29 / 03 / 2025 / Farfalla

Farfalla cumpre o destino
após tanto tempo no casulo autoimposto
não se faz de rogada Farfalla fala
nasci neste dia quero festa quero cumprimentos
não desejo votos de isentos
desejo beijos ainda que distanciados
quereres bem-intencionados  
calor humano
a suplantar o calor deste litoral
em que voo sobre as águas sob o Sol
sou amiga sorridente bailarina no jardim
absorvo o néctar de flores
enquanto me afasto das lembranças de dores
revoo aprecio a paisagem que me renova
volteio não fico no meio alcanço as fronteiras
sou da vida bela ainda que dela nada se leve
sou leve asas abertas passeio por multicores
de plantas absorvo doces fragrâncias
escrevo o meu caminho em poemas
em cantos em danças em delicadezas
um dia pousarei hoje não que não quero
descansarei ao raiar do dia de nova hora
cercada pela flora sonora de abelhas que lhes beijam
ao cintilar solar da aurora…

Foto por Joseph M. Lacy em Pexels.com

24 / 03 / 2025 / Carta Ao Destino

Senhor Destino,
o dia amanheceu cheio de expectativas para tantos… Para mim, que estava me deslocando de minha zona de conforto, não. Eu aprendi… ou melhor dizendo, eu desenvolvi o costume de não ter nenhuma expectativa quanto certas questões que fogem do meu alcance. O meu comportamento é o de um passageiro de ônibus que pode apenas observar a paisagem enquanto se encaminha para o destino programado tendo ao volante um motorista profissional capacitado. É o que se espera.

No entanto, é comum me surpreender com o otimismo que as pessoas têm quando dizem que estarão em determinado lugar em determinada hora. Ao mesmo tempo, esperar que algo dê errado com o plano que estabelecemos para chegarmos a algum ponto, talvez seja um sintoma doentio de negatividade.

Milhões de pessoas se deslocam de lá para cá de forma quase automática. Não estão planejadas intercorrências em seus trajetos, suspeitas de atraso ou movimentos inesperados. E ainda bem!… Deve ser horrível viver na expectativa de malefícios. Mesmo assim, me assusto com os que têm certezas objetivas. É como se tivessem o dom da clarividência. “Tomarei tal transporte. Irei para tal lugar. Subirei as escadas da faculdade às 10h10. Me casarei dia tal, com tal pessoa, vestindo tal roupa”.

Como deve saber, por me ter em suas mãos, trabalho com eventos. Tenho que os agendar antecipadamente. Muitas vezes, meses antes. E até um ano antes. Como casamentos. Eu acho incrível essa convicção de algo que envolve planos de uma vida toda. É similar ao agricultor que prepara o terreno para colher no tempo adequado. Porém, assim como se espera que o clima colabore para o homem do campo, não se espera que uma paixão avassaladora desvie um dos noivos de seus planos.

De maneira quase antagônica, ao conhecer muitos dos meus possíveis caminhos, sabe que não pauto a minha vida pensado no Senhor, apesar de saber que tento controlá-lo ao palmar minhas atitudes diante das consequências que poderiam advir delas. Ainda que em determinado momento da minha vida, fui me deixando levar por minhas inclinações menos racionais e mais emocionais e instintivas. O Senhor sabe o que vivi e então nunca me senti tão vivo… Sim, vivi o melhor e o pior de viver, ainda que o melhor tenha sido tão bom que aceito o pior como uma espécie de prémio de valorização do melhor.

Apenas para não tergiversar mais, digo que prefiro estar na estrada e apreciar a viagem, à espera (sem esperar) de quando o encontre definitivamente. Tenho essa curiosidade, apesar de tudo, e não foram poucas as vezes que quase desejei fazê-lo mais cedo, confortavelmente instalado em minha casa. Talvez por curiosidade epistemológica, se bem que o objeto “morte” não seja inanimado, ao contrário. É ativo e efetivo em sua incrível capacidade de nos igualar a todos no mesmo estado dimensional.

Quando nos encontrarmos ao final (início) de tudo, espero conhecê-lo em todo o seu esplendor. Ainda que intua que seja apenas uma etapa. Espero que me desculpe se não…

Abraço!

