O que mudou? Para uma civilização em que a maioria de seus habitantes vive nas cidades, quase nada. Principalmente em um País que tem quase todo seu território entre as linhas do Equador e de Trópico de Capricórnio, com variações climáticas mais tênues que nos países muito acima ou abaixo da metade imaginária do planeta.
Viver em metrópoles desvincula o seu morador do ciclo natural em que as estações anunciam as suas características de forma mais aberta. O asfalto e as casas de pedras impedem que as águas das chuvas penetrem no solo e, nesses momentos, ou quando o sol inclemente frita os cidadãos nas calçadas sem cobertura verde, é que a questão ambiental interfere no dia a dia desses seres desarmados de aparelhos de ar condicionado.
Com os horizontes descontinuados pelas grandes construções, nem os céus nem os sonhos ganham profundidade e a inclinação da Terra em relação ao Sol não pode ser visualizada nos efeitos mágicos de cor que são produzidos quando o tempo não está fechado.
O desequilíbrio climático apenas agrava as péssimas condições nas quais vivemos. Para sustentarmos a civilização que tem o granito e o aço como símbolos do progresso, acabamos por contaminar a nossa alma e nosso pensamento pela falta de magia que é a revelação da vida natural, naturalmente…
Forçamos o início e o fim do processo como a acionar um botão de liga e desliga, sem passarmos pelo tempo intermediário que é a base da própria existência e os ciclos não se cumprem…
Há momentos em que devemos tomar uma decisão crucial. Ainda que exista dilemas a serem resolvidos, dúvidas a serem esclarecidas, posturas a serem aclaradas. Isso ocorre quando uma das posições se mostra tão absolutamente contrária ao que pensamos sobre o mundo que não há como deixar de optar pelo caminho oposto. Não será de olhos fechados ou uma dando carta branca sem discutir claramente todas as consequências das ações a serem levadas adiante que darei o meu voto. Mas sim para que retomemos o caminho da valorização da vida como patrimônio maior do País. Para que sejamos valorizadas em nossas origens e regionalidades, gêneros e identidades, dimensões e classes, direitos e deveres.
Sim, temos o dever de defender o direito de expressão, a liberdade de crença, de crer em si como pessoa humana ainda que não identificado com o gênero que nasceu, com o direito da mulher assumir o comando de seu corpo, das raças deixarem de ser estigmatizadas por terem justamente sofrido no passado o crime de prisão por gerações por causa da cor da pele. Ainda mais neste País em que a maioria de habitantes é composta por minorias sem condições de alcançar o desenvolvimento pessoal – por falta de educação, por falta de habitação, alimentação, saúde e paz.
Quando a arma de fogo se torna o símbolo de um governante, não há como acreditar nesse deus que ele diz falar em seu nome. Deus de sangue, ranger de dentes, vingativo e tendencioso. Que vê com desdém o adoecimento de dezenas de milhões e a morte de centenas de milhares de brasileiros. Banhar-se nas águas do Rio Jordão não faz de ninguém um crente. Ele representa o Mal quando defende a invasão de terras onde os mananciais de nossas próprias águas estão sendo envenenados. Quando incentiva que nossas florestas sejam derrubadas, que territórios de imensa diversidade biológica sejam arrasados, quando vê com menosprezo os povos originários e os que os defendem, sendo aniquilados. Já não bastou termos espoliados quem antes aqui vivia.
Parece que há uma sanha por extingui-los da face da Terra. Esse é um crime que não devemos permitir, por conta de vermos extinta a nossa humanidade. É primordial cuidarmos de nossa fauna, biomas e a qualidade de nosso ar. Devemos defender o aumento dos recursos em pesquisas, para tornar o Brasil líder em desenvolvimento de soluções para o mundo na área dos recursos naturais, sem devastarmos as diferentes expressões de vida nos mais de 8 milhões de quilômetros quadrados de nosso território – interior, litoral, planaltos, planícies, vales e montanhas.
