Sopa De Pão*

Depois do advento da Diabetes, há quase 14 anos, eu me acostumei a comer de três em três horas. Aliás, se fico mais tempo do que isso, meu estômago começa a reclamar, devido às pequenas quantidades que consumo. Depois disso, começo a sentir uma pequena dor de cabeça que poderá aumentar muito se não me alimentar, nem que seja uma fruta ou outra coisa. O problema é que meu horário de alimentação varia muito a depender da hora que acordo, um tanto irregular. Como tinha várias coisas a fazer, decidi pegar dois pãezinhos integrais de dois dias e fazer rapidamente uma sopa de pão. Basicamente, é uma mistura de café com leite em uma caneca de metal, deixar quase ferver e misturar os pães passados em fatias com manteiga, requeijão ou margarina, a qual não uso mais. É um alimento um tanto calórico, mas que queimo rapidinho em minhas caminhadas de 7Km em média por dia. O mais precioso são as lembranças que me remetem aos tempos de precariedade alimentar em que nada se perdia em casa (costume que mantenho) — de pães para fazer pudim, sopa, torradas ou de arroz para fazer tortillas — entre várias outros alimentos. O melhor tempero então era a fome e hoje, acrescida da saudade.

*Texto de 2021

Pelos Anos… *

Estou verificando as minhas contas do Twitter, que não visitava há muito tempo, e lá encontro postagens do grandíssimo Millôr, falecido em 2012. O incrível é que suas charges e textos ecoam até hoje como atuais. Como este: “Coisa estranha é certos pobres-diabos terem orgulho da riqueza do patrão que lhe paga um salário”…

*Texto de 2020

“Paê, para onde está indo o Sol?”

“Filho, nem sempre as coisas são o que parecem ser… É a Terra que está a dar uma volta sobre si mesma, enquanto viaja no espaço em torno do Sol. E ele é apenas uma estrelinha entre milhões de outras na Via Láctea, em torno das quais giram outros tantos planetas como o nosso. E a nossa galáxia é apenas mais uma entre milhões de outras, neste canto do Universo… Sendo assim, somos muito pequenininhos…”.

“Pôxa, paê, isso eu sei… Sou o menor da escola…”.

*Texto de 2016

Bananas ao Sol

invernal na manhã

desta terça-feira

de feira.

Estão,

a manhã e as bananas,

vestidas lindas de viver

de amarelo de comer…

*Poema de 2015

B.E.D.A. / A Grande Periferia

Depois de meses, voltei a me locomover por ônibus. Readquiri a condição de voyer da vida externa para além dos muros da cidadela periférica onde vivo. Em caminhadas na minha região, ao olhar mais de perto expressões da discrepância entre riqueza e pobreza, passei a valorizar muito mais a facetas variantes desta última por suas soluções arquitetônicas criativas. Em vez de feiura, juro que cheguei a ver beleza.

Sei que, se pudessem, os moradores de residências mais simples e improvisadas, prefeririam viver em uma casa padrão, sem se socorrerem de gambiarras claudicantes. A minha admiração pela força vital que demonstram, no entanto, não deixa de se manifestar. Fico a imaginar o quanto não faríamos como Povo, se nos fosse disponibilizadas as condições básicas para que progredíssemos na caminhada para a plena cidadania.

Porém, sei que não é desejo da Dona Zelite que assim seja. O projeto desde sempre foi o de cercear o desenvolvimento de nossas capacidades, subjugar o populacho que ousa buscar ascender. É como se houvesse a crença de que a riqueza sendo “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Ou porque não se suporte a ideia de igualdade entre as gentes, pura e simplesmente.

Sem querer me alongar nessa eterna discussão, o que observei é que a Periferia se expandiu. Imagens de catadores de recicláveis e lixo, tendas de lona ou mini barracos em praças, vendedores ambulantes de panos e doces nos semáforos se multiplicaram.

Um senhor com um carrinho de supermercado, recolhia o que podia nas lixeiras feito gôndolas. Acho que buscava o que comer. Contrastava com os tênis largos em seus pés e a calça puída, o paletó antigo que vestia, surpreendentemente conservado e limpo. Talvez guardasse em seus bolsos os últimos resquícios de esperança. O seu andar era firme e digno. Eu me senti tão pobre… 

Participam do B.E.D.A.:

Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Darlene Regina / Cláudia Leonardi / Adriana Aneli

BEDA / Scenarium / Para Depois De Amanhã*

Quase como se fora um concurso desses que acontecem na TV, nós, os participantes do curso, combinamos de realizar encontros em que faríamos, cada um de nós, uma especialidade da culinária que tivesse marcado a nossa vida. A ideia se desenvolveu a partir de uma tarefa para desenvolvimento da escrita em primeira pessoa — curso da Lunna — sobre isso. Comecei a buscar na memória, um cheiro ou sabor que trouxesse a carga da infância ou juventude que fosse uma forte referência. De alguma forma, tudo o que ocorre no curto período da nossa mocidade, o que para alguns poderá durar uma existência inteira, enquanto para outros não passa da adolescência ou até menos, parece condensar a formação de nossa personalidade, incluindo o que gostamos de comer.

