03 / 09 / 2025 / …7, 8…

Éramos dois perdidos numa cidade suja.
Nossos caminhos se encontraram –– bailarina-cerebrina e espectador-expectador…
Meus olhos a perseguirem seus passos nas esquinas-palcos.
Eu, um solitário, cercado de pessoas e afazeres,
fui beijado por ela em dia de Carnaval diante da porta do trabalho.
Ela brandiu o seu leque, fantasiada de espanhola;
eu, um espanhol fantasiado de ninguém, o roubei…
Apaixonado, atrapalhado, alucinado, amargurado, assustado,
me recusava a olhá-la nos olhos fugidios-furta-cores ––
sabia que neles me perderia para sempre…
Ela me amou como sempre me conhecesse;
eu, como se nunca devesse tê-la encontrado –– pecado em forma de mulher ––
cristão-penitente a me sentir condenado…
Este-eu-pobre-ridículo-homem-tempo-seco,
enquanto ela era tempestade –– raios e trovões em dia claro de Sol ––
visão oscilante feito miragem de oásis no deserto;
nunca soube ou quis amá-la como deveria
e ela gostaria.
Preferi fugir para um lugar onde sentia frio e dor,
mais confortável do que é amar –– ser enganado por meus sentidos –– nunca ter certeza de onde estava ou se caminhava ou se flutuava
ou se estava a cair indefinidamente numa fossa abissal…
Consegui sobreviver à vida por ela ofertada.
Preferi passear comigo mesmo em confortável-estável-imutável-roda-gigante
num eterno domingo no parque da morte…
Nos deixamos por mensagens-rompantes-soluços-choros de criança,
sem adeus ou carta de despedida…

12 / 02 / 2025 / Grana*

*Há dez anos antes, escrevi:

“Apenas hoje, ao passar pela milésima vez, ou mais, por aquela esquina, foi que percebi a sequência de edificações ocupadas para diferentes finalidades — um estiloso motel, uma agência bancária e a unidade de uma igreja cristã. Pensei em fazer uma observação atilada de como aquele espaço expunha o poder das necessidades básicas dos sentidos, dos sentimentos humanos e do desejo de poder pelo poder, passando pela feição espiritual e ou educacional.

No entanto, uma faixa de “Aluga-se” na frente da entrada do prédio onde ficava a igreja, me demoveu momentaneamente de fazer um comentário de efeito moral. Ao final de tudo, niilistamente, não deixo de constatar que esta é uma cidade em que reza a grana e qualquer outra coisa vem a reboque.

Como já disse Caetano é “… a força da grana que ergue e destrói coisas belas…”. Caetano compreendeu bem o processo que permeia as relações em um lugar como Sampa, para usar um codinome que ele consagrou para esta cidade. Mesmo porque, quando mudou para cá nos finais dos Anos 60, veio justamente atrás da sobrevivência financeira e da divulgação de seu trabalho musical. A aparente contradição reside no fato do dinheiro que enquanto ergue belos monumentos, enterra a História — exemplo determinante da personalidade deste lugar.

Não tirei foto porque trata-se de instituições particulares, principalmente o banco, com o apelo de sua fachada. Mas a configuração é esta — um motel em estilo kitsch, como tem que ser, dividindo o muro com o banco, que divide o muro com a igreja batista que, junto com escola que mantinha, mudou de endereço — sexo, dinheiro e fé — ainda que pé quebrado…”.

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Mas (Não) É Carnaval

Carnaval tem suas raízes na Antiguidade, entre o Egito e a Grécia. Eram festas dedicadas aos deuses que congregava a população em torno da comemoração do fim do Inverno e a chegada da Primavera, em que se verificava certa transgressão à ordem social. Com a chegava do Cristianismo ao Império Romano, não sendo possível impedir que acontecessem, foi imposto regramento a esses festejos profanos. Foi instituído pela Igreja um período de três dias de celebração, que termina na Quarta-Feira de Cinzas, às vésperas da Quaresma. Este período dura quarenta dias até a Semana Santa, e representa para os fiéis cristãos o preparo espiritual para a Páscoa, a Paixão de Jesus Cristo e a sua ressurreição três dias depois de ter sido crucificado e morto.

Apesar de ser traduzida como “festa da carne”, de fato o termo Carnaval vem do latim carnem levare, que significa “abster-se, afastar-se da carne”. Apesar de cidades como Veneza (Itália), Nice (França), Nova Orleans (EUA), Ilhas Canárias (Espanha), Oruro (Bolívia) e Barranquilla (Colômbia), apresentarem estilos de carnavais bastante atrativos, foi no Brasil que ganhou importância e substância de identidade nacional. Trazido pelos colonizadores portugueses, os historiadores afirmam que a festividade se estabeleceu no país entre os séculos XVI e XVII e teve como primeira prática o entrudo brincadeira que se fixou primeiramente no Rio de Janeiro — porém, com o tempo, cada região do País estabeleceu configurações diferentes, entrelaçadas às características peculiares de cada lugar, propiciando uma riqueza cultural inigualável.

