O Dia De Quem Ensina São Todos Os Dias

DIA DE QUEM ENSINA SÃO TODOS OS DIAS

Todos nós, em algum momento da vida, assumimos mesmo sem pretensão, a função de professor. Ainda que de forma indireta, por erros que cometemos ou por ações afirmativas e conscientes que servem como exemplos. Jovem, ao projetar o meu futuro, eu me vi como um professor. Escolhi História porque percebia que nessa seara eu poderia cultivar assuntos que me inspiravam – Filosofia, Geografia, Sociologia, Economia, Literatura, Biologia, Psicologia – e tantas outras vertentes do saber humano.

Na FFLCH-USP, dei de frente com a complexidade de como a História se desdobrava em compartimentos que deveriam por fim integrar o conhecimento da matéria que deveria retratar a Realidade. A partir da visão de estudiosos, vi formulações de teorias de como a vida do Homo sapiens na Terra em Sociedade se formou através de provas documentais, visando preencher lacunas sobre fatos desconhecidos. Para além da Epistemologia – ou teoria do conhecimento – surgiram defensores de caminhos que tornassem os meandros de nosso desenvolvimento social não somente mais compreensíveis, mas mais aceitáveis. Nesse instante, surgem ideologias que deveriam “explicar” a soberania dos donos do poder e, em contraponto, a razão das relações humanas caminharem para serem mais justas e equânimes.

Daí, chegamos à história da História, a perceber que a manipulação dos fatos se dá desde sempre. Quando entrei na faculdade, me surpreendi com a ideia de a matéria em questão ser uma Ciência. A própria ideia do que seja Ciência é revisada ao colocá-la como Humana. Aqui, me permito rir ao lembrar da frase que “errar é humano”. Errar também pode ser sinónimo de caminhar (sem destino). O embate ideológico naturalmente faz parte do próprio ensino. Sou daqueles que defende que a Educação, a meu ver, tem que caminhar no sentido de tornar a Sociedade menos tensionada. Isso só se dará ao colocar o Conhecimento como prioridade capital. Não se trata de defender a minha classe, tendo em vista que a minha renda familiar, neste País depauperado, me coloca na “Média”. A mesma classe média que quer que a situação continue do jeito que está.

Que uma parte significativa da população defenda o nosso atual status de “Pátria Pária”, não me surpreende mentalmente, mas me instabiliza psicologicamente. Os argumentos que utilizam para se manterem com o pescoço sob a bota do Capitão do Mato são baseadas em “conhecimento” apreendido por mecanismos modernos de desinformação. Porém, a explicação tem as suas raízes bem mais profundas. Tem muito a ver por ter sido esta Nação formada por discrepâncias como a defesa religiosa da dominação e posterior escravidão dos povos originários, quando da invasão do território de Pindorama por europeus. Nomeá-la de Santa Cruz é icônico por si só – símbolo do calvário de Cristo. Como os escravizados não suportavam o jugo e logo pereciam, recorreu-se à mão-de-obra trazida de outro continente. A escravização dos africanos e o modo “industrial” de como foi feita a operação de captura, transporte e venda das “peças” é algo que deveria nos envergonhar dolorosamente todos os dias.

Ao colocar alguém que conscientemente estipula em arrobas – a forma antiga de pesagem no Brasil – a um homem preto chamou para si a simpatia daqueles que, como ele, pensam de forma idêntica. E são tantos… Tanto que continua a agir impunemente com a anuência de colaboradores de ocasião e simpatizantes permanentes. São filhos de nossas mazelas em que o período da Escravidão representa seu cerne de formação e desenvolvimento.  Dos um pouco mais de 500 anos de “existência” do Brasil, quase 400 foram vividos sob a égide da escravização de homens, mulheres e crianças. Pessoas usadas como objetos como são os móveis, os automóveis, talheres e roupas. Pessoas que foram punidas quando se rebelavam contra o desmando, a ignomínia, a dominação sexual e a venda de seus filhos, pais e irmãos. Sem colocar em pauta esse período tenebroso para a nossa História, não há como superarmos o atual desiquilíbrio social. Quem defende o contrário disso, se filia como (com o) algoz de nosso povo, assim como foram nossos antepassados.

