Projeto Fotográfico 6 On 6 / Dezembro Em Preto & Branco

Dezembro… luz do sol… calor… mês de festas… Preto no branco, quase não há o que comemorar, a não ser termos sobrevividos a um ano tão doloroso quanto um ferimento à faca. Em tempos em que cada termo ou imagem passa pelo escrutínio ideológico, essa metáfora, por mais inocente que pareça, indicaria pendores aleivosos. Pelo sim, pelo não, não precisa ser faca, então. Vamos dizer que tenha sido tão doloroso quanto o espancamento de um ser inocente com barra de ferro apenas para não tê-lo por perto. Este ano se encerra com dúvidas e incredulidade muito maiores do que quando começou. Fiz previsões para este ano da graça de Vinte Dezoito. Foram publicadas em uma das Revistas da Scenarium Plural – Livros Artesanais. Eu as reproduzirei aqui, até o seu final. Errei muito. Não queria acertar o que acertei.

Por hora, resta aludir às imagens em P&B – tema desta edição do “Projeto Fotográfico 6 On 6” – que consiste em postar seis imagens comentadas publicadas no sexto dia de cada mês, por autores convidados por Lunna Guedes. As fotos em preto e branco são, para mim, estranhamente mais atraentes que as coloridas. Talvez, uma influência direta do fato de ter assistido meus programas favoritos em TVs P&B até meados de 1982, quando minha mãe juntou o dinheiro que tinha e que não tinha para comprar uma TV Colorida para assistirmos a Copa da Espanha.

6 On 6 - P&B

Ao passar pelo Museu da Diversidade, instalado na Estação República do Metrô de São Paulo, encontrei essas palavras em um dos vários quadros com dizeres espalhados pela parede externa do pequeno e expressivo espaço de resistência da liberdade de ser. Traduz de forma exemplar como somos manipulados para viver por padrões que engessam nossa expressão humana. E como nossos sentidos – físicos e infra-ultra-físicos – se entregam à estereótipos confortáveis e padronizados para interpretar o mundo que nos rodeia.

6 On ¨- P&B (Devaneio)

A luz do sol inclinada na hora do crepúsculo, banha o vale e sua casas. Entre elas, a minha, que se sente calorosamente atravessada. Como o personagem de “Beleza Americana”, que assiste o passeio de um saco plástico ao sabor do vento, eu me perco em devaneios para formar imagens que se diluem em linhas costuradas pela imaginação. O registro fotográfico apenas arranha na superfície a viagem para o tudo ou nada do que vislumbro…

6 On 6 - P&B (Escuridão)

A imagem acima é um atestado do que coloquei acima, sobre preferir tons mais sombreados em contraste com a brancura dos corpos. Neste caso, de cravos vermelhos. O que eventualmente tenha se perdido em cor, ganhou em consistência – peso seria uma boa palavra – quase como se as delicadas pétalas fossem revestidas de ferro.

6 On 6 - P&B (Chuva Na Marginal)

Normalmente, voltamos de madrugada – eu, meu irmão e nosso auxiliar – dos eventos em trabalhamos na produção com nosso equipamento de som e luz – esta, idealmente colorida. Dia desses, quando choveu tanto em São Paulo que vários trechos da Marginal foram alagadas com as águas do Tietê, passamos transversalmente, a salvo por pontes do Corredor Norte-Sul. Registrei esta ilustração noturna que logo se configurou, como caçador de imagens, em uma das minhas favoritas desde sempre.

6 On 6 - PB (Portal)

Este portão de uma residência aparentemente abandonada é quase um portal do tempo. Não posso ver construções como essa sem reconstruí-las como à época de seus esplendores funcionais. Esta, acima, se localiza no início da Francisco Matarazzo e não duvido que tenha feito parte do patrimônio do próprio Comendador, como quase tudo no vale que a avenida que carrega seu nome, percorre. Esse portal dá entrada a uma pequena vila bastante descaracterizada, com linhas mais retas-modernas-pobres do que as belas-esféricas-sinuosas do passado. As primeiras, preferi cortar da foto.

6 On 6 - P&B (Idades)

De início, não via vinculação entre as duas imagens que estão expostas lado a lado. No entanto, a primeira, originalmente em P&B, representa um auto-retrato sem tanto apuro técnico, pois desenhava bem espaçadamente naquela época, ao contrário de anos antes, quando cheguei a me imaginar desenhista e até, pintor. Nada impede que possa me tornar um, algum tempo adiante. A segunda, devido à falta de luz, sombreou naturalmente. Contribuí com um pouco mais de escuridão. No desenho, o queixo é menos largo e o nariz menor do que se tornaram. O rosto, mais preenchido em suas linhas. O olhar, é de espanto. Espanto que carrego até hoje, talvez com os olhos espremidos de quem pensa demais. Além do que relacionei em comum, nos dois registros, uso óculos. Ao contrário do que diz a música, eu nasci de óculos, ainda que tenha começado a usá-los apenas a partir dos 12 anos…

