19 / 04 / 2025 / BEDA / Estrada

Por algum motivo obscuro, as minhas quartas-feiras caíram no vácuo. Na semana passada, esqueci que estava agendada a minha terapia, às 10h. Dormi até tarde, já que havia deitado às 5h. Nesta quarta, a mesma coisa – esqueci da sessão, novamente às 10h. Não percebo nenhuma correlação, mas talvez haja. Só que desta feita dormi às 2h e acordei às 6h30. Havia agendado com a minha podóloga às 8h. Costumo utilizar essas visitas para caminhar. São 6,5Km de onde eu moro até o Limão, onde fica a clínica. Demoro uma hora e quinze minutos para completá-la. Com a Milena, trato das minhas unhas encravadas uma vez por mês.

Na caminhada até a clínica, entre subidas e descidas, encontrei pessoas que de alguma forma me impressionaram. Passei por uma senhora de belos cabelos brancos que se sentara numa mureta para descansar, ladeada por seu cão tão velho quanto ela. Eu sorri quando o vi e ao olhar para ela, sorriu para mim porque eu sorri para ele. Comecei o meu dia com um momento de aproximação com pessoas (incluindo o cão) que talvez nunca mais voltasse a ver, mas registrado o sentimento de união, viverão para “sempre”. Considerando que “sempre” nunca é para sempre. Mais adiante, um rapaz com uma camiseta de futebol com o nome de Vinni Jr. no costado, jazia semiconsciente numa esquina à espera da abertura do bar. Reflexos da derrota brasileira em terras argentinas no dia anterior?

Hoje mesmo, botando o papo em dia numa intimidade que três ou quatro anos de tratamento construiu, disse à Milena que a doma das minhas recalcitrantes unhas dos dedões do pé, me levaram à conclusão há algum tempo que ao vivermos um estado de equilíbrio saudável, esquecemos com facilidade que um dia sofremos alguma dor ou ela deixou de ter relevância. Ao me falar sobre seu filho, Pedro, que estava fazendo terapia, lembrei que tinha a minha, mais tarde. Abdicaria da volta à pé, como era a minha intenção.

Com a Milena, gosto de conversar sobre o moço que vive a fase da adolescência de uma maneira que me é familiar. Talvez todos os adolescentes sejam iguais, mas há aqueles que são mais iguais do que outros. E com o Pedro, me identifico. As mesmas impressões, experiências (ou a falta delas com relação às meninas, por exemplo), as mesmas dúvidas aterrorizantes de quem está naquela fase de ebulição constante, vítima dos tais hormônios que nos regem o sofrimento de sermos meio meninos, meio moços, num mundo de homens adultos que estão a perder o rumo. É uma estrada tortuosa, cheia de atalhos que mal tomados pode significar muitos desprazeres.

Desses sofrimentos me lembro e percebo que de certa maneira ainda repercutem em mim. Eu fico compadecido daquele garoto que fui, tão confuso, ao mesmo tempo que carregava todas as certezas do mundo. Já, então, havia decidido escrever como o primordial meio de expressão. Há momentos que prefiro apenas escrever porque quando falo é comum não ser compreendido. O que pode ocorrer também ao ser lido. Mas verbalizar intimamente o que se passa comigo, faz com que eu me reconcilie com a minha trajetória e descortine o rumo que estou a tomar. Estabeleço uma linguagem cifrada que me vale de alguma coisa. No mais, percebo que repiso paisagens pelas quais encontro como se fossem déjà-vu, mas com o peso de novo acontecimento. É quando percebo que estou como a andar em círculos e especular: seria esse o meu destino para os dias que se seguem?

Foto por eberhard grossgasteiger em Pexels.com

Vou Pela Sombra

Dezembro caminha para cumprir o seu primeiro terço. Manhã quente, Sol pleno, o meu corpo jogado à rua, pede: “vá pela sombra”. Manhã de dia do jogo da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo. A nação veste verde e amarelo, azul, de vez em quando, se esquecendo do necessário branco. As moças ousam em vestimentas diminutas – revivendo um Carnaval de final de ano. A confiança é que o time vença como venceu a Coréia do Sul. Eu duvido. De certo modo, torcer é distorcer a realidade, os dados materiais, as perspectivas cabíveis.

A Croácia, o adversário, é o atual vice-campeão de futebol. Mais cerebral e taticamente bem treinada, está acostumada a enfrentar conjuntos mais habilidosos. Tem Modric, um real camisa 10, dos antigos, considerado um dos melhores do mundo. Um só jogador não faz diferença até… surgir uma oportunidade para decidir. Basta um lance. Jogar por uma bola é a estratégia de muitos. E ao final, nem é preciso vencer no tempo normal da partida. Após a possível prorrogação, poderá sobrevir a chamada loteria das penalidades máximas, fazendo com que o resultado esperado não ocorra. A Espanha “foi para a casa” dessa forma, diante de Marrocos.

No supermercado, as pessoas se abastecem para comemorar uma possível vitória. Eu apenas compro itens para fazer o almoço e o café da tarde. Ao passar pela caixa, constato o preço alto das mercadorias. Em tom de brincadeira chego a perguntar se caso a Seleção Brasileira vencer, o custo de vida baixará. A moça do caixa parece sorrir com o olhar. Usa máscara – em tempos de alta de vítimas da Covid-19 – num país que vive o drama da vida (e morte) real.

Volto para a casa, parto um pedaço de pão e alimento um cachorro de rua. Relembro os meus tempos de menino-torcedor que sofria e chorava como se um ente querido partisse a cada derrota. Mais maduro, voltando o meu olhar para as coisas mais “palpáveis” – as invisíveis – comecei a me guiar pela senda do autoconhecimento, um sentido sem volta. As circunstâncias externas, principalmente as que não podemos controlar, deixaram de ter importância.

