da segurança do Chefe e subchefes.

*As informações factuais deste texto foram amealhadas através do Wikipédia, órgãos de Imprensa como G1, Revista Época, El País, noticiosos de rádio, TV, YouTube e por observações e vivências pessoais.

BEDA / Scenarium/ No Mundo De 2020

2020

Soylent Green, que no Brasil foi chamado de No Mundo De 2020 e, em Portugal, de À Beira Do Fim, é um filme estadunidense de 1973, dirigido por Richard Fleischer e estrelado por Charlton HestonLeigh Taylor-YoungEdward G. Robinson. Vagamente baseado no romance de ficção científica de 1966 Make Room! Make Room!por Harry Harrison, que combina dois gêneros – policial-processual e ficção científica – trata-se da investigação sobre o assassinato de um homem de negócios rico. Em um planeta Terra com oceanos em extinção e alta umidade durante todo o ano, devido ao efeito estufa, resulta em poluição, pobreza, superpopulação, eutanásia e recursos naturais esgotados.

No ano de 2022, a cidade de Nova Iorque conta 40 milhões de habitantes. Para alimentar as inúmeras pessoas pobres e desempregadas, existem tabletes verdes chamados de Soylent Green, produzidos inicialmente através da industrialização de algas. Somente os ricos tem acesso a comidas raras, como carnesfrutas e legumes.

Quando um rico empresário das indústrias Soylent Corporation é assassinado em seu luxuoso apartamento, o detetive policial Robert Thorn começa a investigar. Ele de imediato suspeita do guarda-costas do empresário, que alega ter saído na hora do crime. Após interrogá-lo, Thorn vai ao apartamento do empresário e encontra indícios suspeitos, como uma colher com restos do caríssimo morango. Enquanto Thorn persegue o guarda-costas, seu idoso parceiro, Sol, começa a investigar os registros e papéis do empresário morto. Acaba por descobrir uma verdade estarrecedora sobre o tal tablete verde…” (Adaptado do Wikipédia).

Garotos, eu e meu irmão assistíamos em nossa TV preto e branco a filmes de todos os tipos. Os de ficção científica eram os nossos favoritos. Pessoalmente, comecei a gostar também de assistir a filmes europeus, musicais e noirs americanos. No Mundo De 2020, eu e o Humberto vimos juntos. Foi ele que chamou a minha atenção sobre o tema similar, quando o Capitão desdenhou do Covid-19, além de realçar que 90% dos abatidos pela doença seriam cidadãos acima de 60 anos, quase como a dizer que constituíam uma população “descartável”.

O personagem de Edward G. Robinson, emblematicamente em seu último papel antes de morrer, deseja se despedir dignamente da vida e adere a um programa de incentivo a eutanásia de maneira confortável e indolor enquanto revive em imagens cenas do belo mundo natural que existia antes de se tornar quase inabitável por conta do estilo de vida humano autodestrutivo que o levou ao caos.

Fica difícil cotejar o assunto do filme com a questão de os velhos serem considerados, em conjunto, um peso morto, normalmente usuários de programas assistenciais ou aposentadorias “dispendiosas” sem dar spoiler . Não o farei. O que o Capitão vocalizou, de alguma maneira, faz parte do pensamento de muitos que o elegeram. Ainda que muitos sejam igualmente velhos, que segundo discriminou, são pessoas de 60 anos ou mais. Como o dito cujo tem 65, talvez fosse ocaso dele mesmo pensar em se despedir dignamente da função que exerce por falta de condições em conduzir a administração do País.

Na pesquisa que fiz para rememorar os dados do filme sem parecer distante da mensagem que passa, acabei por encontrar várias informações interessantes. A realidade que mostra, de certa maneira, é o padrão da vida real de boa parte da população mundial – poluição, saneamento básico precário (“acostumada a nadar no esgoto”), escassez alimentar, precariedade de moradia, violência e superpopulação. Enquanto uma outra pequena parcela usufrui de uma estrutura impensável para quem está acostumado a se equilibrar entre a vida e a morte cotidianamente.

A chegada do Covid-19 parece tema de filme distópico, atingindo a todos de forma espraiada-generalizada. Porém nos Estados Unidos ela mostra a sua faceta mais grave ao avançar sobre as populações mais pobres, mormente constituídas por hispânicos e afrodescendentes. Muitos não têm planos particulares e não podem ser atendidos como ocorre no sistema de saúde brasileiro – representado pelo SUS – apesar da precariedade por causa dos escassos recursos muitas vezes desviados ou mal utilizados.

O Mundo De 2020 chegou, em muitos dos aspectos mostrados na produção de 1973, no mundo de 2020. Quando garoto, me assustei com as possibilidades tenebrosas que demonstrariam a tendência autofágica do homem moderno. Desde cedo, percebi o quanto caminhamos, por causa do sistema hegemônico que adotamos no planeta, para um estado irreversível de pobreza material de grande parte da população e de pobreza espiritual da parte que abocanha a maior porção dos recursos da Terra. Porque uns não abririam mão do poder que detêm, enquanto despossuídos almejam alcançar o mesmo poder, “decrescer” é um objetivo inalcançável nesta geração. Tenho por mim que se não desacelerarmos conscientemente, certamente seremos forçados a parar…

 

Beda Scenarium

 

Informações e análises adicionais em:
https://medium.com/ver-mais-text%C3%A3o/no-mundo-de-2020-909f3befcee5