Tudo começou com latas de manteiga que meu pai usava para guardar pregos, parafusos e itens similares. Comecei a desenhar as letras, uma por uma, em meu caderno de brochura da pré-escola. Ao terminar a página, passava para a outra sem o “vale” existente entre as duas me impedisse.
Nos primeiros anos escolares, lia os livros de todas as matérias até a metade do ano, por pura curiosidade e sede de conhecimento, não importando o tema. Excetuando as matérias exatas. No primeiro ano primário, como mudei de escola, li os dois de alfabetização, diferentes entre si.
Eu buscava o “Excelente!” das professoras como se fosse um prêmio para o meu artesanato na escrita. Ganhei alguns e percebi que gostava de agradar às minhas “primeiras leitoras”.
Quando ajudava o meu pai como “catador de papel”, entre os 12 e os 14 anos, recolhi vários livros jogados fora como lixo, o que me proporcionou formar a minha biblioteca particular. Alguns deles, guardo até hoje.
Quando garoto, apresentava algumas habilidades artísticas inatas: lia e escrevia com facilidade, desenhava razoavelmente bem e sabia modelar com massa e cheguei a usar barro para fazer algo parecido com “esculturas”, além de arte em relevo em madeira. Para completar arranhava bem o violão. Mas escrever começou a ganhar cada vez maior espaço. O meu mundo interior ganhava clareza no uso das palavras, as quais comecei a cultivar com carinho crescente. Namorava termos e sentenças. Buscava os efeitos inusitados e passei a amar livros e escritores que me estimulavam mais fortemente.
Porque escrevia bem, segundo avaliaram, fui escalado como candidato a um concurso de leitura. Eu e outro colega “duelamos” para representar a nossa escola. Fiquei tão incomodado com aquilo que não me esforcei para vencer. Depois da decisão, feita pelo professor, me perguntaram a razão de estar sorrindo. Não sabia responder. Ao ler em público, percebi que além da timidez, tinha uma maneira não linear de ler. Era como se eu tentasse “escrever” o texto ao mesmo tempo que lia. Achava estranho quando a ideia era desenvolvida diferentemente do que eu estava imaginando. Tive que me disciplinar para que pudesse ler “realmente” o que propunham os escritores, ainda que saiba que ler também é reescrever uma história.
Como adorava cinema, pensei em me tornar um cineasta. Mas sabia que a “sétima arte” no Brasil era precária. Depois, me imaginei um publicitário. Isso, antes de não querer mais “participar do sistema” de forma alguma, a partir dos 17 anos. O máximo que cheguei perto “fazer um filme” foi participar como figurante de “Feliz Ano Velho”, em 1987, quando fui aluno de História, na USP e lá recrutaram quem quisesse fazer parte da filmagem. Mas desde o início meu foco recaía na criação e desenvolvimento literário por trás da expressão cinematográfica.
Em certa época, encetei a possibilidade de me tornar Frei Franciscano. Não cheguei a frei, mas franciscano sou até hoje. Enquanto lia obras sacras relacionadas aos temas para a preparação seminarística, continuava a ler os livros seculares ou mundanos. Os de Machado de Assis, por exemplo, eram sagrados para mim.
Ao me casar, diminuí bastante a atividade da escrita, até praticamente deixar de escrever. Depois de vinte anos “parado”, voltei a exercitar a palavra escrita com o surgimento das redes sociais. Alguns anos depois, Edward Hopper e Maria Cininha me juntou a Lunna Guedes. Sob sua orientação, percebi que tinha que reaprender a escrever.
Aos 55 anos, lancei o meu primeiro Livro — “REALidade”. Mais dois — “Rua 2” e “Confissões” — se sucederam, pela Scenarium Plural – Livros Artesanais. É bem possível que um quarto venha à luz ainda este ano — 2121 — também conhecido como segunda edição de 2020.
Eu também tinha dificuldade em ler certas histórias. Discordava do final e começava a ralhar com o autor como se estivesse diante de mim. Como já era vista como esquisita por outras pessoas, não resultou em nada além de olhares arregalados. rs
Você me faz sentir menos incongruente. Ou melhor, me sinto menos sozinho em minhas loucuras.