Acordo No Céu

Céu

A Natureza vive de nos envolver em brincadeiras
Das calmarias às ventanias de arrancar bandeiras
Nos transporta da estabilidade ao chão fendido
Do acolhimento da sombra ao tronco retorcido

Da temperança do ar à sobrevinda do cataclisma
Da sucessão das estações ao desarranjo do clima
Do calor seco do Saara ao frio da gélida Antártida
É raro a temperatura se apresentar sempre tépida

É como se fora as desventuras do amor e da paixão
Um, o ambiente é a Terra; outro, o lugar é o coração
Hoje, a raridade se fez regra – houve um acordo no céu
Uma trégua no calor, no furor, a fazer duvidar o incréu

Descia suave cortina de chuva enquanto reluzia o sol
Era o entardecer a me oferecer mais um tema de escol
Pássaros cantavam, abelhas bebiam doce vida da flor
Um final de luz natural que carregarei para onde for…

Sentires

Sentires

Em determinado momento, ela diz que está com ciúmes de mim. Contraponho, um tanto sarcasticamente, que a palavra correta é “ciúme”. É um sentimento. Que não sentimos ódios de uma pessoa, apenas ódio. Ela refuta que, a depender de quem se trata, sente ódios, mesmo.

A sua última resposta me faz refletir sobre o que até então propunha como certo – a unicidade dos sentimentos. Logo, me vem à cabeça “ O Quereres”, de Caetano, cuja letra coloco como divisa de identidade, para desespero de quem gostaria que eu fosse assertivo como um machão e convicto como um louco. Quando, na verdade, sou apenas um macho convicto de minha loucura terçã…

Há pouco, ouvi de alguém: “ando com saudades…”. Foi algo tão doce que não refutei, mesmo porque já havia percebido que, contrariamente ao que pensava antes, é possível sentir ódios, felicidades, amores, alegrias, saudades, desprezos, ciúmes, esperanças…

De alguma maneira, cada um dos sentimentos apresenta gradações e dimensões. Sentimos maiores e menores felicidades, mais rasas e mais profundas alegrias, mais rasgados e mais brandos desprezos, muitas esperanças, ódios mais intensos e odiozinhos apenas pontuais, assim como existem amores e amores…

Seria interessante perguntar que tipo de ciúmes ela estava a sentir por mim: aquele pontiagudo, que fere o peito sem consolo, por sentir o objeto amoroso longe de seu raio de influência ou aquele protocolar, que surge ao ver a quem ama não pensar o tempo todo nela ou nele, manifestado quase como uma obrigação? Pode-se conjecturar que quaisquer ciúmes, o maior e o menor, dizem respeito a possessividade. Quem ama e é amado quer pertencer e ser pertencido a quem ama, em sua versão passional.

Saudades, então, sentimos tantas… maiores ou menores, longas – a caminhar conosco por toda nossa vida – ou breves, como lufadas de vento matinal que nos deixam melancólicos até o primeiro gole de café… Costumo dizer que saudade é como se fosse presença na ausência. Está lá no horizonte como paisagem a nos lembrar dos outros em nós a cada raiar do sol, a cada chuva no quintal de terra seca, a cada beijo da lua em nossa face cada vez mais envelhecida. Em muitos, a saudade é um sentimento tão pleno que cada hora a menos de vida é uma hora mais próxima de reencontrar quem ficou pelo caminho…

Nesse caso, há muito amor envolvido. Amor que ultrapassa tempos e vidas. Diferente de amores que sentimos eventualmente por seres que atravessam nossos olhos, a refletirem, na verdade, o amor que desejamos dar. Acabam por se tornarem tristezas, porque foram alegrias que se consumaram em cinzas – amores que sentimos um dia, mas que custamos a acreditar como amamos tanto…

Esperança… Como escapar de esperar que tudo seja melhor? Uma só esperança não basta. A maioria dos seres humanos só respira porque é feita de esperanças. Porque a cada momento que passa por uma frustração, renasce mais uma esperança. A esse mal, eu busco renunciar. Resolvi não ter mais esperança – simples assim. Não quero me desesperar – nem esperar. No entanto…

O mais triste – oh, tristezas! – é que esperamos ter certeza completa sobre os sentimentos dos outros por nós. Ou talvez isso faça parte de uma de nossas alegrias. Mesmo porque a dinâmica de nossos sentimentos é cambiante como foi o clima de outubro em São Paulo – além do natural, o mental, por causa das eleições. Ademais, a depender de como avaliamos nossos sentimentos, é comum nos enganarmos quanto a complexidade dos mesmos. Como quando dizemos que odiamos alguém – é quase como declarar que a amamos, de uma forma diferente – as homenageamos, no mínimo.

Dentro de nós misturam-se complexas gamas de sentimentos. A sinceridade em saber identificá-los é um caminho libertador. Nos tornamos melhores, admirações à parte. Ainda que eventualmente nos sintamos piores ao reconhecermos invejas, rancores, orgulhos, avarezas, possessividades a guiarem nosso comportamento. Aceitarmos nossos mais baixos sentires, ainda que a princípio os refutemos – é uma questão de fidelidade (sem plural) a nós mesmos.