Foto por Muffin Creatives em Pexels.com

15 / 03 / 2025 / Moema*

Ao ver o Sol se por em Moema — estava num ponto mais alto — atravessei o meu olhar através dos prédios, casas baixas, árvores, colinas, vales e rios para cada vez mais fundo no Tempo. Moema tem origem no Tupi moeemo, calcado no gerúndio, que quer dizer “adoçando”. Transformado para o feminino, significa “aquela que está adoçando”. O nome foi criado pelo Frei de Santa Rita Durão, para um personagem do seu famoso poema “Caramuru”, que conta a história do náufrago português Diogo Álvares Correia, na época em que viveu entre os índios Tupinambás. Por alguns instantes, voltei a eles. Inocente do destino do meu povo que morrerá-morre-morreu. Outra versão sobre o significado de Moema é “mentira”… 

*Texto de 2020.

07 / 02 / 2025 / Sincronismo*

“Para além do estranhamento do uso do tempo verbal, a campanha veiculada nos ônibus municipais de São Paulo para os passageiros que logo mais se transformarão, em algum momento, em pedestres, encerra a mensagem do perigo que vivemos todos nós, cidadãos desta metrópole, por simplesmente caminhar por ela. O meu pai já nos advertia, a mim e a meus irmãos, há tantos anos — “Quando for atravessar a rua, olhe para um lado, olhe para o outro, olhe para trás, olhe para frente e olhe para cima para ver se não há algum avião caindo na cabeça!”. O Gil já sabia: o tempo é rei e tudo pode estar por um segundo. E eu acrescento: às vezes, por um passo. Neste caso, a velocidade (tempo X distância) torna-se fundamental para escaparmos de sermos colhidos pelo motoboy que se dirige urgentemente para entregar o frasco de remédio que salva uma vida ou para levar o vestido de festa tardiamente pronto para o casamento de logo mais à noite.

Lembro-me de um episódio de alguns anos que me deixou perplexo pelo sincronismo macabro que o engendrou. Cinco passos a menos ou a mais, por exemplo, teriam salvado a vida da garota esmagada pela massa do guindaste atraído do alto do edifício em construção na Paulista até a calçada coberta por um toldo azul, que deveria proteger os passantes de pequenos objetos que despencassem do alto. Neste caso, a precisão cirúrgica do Destino mostrou-se insuperável. Imaginei à época que se tivesse ela se apressado em encontrar o namorado na porta do cinema ou se atrasado para dar uma penteada ou duas a mais em seus cabelos e sua supérflua paixão ou a sua preciosa vaidade teria salvado a ela e nós de vermos empastelado de sangue a sua cabeça que, há pouco, dava expressão a todas essas suas necessidades…”.

*O texto acima foi escrito anos antes, lá pelo início dos 2000. Neste dia 7 de Fevereiro, pelas 7h18 da manhã, dezenas de pessoas tiveram as suas vidas poupadas por seguirem o conselho de Caetano Veloso. Perguntado certa vez se o poeta que caminhava por caminhos alternativos obedecia aos sinais de trânsito, ele respondeu: “Claro, são sinais…”. Se algum dos veículos avançasse a sinalização do semáforo, como é comum acontecer numa manhã em que os paulistanos estão tentando chegar aos seus compromissos, o não cumprimento poderia levá-lo ao óbito.

Eu e minha família utilizamos a linha do ônibus atingido. A minha filha caçula estaria na região nesse horário se não fosse um atraso providencial. Com a interdição da Avenida Marquês de São Vicente, ficou impedida de ir ao trabalho. O sincronismo de certos fatos, analisados a posteriori se assemelham a contas matemáticas macabras de adição e subtração, divisão e multiplicação. O resultado? Noves fora, nada…

04 / 02 / 2025 / Coaxar*

Para Marineide e Diovani

Pelos amigos, fui chamado para versar
Sobre a expressão dos bichos no campo
O zumbir dos grilos, dos sapos, o coaxar
Não os vejo mais, tal e qual o pirilampo

Vivo na cidade — duro asfalto, frio cimento
Apenas os busco na terna e fugidía memória
No reencontro da infância, no pensamento
Chego a pensar que são invenção, uma estória

Serão esses seres originários de ficção?
Sonhos de uma vida que tive ou ainda terei?
Como o brilho das estrelas, uma mera ilusão?
Pois mesmo já mortas, as vejo e ainda as verei?

O que me diz Diovani, o bardo cristalino?
O que me conta Marineide, a fada central?
Vivemos todos uma igual fantasia e destino?
Mentimos a mesma verdade universal?

*Versejar de 2015