Quando estive me Parati, o guia que nos guiou pela riqueza da vegetação, quedas d’água e fazendas produtoras de aguardente, citou o termo “escravizado” em vez de “escravo” ao se referir às pessoas que compunham a população de servidores nos engenhos, no transporte do ouro, nas tarefas mais pesadas. Qual seria a diferença? A meu ver, quando se é escravo é uma decisão tomada por si mesmo, muitas vezes. Eu escolho ser “escravo” de minha sensibilidade, apesar da dor permanente. Quando se diz “escravizado”, é algo que é imposto por terceiros, mesmo que se rebele. Como o que acontece com a obrigação que o Sistema que discrimina, alija e pune os cidadãos que não alcançaram ainda a cidadania plena, presente na Constituição.

Por isso, devemos valorizar os professores todos os dias. Esperança de um País melhor, não para mim, que vivo a parte final de minha vida terrena, mas para quem vier depois. Esperançar é o verbo oculto a cada vez que um professor ou professora toca o giz na lousa.  

BEDA / Meu Blogue

Reprodução de uma das fotos que tirava com celulares nos anos finais do século XX.

Lunna,

após dez dias em que atuei em doze eventos diferentes, sem tempo para escrever ou ler da maneira que queria, passei os olhos pelos textos das participantes do BEDA. A sua postagem de segunda-feira me estimulou a falar sobre como iniciei o meu périplo nesta plataforma. Aliás, foi você mesma que me ajudou a moldá-lo, sete anos depois de ter me inscrito no WordPress, sem fazer nenhuma publicação até então.

A minha intenção desde o início foi o de criar uma espécie de diário de bordo, com pequenos textos que buscassem interpretações alternativas sobre fatos prosaicos, como o de colocar no centro do meu olhar os óculos como o que aparecem na imagem. Não me lembro exatamente o que escrevi, mas parece que ao descrever o objeto que usava para ver melhor, eu o tornasse um personagem autônomo, com personalidade alternativa à minha.

Essa e outras “viagens” em torno do meu ego, uma visão de mundo pessoal, muitas vezes sem conexão com os dados verificáveis da realidade plausível, eu imaginava serem pertinentes e foram formuladas de forma esparsa, aqui e ali, em um período que havia me distanciado do exercício da escrita. Eram como se voltasse a um vício do qual queria me distanciar. Depois, com o surgimento das redes sociais como Orkut, Facebook e esta, percebi que me faltava justamente expressar as minhas expressões de mundo.

O problema é que não sabia a mecânica de como postá-las. O que creio até ter sido benéfico em termos, já que pude amadurecer o processo da feitura dos meus textos suficientemente sem ter o desejo de jogá-los fora. A sua chegada em minha jornada de escritor, até aceitar que eu fosse ser chamado como um, não foi apenas pelo lançamento de um livro que eu escrevi e você editou e lançou. Mas porque eu aceitei o ser.

O WordPress se tornou para mim uma espécie de Arca de Noé, onde os meus bichos são guardados, navegando por anos até aportar em terreno seco quando as águas baixarem… seja lá o que isso signifique. O mais certo que eu o considere uma Cápsula do Tempo onde guardo o que eu escrevo ou escrevi, de produção um tanto irregular em termos de qualidade, mas que determina o meu desenvolvimento – para melhor ou para pior – no meu caminho para me tornar o melhor escritor que eu possa ser.

O meu blogueSerial Ser ¡Com licença, poética! – é a minha herança. Quando os meus próximos ou qualquer um tiverem curiosidade em me conhecer, um ser errático em constante ebulição, por amor a mim ou por curiosidade sobre mim, muito do que eu penso ou penso entender, evocará a lembrança do eu pensei ser e escrever…

Bacio!

Participam do BEDA: Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes / Darlene Regina / Mariana Gouveia

O Homem De Neve

Uma das constatações advindas pelos efeitos da Pandemia de SARS-COV-2, é de como os vários níveis de compreensão da vida se entrechocam, o que é perfeitamente normal em sabendo que não somos máquinas fabricadas em série. A Sociedade brasileira acabou por se dividir em preferências abaixo da racionalidade básica e mesmo pessoas alegadamente inteligentes, bem formadas e articuladas professam ideias que vão contra a dignidade humana.