Participam desse projeto:
Ana Claudia Anália BossClaudia LeonardiFernanda AkemiLuana de SousaLunna Guedes Mari de CastroMariana Gouveia Maria Vitória  Isabelle Brum   

Lívia

Lìvia I
Lívia

Um Dia antes do dia mais importante dos últimos anos na vida brasileira, hoje é um dos dias mais importantes para mim. Há 23 anos, nascia Liv – nome que pretendia dar à minha caçula. A Tânia quis aportuguesar a grafia e, assim, estreou Lívia em nossas vidas. Romy e Ingrid a receberam com todo o amor e, desde então, entre brigas, choros e reconciliações, as três meninas construíram um relacionamento amorosamente rico, em que as rusgas apenas amplificam os momentos de carinho e solidariedade.

Em 1995 – ano de seu nascimento – o Brasil descobria o poder da Internet. Amanhã, será o dia que será coroado o poder indiscutível das redes sociais na vida das pessoas. Um candidato – absolutamente medíocre – que em qualquer Democracia mais madura dificilmente seria eleito vereador – poderá chegar ao cargo máximo do governo brasileiro nestas eleições de 2018.

No início de 1995, Fernando Henrique Cardoso tomava posse em seu primeiro mandato. Por mais que tenhamos passado por alguns escândalos ao longo de seu governo, como SIVAM e Pasta Rosa, o presidente eleito conseguiu domar a inflação, terminou o primeiro quadriênio do Real de maneira exitosa, dando esperança que finalmente decolássemos rumo ao destino manifesto de “País do Futuro”…

Atualmente, vivemos o processo circular-repetitivo de esquecermos nossos esforços em busca de uma nação igualitária, para apostarmos em projetos obsoletos ou irresponsáveis. Peço desculpa pelo discurso político em voto de felicidade para a minha filha em seu aniversário, mas sei que ela sabe que não podemos desvincular nossa vida pessoal da coletiva-social. O meu perfil de escritor e cidadão não permitiria que deixasse de colocar meu posicionamento.

O amor que sinto pela Lívia, Romy e Ingrid me força a optar no sentido de um passo lateral, apenas para não cairmos no abismo e no obscurantismo que um dos presidenciáveis representa. Se a maioria dos eleitores escolherem essa vertente, espero que possamos ultrapassar mais essa cena, plena de dúvidas e algumas certezas. Uma delas – a supremacia da visão mitológica, mais uma vez – no País que aceita como verdade a mentira bem contada. Sei que a Lívia gostará de ver vinculado o meu desejo de um futuro que respeita a expressão do homem e todas as suas vozes ao seu aniversário. Que não lhe faltem sonhos, saúde, coragem e afetos verdadeiros. Por isso, acrescento: #EleNão

Domingo de Futebol

Domingo de Futebol

Eu jogava futebol com meu amigo Beto desde garoto. Depois do tempo da escola, continuamos juntos no time do Seu Aléssio em disputadas partidas em campos de várzea. Findo o tempo dos Contras, durante anos, passamos para o tradicional futebol de domingo de manhã toda a semana, junto a outros amigos e conhecidos. Foi assim por por uns dez anos. Parei e fiquei outros dez anos sem frequentar os campos de Society com a turma. Mas voltei há a atuar durante certo período há cinco anos, mais ou menos, de manhã.

Quase na mesma hora que teria que levantar para ir jogar, frequentemente estava voltando dos eventos nos quais trabalho. Quando mais jovem, até aguentava o tranco, quando não havia evento no mesmo dia. Com o aumento da demanda e do acréscimo dos anos às costas, ficou cada vez mais difícil conciliar trabalho e prazer, ambos cansativos fisicamente. Na época, tive dengue. A musculatura, sofreu com a doença. Frequentemente, me contundia. Deixei novamente de jogar. Hoje, apenas sonho que jogo, cada vez menos…

Aprendi a gostar do meu trabalho e jogar era dor-prazer-lazer. No trabalho, carregar, montar, ajustar som e iluminação, fazer a passagem do som, encontrar colegas talentosos no canto, na dança ou narração não deixava de ser prazeroso, porém se revestia da característica do dever a ser cumprido da melhor forma possível. Durante um tempo, não conseguia relaxar tanto quanto hoje, em que consigo me divertir até com a função de subir os equipamentos até segundos ou terceiros andares dos salões, muitas vezes sem elevador. No futebol, o corpo sofria o estresse por correr, se alongar, se contrair, se atirar para executar um movimento mais amplo, saltar mais alto para alcançar a coisa mais desejada da vida naquele momento – a bola.

