Sentires

Sentires

Em determinado momento, ela diz que está com ciúmes de mim. Contraponho, um tanto sarcasticamente, que a palavra correta é “ciúme”. É um sentimento. Que não sentimos ódios de uma pessoa, apenas ódio. Ela refuta que, a depender de quem se trata, sente ódios, mesmo.

A sua última resposta me faz refletir sobre o que até então propunha como certo – a unicidade dos sentimentos. Logo, me vem à cabeça “ O Quereres”, de Caetano, cuja letra coloco como divisa de identidade, para desespero de quem gostaria que eu fosse assertivo como um machão e convicto como um louco. Quando, na verdade, sou apenas um macho convicto de minha loucura terçã…

Há pouco, ouvi de alguém: “ando com saudades…”. Foi algo tão doce que não refutei, mesmo porque já havia percebido que, contrariamente ao que pensava antes, é possível sentir ódios, felicidades, amores, alegrias, saudades, desprezos, ciúmes, esperanças…

De alguma maneira, cada um dos sentimentos apresenta gradações e dimensões. Sentimos maiores e menores felicidades, mais rasas e mais profundas alegrias, mais rasgados e mais brandos desprezos, muitas esperanças, ódios mais intensos e odiozinhos apenas pontuais, assim como existem amores e amores…

Seria interessante perguntar que tipo de ciúmes ela estava a sentir por mim: aquele pontiagudo, que fere o peito sem consolo, por sentir o objeto amoroso longe de seu raio de influência ou aquele protocolar, que surge ao ver a quem ama não pensar o tempo todo nela ou nele, manifestado quase como uma obrigação? Pode-se conjecturar que quaisquer ciúmes, o maior e o menor, dizem respeito a possessividade. Quem ama e é amado quer pertencer e ser pertencido a quem ama, em sua versão passional.

Saudades, então, sentimos tantas… maiores ou menores, longas – a caminhar conosco por toda nossa vida – ou breves, como lufadas de vento matinal que nos deixam melancólicos até o primeiro gole de café… Costumo dizer que saudade é como se fosse presença na ausência. Está lá no horizonte como paisagem a nos lembrar dos outros em nós a cada raiar do sol, a cada chuva no quintal de terra seca, a cada beijo da lua em nossa face cada vez mais envelhecida. Em muitos, a saudade é um sentimento tão pleno que cada hora a menos de vida é uma hora mais próxima de reencontrar quem ficou pelo caminho…

Nesse caso, há muito amor envolvido. Amor que ultrapassa tempos e vidas. Diferente de amores que sentimos eventualmente por seres que atravessam nossos olhos, a refletirem, na verdade, o amor que desejamos dar. Acabam por se tornarem tristezas, porque foram alegrias que se consumaram em cinzas – amores que sentimos um dia, mas que custamos a acreditar como amamos tanto…

Esperança… Como escapar de esperar que tudo seja melhor? Uma só esperança não basta. A maioria dos seres humanos só respira porque é feita de esperanças. Porque a cada momento que passa por uma frustração, renasce mais uma esperança. A esse mal, eu busco renunciar. Resolvi não ter mais esperança – simples assim. Não quero me desesperar – nem esperar. No entanto…

O mais triste – oh, tristezas! – é que esperamos ter certeza completa sobre os sentimentos dos outros por nós. Ou talvez isso faça parte de uma de nossas alegrias. Mesmo porque a dinâmica de nossos sentimentos é cambiante como foi o clima de outubro em São Paulo – além do natural, o mental, por causa das eleições. Ademais, a depender de como avaliamos nossos sentimentos, é comum nos enganarmos quanto a complexidade dos mesmos. Como quando dizemos que odiamos alguém – é quase como declarar que a amamos, de uma forma diferente – as homenageamos, no mínimo.

Dentro de nós misturam-se complexas gamas de sentimentos. A sinceridade em saber identificá-los é um caminho libertador. Nos tornamos melhores, admirações à parte. Ainda que eventualmente nos sintamos piores ao reconhecermos invejas, rancores, orgulhos, avarezas, possessividades a guiarem nosso comportamento. Aceitarmos nossos mais baixos sentires, ainda que a princípio os refutemos – é uma questão de fidelidade (sem plural) a nós mesmos.

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