Os comentários que utilizamos “se fizéssemos isso”, “se fizéssemos aquilo”, quando algo de ruim acontece deixou de ser o caminho para explicar a minha vida. Tornou-se apenas um mote para as minhas histórias. Os textos que produzo brincam com as possibilidades. Talvez sirvam um tanto como sublimação e muito como compreensão do transitório, na tentativa de superá-lo. Esta crônica publicarei depois do jogo. Não colocarei o resultado. Não importa. A vitória ou a derrota não evitarão que o combustível suba por conta da Guerra da Ucrânia, em que ninguém ganha. A vida tem sempre razão.

Outra Dimensão*

O meu amigo desde garoto, Beto, me convidou para o tradicional futebol de domingo de manhã. Eu joguei com ele e outros amigos durante anos seguidos, mas há uns treze que já não frequento os campos de society com a turma. Normalmente, quase na mesma hora que teria que ir jogar, estou a voltar dos eventos nos quais trabalho. Quando mais jovem, até aguentava o tranco, quando não havia outro evento no mesmo dia. Com o aumento da demanda e com o acréscimo dos anos às costas, ficou cada vez mais difícil conciliar trabalho e prazer, ambos cansativos fisicamente. E o que os diferenciava? No trabalho, se deslocar, descarregar, montar, ajustar som e iluminação, fazer a passagem do som e encontrar colegas talentosos no canto, na dança ou narração. O que não deixava de ser prazeroso, porém se revestia, como principal característica, do dever a ser cumprido da melhor forma possível. Naquela época, não conseguia relaxar tanto quanto hoje, em que consigo me divertir até com a função de subir os equipamentos até segundos ou terceiros andares dos salões, muitas vezes sem elevador.

No futebol, o corpo sofria o estresse por correr, se alongar, se contrair, se atirar para executar um movimento mais amplo, saltar mais alto para alcançar a coisa mais desejada da vida naquele momento – a bola. Durante o tempo de jogo, nada acontecia fora das quatro linhas. Não que se esquecesse de todos os problemas do mundo. Simplesmente, não havia mundo fora dali. No futebol, as regras externas se diluíam, não havia diferenciação social ou qualidade física que não fossem superados pelo talento no jogo. O office-boy, o estoquista, o microempresário ou o dono de posto de gasolina, em boa forma física ou acima do peso visavam conseguir, juntos, trocar passes, se movimentar, defender a sua meta e marcas gols no adversário. Todos desejavam, juntos, congregar e chegar à vitória. Caso contrário… Bem, perder também faz parte do pacote. Quantas vezes não se valorizaram mais a derrota bem jogada contra um timaço do que a vitória “mamão-com-açúcar” contra um time “meia-boca”?

A linguagem usada no campo de futebol também se tornava alternativa e restrita. O vocabulário se restringia a dez ou doze palavras e poucas expressões, sempre acompanhadas das indefectíveis (me perdoem) “porra” e “caralho”. Essas palavras tanto podiam ser usadas como substantivo ou adjetivo, além de servirem eventualmente como pronome. Sempre houve muita discussão e entreveros entre nós e os adversários e entre nós mesmos, que se encerravam depois que saíamos do campo e íamos para o bar comer porcarias e beber umas (várias) cervejas. Bem, eu nunca bebi álcool, mas participava do grupo com as minhas opiniões “papo-cabeça” acompanhadas de uma legítima Coca-Cola na garrafa de vidro (a melhor!).

De vez em quando, as mulheres e namoradas acompanhavam alguns jogadores, mas, na maioria das vezes ficavam à margem do grande evento, a tratar de assuntos que não tinham nada a haver com o que acontecia dentro do campo. O sacrifício que deviam fazer em acompanhar os seus parceiros devia ser comparável ao do deles em acompanha-las às compras. Hoje, teríamos um churrasco depois do jogo. Eu não poderia ficar porque tinha coisas a fazer, mas não sei se ocorreu realmente o congraçamento, já que o sujeito que trouxe a carne e os acompanhamentos, brigou com o pessoal por não ter sido colocado no time e parece que foi embora antes do final da partida. Infelizmente, no intercâmbio de dimensões, um mundo acabou por invadir o outro…

*Texto de 2013

Copa de 2014*

COPA DE 2014

Ainda garotos, fanáticos por futebol, eu e o meu amigo Beto, combinamos de irmos juntos assistir a uma Copa do Mundo de Futebol, em algum lugar do planeta Terra. Nas voltas que o mundo dá, a Copa do Mundo voltou a ser jogada em nossas terras e foi o Planeta que veio nos visitar. Mesmo morando por aqui, não irei a nenhum estádio assistir a algum jogo “in loco”, assim como a grandíssima maioria dos brasileiros também não irá, principalmente se considerarmos o preço dos ingressos. Mas não reclamo. Como atuo na área de eventos, normalmente trabalho nessas ocasiões e assim será na competição deste ano. Agradeço a Deus por isso! Eu me lembro do relato de presos políticos na Copa de 1970, no México, que mesmo a sofrer torturas, torciam para a Seleção, ainda que as vitórias pudessem vir a ser capitalizadas pelo Regime Militar. Apesar de todos os problemas de corrupção que enfrentamos para podermos realizar a edição desta Copa de 2014, o menino dentro de mim, na hora devida, tomará conta da minha mente, me transportará para dentro dos campos, jogará junto com o time canarinho, suará tanto quanto os atletas. Ao final de tudo, o menino rirá ou chorará tanto quanto a maioria dos torcedores…

*Texto de 12 de Junho de 2014
Dia da Cerimônia de Abertura da Copa do Mundo de 2014 no Brasil