Uma das questões, afora a desconfiança quanto a Ciência, a mesma que proporcionou que possam propagar ideologias espúrias por modernas máquinas de comunicação criadas por técnicas científicas, é quanto ao Politicamente Correto. Quem está acostumado ao comportamento engendrado pelo sistema de dominação desde a chegada dos portugueses ao Brasil pelo extrativismo, colonialismo, tráfico humano, escravidão, monoculturas, servilismo, segregação econômica, apartheid racial escamoteado se sente atingido.

Com o crescimento da conscientização das classes sociais alijadas das benesses do desenvolvimento econômico com a consequente falta de ensino de qualidade para si e seus filhos, o aumento exponencial de subempregos (bicos), a desregulamentação das leis de proteção ao trabalho, retirada de direitos sociais e várias outras medidas que visam a impedir que a Sociedade possa minimamente respirar um ambiente mais arejado, tem tornado cada vez mais distante a possibilidade da busca por equanimidade na nação brasileira como um todo.

Antes, ingenuamente eu cria que as novas gerações, na presunção de que apresentassem uma cabeça mais libertária, tivessem uma visão mais avançada da sociedade no terceiro milênio, sob a égide da democracia racial. Porém, aos poucos pude perceber que alguns ditos populares refletem a sabedoria do tempo: “os frutos não caem longe da árvore”. A saber que seja compreensível a contestação dos pais pelos filhos, é mais comum que os descendentes reproduzam o comportamento dos ascendentes.

Nesse caso, quase todos os preconceitos de origem pregressa passam para o ideário das novas gerações. Preceitos de séculos antes, desde a gênese da formação do povo brasileiro surgem como matriz do comportamento dos mais jovens. Além disso, ao longo dos séculos incorporamos tendências chegadas de fora, contrapondo às nossas características básicas, como a intensa miscigenação e a riqueza cultural daí advinda.

Outra ingenuidade da minha parte, esfacelada pelos “novos” tempos, foi a de que a classe artística como um todo estivesse unida contra a ideologia sombria que não é apenas conservadora, mas retrógrada, repressiva a antagônicos, que não admite que haja um mínimo sinal de igualdade social e muito menos protagonismo. Como disse um amigo, são apenas “tocadores de instrumentos” (trabalho preferencialmente com música) que não desenvolveram uma sensibilidade especial quanto à natureza humana.

Quando esses “novos conservadores” demonstram descreditar da perspectiva do politicamente correto, a defesa de suas posturas agridem os despossuídos, os diferentes, os mais pobres, os de identidade não conformista. Não adoto mais o termo “minoria” para a parcela da população marginalizada, já que devido à concentração de poder econômico e consequentemente político, a minoria (em quantidade) é composta por quem tem ditado desde sempre as normas práticas sob as quais vivemos, acima da lei constitucional.

O texto abaixo, foi reproduzido por um cantor e músico, bonachão, engraçado e “inteligente”, pelo que me era dado conhecer. Dado o fato do tema girar em torno dum boneco de neve através da qual é construída uma narrativa “conservadora”, que acaba por se denotar reacionária, provavelmente foi importada de uma matriz desse viés, alhures.

Ao músico, como vários outros, deixei de seguir e, por fim, cortei a “amizade” na rede social, em vez de responder na sua página. Não é porque queira criar uma bolha de aceitação às minhas ideias. Apenas não tenho tido estômago para certos posicionamentos. Cresceu a percepção, após sofrer contestações que passavam da argumentação a ataques pessoais, começam por desmerecer a minha fala por eu pertencer a tal ou qual partido, sem saberem que minhas análises não são partidárias, mas políticas, entendidas no padrão da Antiga Grécia de que a Política é arte da convivência — percebi o quanto são recalcitrantes. Não mudarão com argumentos, por mais equilibrados que sejam, aliás, muitas vezes por causa disso mesmo. A seguir, a análise do referido texto. 