Quero ver o povo feliz cantando e dançando. Quero ver a cultura popular elevada à condição de patrimônio em toda a sua riqueza e diversidade. Quero ter acesso às artes visuais, às plásticas, às tridimensionais, `musicais, às experimentais. Todas incentivadas como meios de alcançar o bem-estar da alma. Quero que o povo tenha direito ao lazer, à diversão, o direito de soltar a voz em nome do amor sem interdição de origem e destino. Por que demonizar o amor e colocar o ódio como linguagem do homem? Por que tornar a mulher um sinónimo de “fraquejada”, quando todos sabemos (mesmo aqueles que não confessam) que ela é a parte mais forte da sociedade? Que sem a mulher, a ideia de família como a conhecemos não existiria e a civilização não sobreviveria? Sem a mulher seríamos homens que reproduziríamos filhos à nossa imagem lhes dando números em vez de nomes – 01, 02, 03, 04… Psicopatas com psicopatinhas como apêndices.
No dia 1º de janeiro de 2023, quero ver Lula desfilar novamente pela Esplanada dos Ministérios no Rolls Royce devidamente desinfetado. Quero ver a pastora que desfila e registra em fotos para divulgação de uma marca de roupas em pleno féretro da Rainha Elizabeth II, sendo substituída porJanja. Quero ver a socióloga dançar livre, leve e solta como digna representante da mulher brasileira atuante e independente. Quero o velho com o coração de jovem no poder. Que velhacos já nos bastam os que estiveram e estão no comando desse desfile macabro da guerra contra a Ciência, o Conhecimento, o Saber, tendo prazer em desconsiderar os avanços que não lhes aprazem, como a urna eletrônica.
Esses sujeitos costumam se autodenominar como conservadores. São, de fato, retrógrados, que não admitem a modernidade. Mas o povo brasileiro já percebeu que a indigência política que vivemos tem que ter um ponto final. Hoje será dado apenas mais um passo. Até o final do ano, o Ignominioso Miliciano terá tempo de acionar a sua horda para tentar desequilibrar o nosso cotidiano. Fiquemos alerta – esse é o preço de mantermos a Democracia como nosso modelo de governo – a eterna vigilância.
Em minhas caminhadas matutinas, tenho circulado pelas ruas, avenidas e vilas da minha região. Ao subir por uma das inúmeras ladeiras da típica topografia acidentada da Zona Norte de Sampa, encontrei uma loja de cabelereiros. Como era cedo, talvez abrisse mais tarde. Talvez não abrisse. Estamos em fase de restrição devido à Pandemia. O que me chamou a atenção foi o lindo nome da loja – Kairós – e seu significado.
Na estrutura linguística, simbólica e temporal da civilização moderna, geralmente emprega-se uma só palavra para designar a noção de Tempo. Já os gregos antigos, tinham duas palavras para o fenômeno da sua passagem: Khronos e Kairós. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico ou sequencial (o que se mede, de natureza quantitativa), o segundo possui natureza qualitativa, o instante indeterminado no Tempo em que algo especial acontece: a experiência do momento oportuno. O termo é usado também em Teologia para determinar o “tempo de Deus” (a Eternidade) – enquanto Khronos representaria o “tempo dos Homens“. Referência: Wikipédia.
Que se use Kairóz como nome de um “Salão de Beleza” ou Barbearia/Cabelereira é instigante quanto às possíveis interpretações. Afinal, ali se pratica uma ação que se circunscreve a algo de efeito imediato, porém efêmero. Porém, como a intenção é que alguém se apresente mais bela/belo com consequente aumento da autoestima e melhor estado de espírito – o que poderia ser considerado tão efetivo quanto uma oração – torna-se “divino”. Dessa forma, atende-se a experiência do momento oportuno, o Tempo de Deus, ainda que se decorra no tempo dos Homens.
O fato é que ainda que tenha sido de maneira inesperada, foi oportuno eu ter feito essa rota escolhida a esmo para lembrar que o Tempo só tem valor se o vivermos intensamente, não em quantidade improdutiva.
