… que jamais repousam ousam surgir nos momentos menos esperados porque sou desejo o tempo todo vibro à flor da pele caso quisesse não desejaria morrer bastaria sou apaixonado sou libido sou querer sou aquele que gostaria de beijar a boca avulsa colo barriga a vulva passear com as mãos nuas em toque suaves e profundos viajar com os dedos por tempos e templos visitar outros mundos consubstanciar salivas e sumos feitos unções aprisionar corações e libertar pulsões correr para o quarto escuro e conhecer a claridade a clareza a certeza de que vivemos pela epiderme até invadirmos e sermos invadidos seremos encontrados perdidos…
Seria tão fácil se a luz revelasse tudo… A excessiva claridade também pode ofuscar a realidade pois o que ela revela está além da capacidade que algumas pessoas têm em enxergá-la. Há os cegos por opção ou com incapacidade de percepção. Os que favorecem as distorções, as angulações os posicionamentos, as posições as lentes reducionistas, as que ampliam o que é pequeno demais. Há os que estão a ver o que acontece, cientes das consequências e desejam se beneficiar com a miopia ou cegueira coletiva, incentivada ao afirmarem de que também não veem nada… O entendimento da realidade imediata acaba por se tornar algo tão pessoal que é comum duas pessoas brigarem por concordarem no conteúdo mas não na forma. Radicalmente acho que só nos entendemos intimamente no escuro com as bocas abertas e as línguas caladas num beijo profundo…
“O meu momento mais íntegro neste ano que se encerra, em que me senti como parte da Natureza. Penedo.”: publiquei no Twitter. O momento a que me refiro me mostra tentando me equilibrar em meio à força ao turbilhão formado por uma das muitas corredeiras de Penedo. A palavra “meu” me pareceu de início redundante porque, logo depois, reitero que naquele instante “me” senti verdadeiramente integrado à Natureza, nossa Mãe. Realmente, a força da água fria, o som daquele jorro de claridade líquida, emoldurada pela vegetação exuberante, me deu a inteira acepção do poder natural. Era meu, aquele momento, e agora é nosso, compartilhado com quem me lê em marca d’água.
Quando alguém se torna uma “Ideia”, como se fosse a perfeita definição de uma ideologia, na verdade incorre-se numa idealização. Normalmente, subjetiva. Qualquer um pode pensar o que quiser sobre essa ideia.
Quando alguém é chamado de Mito, podemos inferir que mito seja uma questão de interpretação, geralmente enganosa. Como o “Mito da Caverna”, de Platão. Nele, a experiência de vida reclusa se confronta com a claridade – um conhecimento novo – que é alcançado quando o sujeito se liberta do claustro. Seria tão fácil se a luz revelasse tudo… A luz também pode ofuscar, a ponto de não percebermos a verdade. É como se o brilho excessivo revelasse algo que está além da capacidade que algumas pessoas têm em enxergar. Há igualmente os cegos por opção ideológica ou incapacidade de percepção por estarem com as costas voltadas para o lado contrário ou porque a mentira lhes convém.
Há, ainda, os que estão a ver o que acontece, das suas possíveis consequências e apenas querem se beneficiar com a miopia ou cegueira coletiva, ao afirmarem que também não estão a ver a realidade ou interpreta-na de forma fantástica. É comum acreditarmos muito mais na mentira elaborada do que na verdade simples. São os recursos dos manipuladores-ilusionistas.
O entendimento da realidade imediata, portanto, acaba por se tornar algo tão pessoal que é comum duas pessoas brigarem por concordarem na essência, mas discordarem quanto à forma. Radicalmente, acho que só nos entendemos convenientemente no escuro, com as bocas abertas e as línguas caladas num beijo…
Durante alguns anos, dos 8 ou 9 até os 13 ou 14, eu tive um radinho de pilha japonês, com o qual ouvia programas logo de manhã e antes de dormir. Durante todos aqueles anos era um garoto auto recluso, que preferia músicas nem tão populares de Nat King Cole, Ray Charles, Frank Sinatra, Soul Music dos grupos negros americanos, além de MPB. A minha emissora favorita era a Rádio Panamericana AM, de São Paulo. Na maviosa voz de Ana Maria Penteado, a partir das 22h, tendo ao fundo o tema de ”Summer Of 42”, de Michel Legrand, era anunciado: “É noite, tudo se sabe” – frase que reverbera até hoje em minha mente. A sentença consegue dizer tanto sem revelar nada, porque não precisa. Se não sabemos, intuímos, o que é, muitas vezes, mais poderoso do que propriamente sabermos.
Muito do que se intui da noite é suscitado pelo luar. É quase sonho de leite a boiar na negritude do café adoçado de estrelas. Hora se mostra, hora se esconde por entre ramos e nuvens, vãos e desvãos de nosso lugar de observação. Há certas ocasiões que não somos nós a observá-la, mas ela a nos encontrar apartados de nós e de outros em imenso espaço vazio. Quando parece crescer, é para se fazer presente e mais próxima por piedade de nossa solidão.
A noite é o tempo preferido para amar. A escuridão, que a muitos assusta, serve de cobertura para os amantes. Os encontros se dão após um dia inteiro de labuta, mas nada impede que ocorra na hora do almoço ou happy hour. Eu trabalho quase sempre em eventos festivos noturnos, se bem que a preparação se dê ao longo do império solar. O registro acima foi feito em São José dos Campos, onde estava a trabalho, com a visão do vale em movimento incessante de carros pela Dutra e vias vicinais. Em sugestivo lilás, um grande motel se destaca ao centro. No Brasil, motéis ganharam a conotação de lugar para encontros sexuais. Em um país de progressiva mentalidade repressora, imagino o dia em que templos como esse serão combatidos pelos defensores de templos concorrentes, aqueles que alegam professar outro tipo de amor, naturalmente a soldo. É o mercado das almas…
Minha filha canina, Betânia, gosta de vigiar a vizinhança, tanto de dia quanto de noite. Seus latidos emitidos em função de quaisquer coisas que se movam ou produzam algum tipo de som, continuam ainda que a admoeste. Equilibrada em beira de laje ou na mureta, ela olha para mim, percebe que fico no mesmo lugar e volta a latir pelo puro prazer de se expressar contra a natureza do invisível. O que me resta é registrar a imagem, como faria um pai babão com as artes e artimanhas de sua criatura.
O negrume pelo caminho é riscado por luzes em formas variadas. Ainda que saibamos se tratar de automóveis – carros de passeio, vans e caminhões – seriam perfeitamente reconhecidos como objetos voadores-movediços não identificados, pela ilusão que causam ao passarem por nós, em qualquer sentido. O som contínuo do motor parece o de uma máquina de perpetuum mobile, monocórdico e entediante. O cansaço e o sono ajudam a produzir a sensação onírica de viagem astral. É noite, tudo se sente…
Prédio Caetano de Campos, na Praça da República
Vivo em São Paulo. Quase não passo por algum ponto que não esteja minimamente iluminado. A luz artificial se faz de tão modo presente que sua ausência é razão de desconforto, como se faltasse algo a nos completar. Precisamos desses sóis particulares para nos identificarmos como seres. Não bastaria sabermos disso, temos que confirmar nossa condição de habitantes da pólis banhada em claridade. A noite nos pertence como tema, atrativo e contraponto – somos entes da luz emprestada e da sombra permanente. Sei disso, porque vivemos em noite eterna…