“Nevou noite passada (se estivesse em Santa Catarina…).

8:00 Eu fiz um boneco de neve (boneco é boneco, assexuado).

8:10 Uma feminista passou e me perguntou por que eu não fiz uma mulher de neve (os bonecos de neve normalmente apresentam uma figura sem conotações sexuais, arredondadas. Teria acrescentado um pênis para identificá-lo?).

8:15 Então, fiz uma mulher de neve.

8:17 Minha vizinha feminista reclamou do peito volumoso da mulher de neve dizendo que ela tinha sido feita com olhar masculino (aqui pressupõe que uma defensora dos direitos da mulher odeie a forma do corpo feminino, à priori).

8:20 O casal gay que morava nas proximidades deu chilique dizendo que eu deveria ter feito dois homens de neve (‘chilique’ é um termo depreciativo. Quem é libertário, normalmente não se prende a esses detalhes, suponho. No máximo, talvez fizesse outro boneco de neve para acompanhar o primeiro, mesmo que já não fosse mais um “homem”, mas  “mulher”, lembram? Deixa pra lá, o ato falho serve ao propósito do argumento ao qual se quer chegar).

8:22 Um homem-mulher-trans perguntou: por que não fez apenas uma pessoa de neve com partes destacáveis? (mais uma vez, trabalha com a ideia de sexualizar as identidades como se elas se conformassem apenas aos órgãos específicos do corpo. Será por isso que falam tanto em cu?).

8:25 Uns veganos reclamaram do nariz de cenoura, alegando que vegetais são alimentos e não decoração (eu, quando fui vegetariano, no começo era um porre, mas nunca criticaria um detalhe pequeno como esse. Seria mais fácil, como eu adoro cenoura, comê-la).

8:28 Fui chamado de racista porque o casal de neve é branco (acho que, em se tratando de neve, isso não tem cabimento, mas serve ao discurso que se apega ao irracionalismo. No entanto, como normalmente essa turma é contra o desenvolvimento limpo e sustentável, uma neve com alto teor de poluição talvez ocorresse).

8:31 O muçulmano do outro lado da rua exigia que a mulher de neve fosse coberta (voltou a ser mulher).

8:40 A polícia chegou dizendo que alguém se sentiu oprimido por meu discurso de ódio (a Polícia como padrão trabalha a favor do status quo. Nem se daria ao trabalho de atender a essa ‘denúncia’ em relação a um simples boneco de neve).

8:42 A vizinha feminista reclamou novamente que a vassoura da mulher da neve precisava ser retirada porque representava as mulheres em um papel doméstico (sou homem e adoro varrer. Para mim, é um exercício relaxante. Como originalmente era um homem de neve, eu me sentiria representado, não atacado).

8:43 O oficial de justiça me intimou por fascismo (infelizmente, o Fascismo está entranhado em nossa sociedade, a ponto de eleger um representante majoritário e dizer que movimentos antifascistas são contra seu governo militarista e genocida).

8:45 A Globo me entrevistou. Perguntou se eu sabia a diferença entre homens de neve e mulheres de neve. Respondi: ‘bolas de neve’ e agora sou chamado de sexista (identificar detalhes anatômicos não prefigura sexismo, mas dizer que homens são naturalmente superiores às mulheres e que devem agir para mantê-las em seus devidos lugares de subserviência).

9:00 Apareci no noticiário como fascista, racista, homofóbico, sexista, machista, xenófobo, trans fóbico (ao final, resulta que vestirá a carapuça, verão).

9:10 Me perguntaram se tenho algum cúmplice. Meus filhos foram levados pelo Conselho Tutelar (esse extremismo preconizado pelos que se auto intitulam “conservadores” é o medo de verem suas posturas tornadas criminosas por si só. Ainda não são e talvez nunca o sejam, tristemente).

9:29 Manifestantes de esquerda, ofendidos por tudo, marcharam pela rua exigindo que eu fosse preso (estar ofendido ‘por tudo’ da maneira que está é o meu sentimento atual. Indignação pela situação pelo qual passa o País é, no mínimo, o que deveria ser sentido e ser demonstrado por todos).