Garoto, há um pouco mais de 50 anos, íamos pela principal avenida da Vila Nova Cachoeirinha — Deputado Emílio Carlos— em direção à Barra Funda, onde eu estudava na Canuto do Val e meus irmãos, ainda antes dos 6 anos, ficavam no Parque Infantil Mário de Andrade. Depois, eu também era levado para o Mário de Andrade e lá passava o resto do dia, até nossa mãe vir nos buscar depois do trabalho. Projeto educacional dos Anos 30 implementado pelo mesmo Mario de Andrade que o nomeia, o então Secretário da Educação acreditava num ensino abrangente em tempo e profundidade — alfabetização, teatro, música, artes plásticas, esportes e jogos-brincadeiras.
Na ida e na volta, passávamos pelo Monkey’s Motel e curioso como sou até hoje, minha mãe não sabia o que responder quando lhe perguntava o que representava os três macaquinhos e o que era aquele lugar com uma entrada tão atraente, uma espécie de boca de caverna pela qual se adentrava em um mundo novo e divertido. Então, a nossa região era isolada e o asfalto era raro, exceção feita a da “Deputado” desde o Largo do Japonês. Quase à mesma época, começou a construção do Hospital Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, com uma concepção futurista para a época. A distância dos dois estabelecimentos não era grande, cerca de trezentos metros. A região parecia progredir. O antigo estábulo no Largo deu lugar a uma construção que abrigou mais tarde um banco e o asfalto começava a chegar a algumas ruas abaixo, incluindo a minha. Nessa época, vivia dias de emoção descendo com carrinhos de rolimã por ela desde a atual Avenida Ministro Lins de Barros. Apesar do perigo das quedas, que não eram poucas, havia mais segurança, já que circulavam poucos carros e as carroças em maior número eram lentas. Como dado adicional para comprovar que a vida era outra, as entregas de leite, frutas, legumes e verduras eram feitas antes da abertura dos estabelecimentos comerciais, mas ninguém tocava nos produtos.
Por meu turno, continuava com a minha ingenuidade à flor da pele. Porém, cheguei à adolescência sabendo do que se tratava um motel (da maneira que é utilizada essa denominação no Brasil) — um lugar de encontros sexuais. Ficava imaginando a razão das pessoas irem a esse estabelecimento a não ser pelo fato de encontrar condições mais favoráveis do que teriam em casa. Até que a “revelação” de que ali não somente pessoas com “laços oficiais” praticavam o sexo. Normalmente, com a aparência de algo proibido, de fato, a grandíssima maioria que frequentava o Monkey’s não eram casados, a não ser com outras pessoas. Se consideram que a minha inocência fosse incomensurável, concordo. Tinha uma visão romântica da vida e o meu senso do certo e do errado era totalmente irreal. Mais tarde, entendi o que os três macaquinhos queriam demonstrar: que ali, quem entrasse, teria a sua intimidade preservada — nada seria visto, ouvido ou dito — sobre os encontros que testemunhassem.
No entanto, na tradição da sabedoria budista, os três macaquinhos representam características comportamentais exemplares que nos levariam à elevação de caráter. Iwazaru, o que tapa a boca, significaria “não falar o mal”. O que cobre os olhos, Mizaru, expressaria: “não ver o mal”. E Kikazaru, o que tapa os ouvidos, revelaria que deveríamos “não ouvir o mal”. Que nossa boca jamais fale o que possa prejudicar os outros. Que meus olhos nunca vejam nada além das boas intenções. Que jamais possamos dar ouvidos ao que atente contra a nobreza espiritual. De uma forma um tanto enviesada, mas totalmente afeita às características sociais de nossa civilização, os macaquinhos se prestam às nossas contradições, carregadas de regras religiosas e normas de conduta morais que engessam a manifestação da liberdade da pulsão mais poderosa que carregamos — a sexual ou libido — enquanto quase que diariamente é estimulada a pulsão agressiva em nossas atividades formais para “vencermos na vida”. O outro, em vez de ser a possibilidade de um encontro amoroso, é considerado um inimigo em potencial.