Para traduzir a minha vivência em apenas um prato, logo de cara me lembrei do prosaico e popular feijão. Gosto tanto de feijão que chego a fazer sanduíche dele, com o tênue azeite como acréscimo, não mais. Para isso, reduzo o caldo de feijão na panela, acrescento o azeite e coloco no pão francês ou de forma. Uma delícia… De outra forma, o acompanhamento do arroz é quase inevitável, mas nem sempre gosto de ambos quentes. Muitas vezes esquento bastante o feijão e acrescento por cima o arroz bem gelado. Única vez que cometo o supremo sacrilégio de não colocar o arroz por baixo ou de lado. Afinal, está na Lei que feijão deve ser sempre posto por cima do arroz.

Objeto da cozinha abolido em alguns países, a panela de pressão é tradição na cozinha brasileira. O próprio soar da válvula a girar loucamente na preparação do feijão, já me levava a saboreá-lo de antemão. A casa recendia àquele olor dos deuses. Após o seu cozimento, minha mãe acrescentava os temperos que davam o toque especial.

— Mãe, como é que deixa o feijão nessa consistência?

— É feijão jalo, meu filho, cozido no tempo certo.

— E essa folha?

— Louro… Junte a ela cebola, alho fritos no óleo de soja. Não esqueça do sal.

Esse diálogo nunca tive com a minha mãe. Apenas refaço o que ela fazia, sem receitas escritas guardadas em caderno. O tempo, senhor dos condimentos, me ajudou a fazer o melhor prato possível para os amigos que compartilhariam da receita de minha personalidade em forma de alimento. Isso, talvez me deixasse inseguro, mas se alguma coisa a idade me ensinou é que nunca ficaria curado dessa insegurança. Muito, porque, me confortava saber-me o mesmo de sempre.

Gostaria de relatar que a Lunna tenha sido a última a chegar, mas a bem da verdade é que às 12h em ponto já havia aportado para o almoço. Há alguém mais irritante do que aquele que cumpre os horários? Marcão e Jane a acompanhavam. Carol, a moça de cabelos vermelhos e portadora do mais belo sorriso, surgiu, diáfana, logo depois, aclamada pelos latidos das peludas que moram em casa. Deviam estar comemorando a chegada de mais uma pessoa para brincar ou sentiam cheiro de gato. Mariana, encapotada por causa do clima bem diferente de onde a mulher-borboleta viera, deve ter se sentido confortável com o ambiente verde que encontrou em casa. Duas borboletinhas vermelhas adejavam em torno de sua cabeça, a recepcioná-la. Isabeau, a mulher mais requintada que conheci, a ponto de não dar ênfase a tanta elegância, chegou com o Lionel e logo espalhava sua jovialidade pela casa.

Para acompanhar o feijão, fiz arroz ao modo de Dona Madalena, acompanhado de macarrão cabelo de anjo quebrado em pequenos pedaços, bem temperado com cebola, alho e sal. Para acompanhar, pepino, alface, tomate, cebola, berinjela, queijo mozarela em pedaços com orégano, ovos cozidos e batatas gratinadas, tudo em separado. Cada um deveria montar a sua salada. Fiz pãezinhos de batata para serem ingeridos antes, com manteiga ou junto com a comida. Evitei apresentar carne branca ou vermelha como “mistura”, como dizemos na Periferia. Mas abri exceção às manjubinhas, acompanhadas de rodelas de limão. Para beber, suco de maracujá colhido em casa. Como sobremesa, doce de banana nanica, também de casa. Após o almoço, as conversas giraram em torno de assuntos que viajavam o planeta e se embrenhavam por terras inóspitas, mas sempre com um traço de humor. Talvez fosse efeito do licor de jenipapo, que rolou solto. Mais tarde, como a despertarmos de um sonho, tomamos café feito no coador, saboroso e docemente amargo, assim como a vida.

*Texto derivado de um exercício do Curso Narrativa Em Primeira Pessoa, ministrado por Lunna Guedes.

B.E.D.A. — Blog Every Day August

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