Ao meio-dia, tudo derretia… (menos o preconceito arraigado).

Moral: não há moral para essa história. Isso é o que nos tornamos com a imbecilidade do politicamente correto pelo que, em breve, respirar ofenderá a alguém (se ‘respirar’ for para continuar a perpetrar o mal, a aumentar as mazelas, a aviltar a humanidade, a apelar para a violência, a matar os diferentes por serem diferentes, como os Nazistas fizeram, instaurar o preconceito como prática, então é ofensivo à causa da ‘paz entre os homens de boa vontade’, como está no Livro que dizem defender. Que derretam naturalmente, sob a luz da construção de uma sociedade realmente solidária).”

Foto:  Foto por Hui Huang em Pexels.com

BEDA / O Desaparecimento De Cidade Pequena

Eu vim de Cidade Pequena. Todos que lá moravam se orgulhavam de ser pequenenses. Casas baixas, cercas apenas para carregar trepadeiras que floresciam em todas as estações. Famílias cujos pais e filhos desde crianças se conheciam, de geração em geração, vizinhos que se ajudavam. Saí apenas para estudar, mas pretendia voltar um dia. Rosana me esperava. Eu a desejei por toda a vida. População, menos de cinco mil almas, como dizia o Pe. Jacinto, pároco que recusou se mudar para outro lugar. Elegeu para viver Cidade Pequena como sua morada, desde que chegou 30 anos antes, mesmo convocado para outras paróquias. Levava, mas não impunha a Palavra original e boa, a quem a quisesse receber, libertadora.

Ao invés dos olhares íntimos que pudessem oprimir aos cidadãos, todos se sentiam abertos quanto ao comportamento de cada um, se a ninguém machucasse. Não havia julgamentos quanto a diferenças. Quem quisesse ficar, não importava que identidade apresentasse, sendo afável e trabalhador, seria aceito como padeiro ou professor, cantora ou doutora, maquinista ou vereador. Política se discutia nas ruas, nas praças, botecos e lanchonetes, quiosques e pousadas — sem restrições de preferências. Todos desejavam o bem comum, os impostos eram bem aplicados, a escola construída, o hospital equipado, a delegacia modernizada, a Natureza preservada, obras fundamentais realizadas. Paraíso na Terra? Não! Fruto da arquitetura humana bem fundamentada. Desenvolvimento de relações saudáveis. O exercício da cidadania, dos princípios democráticos.

Até que tudo acabou, consequência de uma força externa. Algo estranho? Sim, mas previsível em suas repercussões. Anormal, mas controlável, se houvesse vontade. 4.195 pessoas sucumbiram em 24 horas, sufocadas. Cidade Pequena inteira desapareceu. Seus habitantes dizimados. Ao final do dia, alguém distante desse povo, ainda que devesse ser o responsável por seu bem estar, ainda que soubesse o que ocorreria ou, por isso mesmo, apenas riu… Cidade Pequena é fantasiosa, o monstro que poderia devastá-la, infelizmente, não…

Darlene Regina / Roseli Pedroso / Lunna Guedes
/ Mariana Gouveia / Claudia Leonardi / Adriana Aneli / Alê Helga

Predadores

Caladas,
mudas
de mangueiras emergem no jardim
expostas a céu aberto.
Entre folhas, restos de caroços
postos ali para fertilizarem o solo,
não se contentam
em apenas terem sido o coração
de belas e apetitosas frutas.
Avidamente consumidas
por seres “superiores”,
querem voltar em vida nova
e função.
Seres em desenvolvimento,
ressuscitados do desprezo,
consubstanciam a ordem natural —
vida-morte-vida —
porém terão interditados os seus trajetos,
serão arrancados daquele retângulo.
Inesperados, não são aspirados
seus crescimentos.
Nem elas teriam condições de sobreviver
e nem nós, que dominamos aquele lugar,
de termos o jardim que desejamos.
Nesses momentos,
em que escolhemos entre a vida e a morte
de todo um ecossistema —
troncos, caules, folhas, flores, frutos, insetos, pássaros —
sinto-me o pior dos predadores…