Essa característica de algo que passeia por nossas questões psicológicas, desejos e fantasias, se estendem a nomes de vários motéis: Álibi, Obsessão, Delírio’s, Êxtase, Frenesi, Romance, Éden, Feitiço, Fuego, Secreto Amor, Sigilus, Paixão, Sonhos, C Q Sabe, Devaneio, Libidus, Paraíso, Sedução, Nirvana, Planeta Sex, Swing, Posições, Yes Bumbum. De fato, quem vai a um motel dificilmente será para fazer outra coisa que não seja a prática de sexo. As modalidades variam, o número de participantes, assim como os gêneros envolvidos. O motel é um local de celebração da vida. Para corroborar o quanto se identificava com a cidade, nos últimos anos, um mural homenageava monumentos paulistanos. No Monkey’s, eu nunca fui e nunca irei. O imóvel está sendo demolido. Em seu lugar, surgirá um condomínio residencial. Com o tempo, o local que ficava num ponto afastado da cidade, tornou-se cercado de farmácias, supermercados, um outro condomínio, residências de bairro. Foi perdida a sua natureza reclusa. Ficará em minha memória o encantamento infantil com os macaquinhos, a estranheza adolescente da descoberta de seu caráter proibido e sua posição social de atividade adulta.
No mural, se lê: “Motel Monkey’s dedica esta obra à cidade de São Paulo“
Acordei a pensar nas mulheres. No quanto elas são diversas e divinas; únicas e triviais; ostensivas e intraduzíveis; simples e talentosas; práticas e mágicas… Citei, certa vez, que muitas mulheres são bruxas. Antes que um xingamento, considero essa expressão, um elogio. As bruxas foram aquelas mulheres de todos os séculos que, por justamente estarem a frente de seu tempo ou compreenderem a complexidade das coisas ao seu redor e muitas vezes para além de seu território e tempo, acabaram segregadas, condenadas e sacrificadas no fogo ou outro meio de erradicação daquela presença incômoda pelos homens, então no poder aparente.
Sempre tentei compreender o lugar da mulher na História — uma história normalmente contada por vencedores e homens. Como elas quase sempre aparecem como um apêndice da atuação masculina, percebi que havia algo errado nesse conto do vigário (portanto, um homem). Aos poucos, pude encontrar exemplos de trabalhos e movimentos de origem feminina, em várias frentes, pelos quais os homens levaram a fama. Sei que, pela divisão do trabalho que se desenvolveu ao longo da civilização humana, os homens assumiram as funções mais visíveis e, supostamente, mais proeminentes. No entanto, o serviço de base, desde a organização dos “pequenos” detalhes do dia a dia até a cuidado dos novos comandantes da ação, bem como a reprodução dos movimentos básicos que suportaram e ainda suportam as bases do nosso crescimento como seres que buscam a evolução, foram realizadas por mulheres. Isso, se não acontecer da participação da fêmea da espécie ser tão escancarada, que seja impossível evitar que ela esteja presente nos anais históricos como autora, inventora ou diretora da criação.
Portanto, desejo às todas as bruxas de minha afeição ou distantes de mim, os melhores votos de boa condução do novo mundo que nasce sob os escombros da incapacidade masculina em administrar o nosso espaço. Espero que vocês tenham aprendido com os nossos erros e não assumam a nossa postura arrogante. As imagens que estou postando junto com este texto estão tratadas com efeitos e derivam de originais pelas quais fiquei obcecado. Trata-se de modelos de vitrines que deviam estar ali para serem reparadas. Alguns dos corpos estão mutilados, sem algum dos membros ou, até, sem as cabeças. Quantas vezes não ouço dizer que mulheres são boas, pena que tem personalidade e falam. Triste! Porém creio que, no fundo, mesmo os machistas sabem que sem as mulheres nós não estaríamos na Terra, seja como espécie, seja como digníssimos filhos da mãe! E, por isso, talvez carreguem certa inveja rancorosa.