calor infernal gotejo de graça lambuzo de suor a quem toco sinto sede e minha língua sente o seu sabor e a sensação de fome se amplia desejo de bocas e becos o ventilador do teto espalha o ar quente pelo quarto enquanto nossos corpos se incendeiam como queimadas na amazônia texturas próximas horas quebradas entradas fendidas exploradas líquidos se vaporizam se esvaem para lençóis e peles pelos unidos em tranças emaranhadas línguas se digladiam para encontrar a vencedora na peleja que terminará em morte saborosa momentânea até que o desejo volte avançar sobre a secura do mundo inundado de nosso amor…
não há uma labareda igual a outra… serpentes dançantes que queimam a imaginação de quem é água fulgurantes figuras que se imiscuem umas às outras em ardência seus corpos fluidos em travessuras se devorando em envolvente quentura são amores flamejantes sem mágoa que alimentam o seu fogo com crepitantes achas de lenha enquanto o oxigênio silenciosamente entrega a sua alma à extinção os acordes de estalidos e pausas marcam a canção da última dança antes que tudo termine em cinzas mas qual destino melhor do que morrer consumidas de amor?
Naquele momento, olhos nos olhos, nós nos surpreendemos amantes… Flor de lótus…
Corpos isolados que se fundem, tão unidos, que se confundem… Busca do âmago do outro em si, espraiando-se em fluídos…
Em um átimo, o mundo todo se aparta… nos devoramos e nos regurgitamos em um parto, com dor e prazer…
Para cada dia dos namorados inventado, existe aquele tempo verdadeiro em que tudo acontece em um instante… Que se faz presente para todo o sempre, amém!
A cabeceira (pequena demais para os meus sonhos); o estrado (forte o suficiente para segurar o peso do colchão e de dois corpos); o suporte lateral (firme e teso); a base (onde os meus pés sequer conseguiam tocar) — uma cama…
Seria bege… amarela… madeira esmaecida… Não me lembro da cor original… Não importa… Tudo foi feito no escuro… Ele vinha silente, penetrante, o horror noturno…
Gostava tanto de ir para o sítio e lá ficar com as minhas bonecas e os meus bichos… O monstro adormecia distante, em São Paulo, com os seus negócios e a sua arma em riste…
Gostei tanto quando ele morreu! Dizem que foi do coração… Disso, duvido… Mamãe também morreu… Acredito que sufocada… engasgada com a palavra que nunca proferiu: Não!
Ela dizia, sem pudor ou tentativa de não parecer ridícula, que se deu conta de que estava definitivamente viciada. A falta do que queria chegava lhe dar desconforto físico. Ansiava pelo momento em que teria a dose outra vez. A vertigem do toque, a embriaguez que a saliva lhe provocava, o cheiro do homem que a enlevava… o sexo que se extasiava em abocanhar…
Há impulsos que não podem ser contidos, aduzia, e quando percebeu a oportunidade que se apresentou, se jogou sobre mim como uma náufraga sobre um pedaço de destroço no meio do mar. Não importou estar casada com um bom rapaz, que lhe trazia equilíbrio, viver uma fase de estabilidade emocional ou estar com a carreira em progressão…
Arriscou tudo para estar comigo desde a primeira vez que me viu em uma festa de rua. Da atração á franca e escancarada aproximação bastou poucos dias. Eu, entre tímido e assustado, quase não ofereci resistência. Afinal, aquela mulher que me desejava tanto era bela, instigante… e confiante o suficiente para nós dois.
Desde o princípio, mal percebi o que estava acontecendo comigo… conosco… Estava fascinado pela entrega daquela moça. Ela me fazia alcançar gozos imensos e estados mentais em que se revelavam outros “eus” além de minha identidade reconhecível. Falava sem pudor que o meu esperma a preenchia de uma quentura cauterizante. Nunca havia imaginado que houvesse alguém que pudesse amar tanto! Uma amorosa paixão que me absorvia de corpo e alma.
Nunca me tive em alta conta. Jamais fui alvo de tantas atenções até que passei a ser olhado de forma insinuante tanto por mulheres quanto por alguns homens. Eu ainda não estava tão à vontade com o poder recém-adquirido, apesar de flertar de forma inconsequente, pois abandonava no meio do caminho qualquer aproximação mais séria… até que ela surgiu em minha vida de modo avassalador.
Comigo, revelou, ela se sentia uma mulher poderosa, uma fêmea conectada com a força propulsora do universo. Gostava de mergulhar em meus olhos, buscar a minha alma, sem vergonha de me invadir inteiro. Dizia que vivia vestida de mim, em estado de contínuo arrepio. Que pareciam ser contagiosos, pois passaram a ser constantes em sua presença. Ousávamos nos encontrar nas oportunidades mais inusitadas quando então ela se oferecia a mim para o embate de corpos, estando onde estivéssemos. Sem ensaios prévios, assim que nos encontrávamos, iniciávamos uma estranha dança no qual apenas nós ouvíamos a canção que nos conduzia, agarrados, em trocas de beijos apaixonados…
Na último encontro marcado, porém, decidi não aparecer. Fiquei a observando de longe. Ela insistiu ao celular por duas horas em frente ao restaurante em que comeríamos. Não obteve resposta. Não emiti nenhum sinal. Fiz parecer que havia desaparecido da face da Terra. Deve ter se dado conta que não sabia nada sobre mim – nome completo, endereço, conhecidos… Desmaiou em plena Avenida Paulista. Corri em sua direção, mas logo foi cercada por várias pessoas que a acudiram, sendo levada para o hospital. Soube que acordou meia hora depois, com soro sendo injetado no braço.
Ainda perplexa, procurou se acalmar e quase gritou de alegria quando viu um vulto se aproximar de sua cama no ambulatório. Engasgou o clamor na garganta quando percebeu se tratar de seu marido. Ensaiou um sorriso medroso e logo sentiu a serenidade de seu abraço… Chorou um choro sentido… Seu marido nada disse. Apenas a olhava com os olhos de seu amor calmo… Talvez soubesse de algo, mas não deu a entender.
Nunca mais dei notícias. Interrompi tão intenso romance por ter me acovardado diante daquele maremoto que me jogou de um lado para outro dentro da minha própria existência. Eu havia perdido o chão e voar não era para mim. Acomodado comigo mesmo, seguia regras auto impostas que o amor daquela mulher havia transformado em pó. Ao mesmo tempo em que me sentia poderoso por tê-la a meus pés, me percebia rendido à sua submissão. Mais um pouco e não conseguiria escapar ao vórtice do buraco negro da paixão. Cortei com uma faca afiada tamanho bem pela raiz.
Pelo resto dos meus dias, cada um deles, eu sei que me arrependerei da decisão que tomei. O fantasma roto do imenso amor a mim dedicado passeará pelas ruas sem charme da cidade de pedra a me assombrar pelas manhãs, tardes e noites… até o instante de meu último suspiro, quando soprarei o nome de meu único e total amor…