Em 2020, a Covid-19 surgia no horizonte, mas o Carnaval ocorreu e as consequências todos sabemos. Apesar de criticarem a sua realização, a oposição às medidas sanitárias só começou a arrefecer com o crescimento dos números, meses depois. Transformada em batalha ideológica, o cancelamento do Carnaval em 2021 foi considerado inevitável pela maior parte da população. Fato inusitado em 2022 e que contraria a história do próprio Carnaval, se a variedade Ômicron permitir, ele será realizado na sua versão oficial em desfiles em São Paulo e no Rio de Janeiro depois do fim da Quaresma. Ou seja, o pecado virá depois da penitência. Mas isso já estamos acostumados a fazer…

Imagem do colorido Carnaval de 2020. O público presente só queria se divertir. Tempos sombrios se aproximavam…

Uma primeira viagem ao Passado. Aqui, estou à frente da mesa iluminação que utilizávamos em 1995 pela Ortega Luz & Som. No caso, esse dispositivo foi montado com madeira, interruptores e tomadas comuns. Na época, não tínhamos recursos para comprar um equipamento mais profissional, mas esta nos serviu bem e por um bom tempo.

Banda Life Show, no Carnaval de 2019, que realizou as matinês do Carnaval do Círculo Militar de São Paulo, com a nossa participação na sonorização e iluminação.

Outra viagem, esta para o Carnaval de 1996 do Clube Guapira. Naquela época, o contrato era para a realização de nove eventos — um pré-Carnaval, um sábado antes, quatro noites, três matinês e um pós, no Sábado de Aleluia. Ao lado do meu irmão e sócio na Ortega Luz & Som, Humberto, está o Carlão, cantor da Banda Nova Geração e veterano de vários carnavais que tinha técnica vocal para realizar a maratona sem perder a voz, algo comum depois de tanto esforço. É um amigo que morreu de amor. Com o passamento de sua esposa, três meses depois, ele também se foi…

Minhas meninas — Ingrid, Romy e Ingrid — no Carnaval de Rua de 2020, outra expressão importante que apresentou sua maior versão justamente antes do advento da Pandemia de Covid-19.
Quarta-Feira de Cinzas de 2020. A Quaresma forçada está completando dois anos…

Participam:

Mariana Gouveia / Lunna GuedesRoseli Pedroso / Isabelle Brum / Darlene Regina

Filhos Da Tempestade

O Cristão e a Filha de Iansã
se encontraram em repartição pública.
Em comum, contas atrasadas,
vidas rasuradas,
documentos sem rubrica…
Na sala de espera,
sentados lado a lado,
confidenciaram reclamações –
“maldito governo”,
“febre terçã”,
“longo inverno”…
Sentiram mútua simpatia,
revelaram planos para o futuro,
fizeram confidências,
trocaram telefones…

Tiveram um segundo,
um terceiro,
um quarto,
vários quartos
em encontros…
Sempre furtivos…
Sempre breves…
Segundos era quanto parecia durar
o tempo que dispunham…
A paixão uniu os dois corpos,
acima das crenças
e das certezas…
Quando se confessaram amantes,
intensificaram a fé
em Jesus e em Olurum.
Ela, em devoção pelo bem querer.
Ele, em penitência pelo amor proibido.
A Filha de Iansã nunca dançou tanto no terreiro.
No templo,
o Cristão nunca cantou tão intensamente os hinos devocionais.
Acostumado aos rompantes da índole tempestuosa,
o marido dela aprovou o seu duradouro bom humor.
Acostumada à temperança sexual,
a mulher dele agradeceu ao Senhor
o fogo redivivo de início de casamento.

Até que, um dia, discutiram pesadamente…
Não foi por causa das entidades da Natureza
ou pelo mandamento contumaz de algum versículo da Bíblia.
Mas ciúme e sensação de incompletude,
por não se pertencerem completamente…
Em troca de mensagens,
ele passou por cima de seu habitual comedimento
e se declarou perdidamente apaixonado..
Ela, ao querer puni-lo,
agiu com a frieza de vento junino.
Disse, simplesmente: “Obrigada!”…
Com o peito dilacerado,
ele respondeu: “Por nada! Adeus!”…
Os corações empedernidos,
talvez por vontade de Deus,
não voltaram a se encontrar…
A Filha de Iansã não voltou ao terreiro…
O Cristão abandonou o templo…

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