Eu vim de Cidade Pequena. Todos que lá moravam se orgulhavam de ser pequenenses. Casas baixas, cercas apenas para carregar trepadeiras que floresciam em todas as estações. Famílias cujos pais e filhos desde crianças se conheciam, de geração em geração, vizinhos que se ajudavam. Saí apenas para estudar, mas pretendia voltar um dia. Rosana me esperava. Eu a desejei por toda a vida. População, menos de cinco mil almas, como dizia o Pe. Jacinto, pároco que recusou se mudar para outro lugar. Elegeu para viver Cidade Pequena como sua morada, desde que chegou 30 anos antes, mesmo convocado para outras paróquias. Levava, mas não impunha a Palavra original e boa, a quem a quisesse receber, libertadora.
Ao invés dos olhares íntimos que pudessem oprimir aos cidadãos, todos se sentiam abertos quanto ao comportamento de cada um, se a ninguém machucasse. Não havia julgamentos quanto a diferenças. Quem quisesse ficar, não importava que identidade apresentasse, sendo afável e trabalhador, seria aceito como padeiro ou professor, cantora ou doutora, maquinista ou vereador. Política se discutia nas ruas, nas praças, botecos e lanchonetes, quiosques e pousadas — sem restrições de preferências. Todos desejavam o bem comum, os impostos eram bem aplicados, a escola construída, o hospital equipado, a delegacia modernizada, a Natureza preservada, obras fundamentais realizadas. Paraíso na Terra? Não! Fruto da arquitetura humana bem fundamentada. Desenvolvimento de relações saudáveis. O exercício da cidadania, dos princípios democráticos.
Até que tudo acabou, consequência de uma força externa. Algo estranho? Sim, mas previsível em suas repercussões. Anormal, mas controlável, se houvesse vontade. 4.195 pessoas sucumbiram em 24 horas, sufocadas. Cidade Pequena inteira desapareceu. Seus habitantes dizimados. Ao final do dia, alguém distante desse povo, ainda que devesse ser o responsável por seu bem estar, ainda que soubesse o que ocorreria ou, por isso mesmo, apenas riu… Cidade Pequena é fantasiosa, o monstro que poderia devastá-la, infelizmente, não…
Darlene Regina / Roseli Pedroso / Lunna Guedes
/ Mariana Gouveia / Claudia Leonardi / Adriana Aneli / Alê Helga
Texto excelente que exemplifica perfeitamente a situação atual. Quantas mais cidades deverão deixar de existir?
A minha cidade que já foi pequena se tornou gigante e hoje completa 302 anos. Mas, ainda tenho a cidade pequena diante de meus olhos. belo texto!
Como eu gostaria de viver em uma cidade assim… E impedir que o monstro responsável por dizimá-la chegasse a posição de poder…
Que texto!
Abraços
Eu que inventei uma cidade para poder ser do mesmo tamanho de uma personagem… sempre achei que as cidades são todas do mesmo tamanho, Borges me fez perceber isso em seus escritos. “O coração do homem bate como o de uma cidade? Não, o do homem é apenas um, o de uma cidade são muitos”. O que se destrói somos nós: cidades pequenas que somos.
Lá vou eu para as ruínas de Roma. rs
Lunna, você me fez lembrar que antes, estudante de História, muito ligado às crenças orientais e aos ciclos intermináveis de criação, conservação e destruição, não me importava tanto com o destino dos povos. Algo mudou nestes últimos 30 anos, em que fui ficando mais sensível ao imediato. Talvez porque sinta que tudo se conecta – presente, passado e futuro. E sofro…