Durante o tempo de jogo, nada acontecia fora das quatro linhas. Não que me esquecesse de todos os problemas do mundo. Simplesmente, não havia um mundo fora dali. No futebol, as regras externas se diluíam, não havia diferenciação social ou qualidade física que não fossem superadas pelo talento no jogo. O office-boy, o estoquista, o microempresário ou o dono de posto de gasolina, em boa forma física ou acima do peso visavam conseguir, juntos, trocar passes, se movimentar, defender sua meta e assinalar gols. Todos desejavam congregar e chegar à vitória. E caso contrário, perder também fazia parte do pacote. Muitas vezes, eram mais valorizadas a derrota bem jogada contra um timaço do que a vitória “mamão-com-açúcar” contra um time “meia-boca”.

A linguagem usada no campo de futebol também era alternativa e restrita. O vocabulário se resumia a dez ou doze palavras e poucas expressões, sempre acompanhadas das indefectíveis “porra” e “caralho”. Essas termos tanto podiam ser usados como substantivos ou adjetivos, além de servirem eventualmente como pronomes. Havia muita discussão e entreveros entre nós e os adversários, bem como entre nós mesmos, que se encerravam depois que saíamos do campo e íamos para o bar comer porcarias e beber umas (várias) cervejas. Bem, eu nunca bebi álcool, mas participava do grupo com as minhas opiniões “papo-cabeça” acompanhadas de uma legítima Coca-Cola na garrafa de vidro, a melhor…

De vez em quando, esposas, filhas e namoradas acompanhavam alguns jogadores, mas, na maioria das vezes ficavam conversando à margem assuntos que não tinham nada a haver com o que acontecia dentro do campo. O sacrifício que faziam em acompanhar os seus parceiros devia ser comparável ao do deles em acompanhá-las às compras.

Em uma das últimas ocasiões que joguei, teríamos um churrasco depois do jogo. Eu não poderia ficar porque tinha coisas a fazer, mas não sei se ocorreu realmente o congraçamento, já que o responsável pela carne e acompanhamentos, brigou com o pessoal por não ter sido colocado no time e parece que foi embora antes do final da partida. Infelizmente, no intercâmbio de dimensões, um mundo acabou por invadir o outro…

Maratona De Outubro| Vivo Em Um Livro…

Reinações
Sobre outro reino…

… mas talvez quisesse viver em outro – Reinações de Narizinho. Parece que nossas primeiras leituras são as mais importantes, a ponto de se tornarem eternas. Como uma casa na qual vivemos e voltamos a visitar, a caminhar por cada canto e recanto. Porém há o perigo de não a reconhecermos. A casa continua a mesma. Mudamos nós. Naquela sala do velho relógio e espelho manchado, talvez não consigamos sentir a mesma emoção ao ouvir as badaladas ou reconheceremos a face do menino.

Com o livro de Monteiro Lobato, penetrei em um mundo mágico, similar ao que, em minha solidão de criança, vivia. Foi fácil penetrar no Reino das Águas Claras, reverenciar o Príncipe Escamado, conversar com Emília, consultar o Doutor Caramujo. Minha mãe criava galinhas caipiras. Passava parte do dia a cuidar delas, depois da escola. Conversava com as plumadas com sons que entendiam e interagia com os pintinhos. Fazia coleção de penas que caíam aqui e ali, no quintal. Entendia cachorros e gatos com o olhar – Gita, Tarzan e Cloé me acompanham até hoje, quase meio século depois.

Com pai ausente e mãe a se desdobrar para cobrir as despesas cotidianas, puxar água do poço era apenas mais uma aventura de herói japonês. Inconsequentemente, me pendurava na beira da laje como se fosse um perigoso penhasco, em busca de uma recompensa invisível. Moer milho para fazer quirela para os frangos, minha contribuição para os meus companheiros. Mamãe vendia os ovos e, eventualmente, alguns membros da criação. Agora, ao lembrar disso, não sei dizer como suportava a contradição de tratá-los como iguais e vê-los partir para um incógnito paradeiro, mas destino conhecido…

Conforme os anos foram se sucedendo, comecei a querer penetrar cada vez mais em leituras sérias. Meu encantamento com as coisas mais simples da vida foi cedendo campo a participação nos jogos dos adultos e suas relações fátuas. A predileção por finais abertos ou infelizes aumentou. Imaginei que a vida fosse exatamente assim. Quis fugir para outro mundo e diria que consegui. A solidão humana, mas povoada de amizades diretas com os animais, no entanto se aprofundou. Quando estava ficando quase insuportável conviver comigo mesmo, consegui iniciar escrever outras linhas, ler outros livros-pessoas.

Refletindo melhor, percebo afinal que quero terminar de escrever e ler o meu próprio livro, entender as personagens e a história, apesar de tantos entre enredos parecerem inverossímeis. Desejo, do fundo do coração, amar e ser amado por muitas pessoas. Ainda que várias sejam de difícil convivência. Eu as mataria só em último caso. Bloqueá-las talvez seja suficiente. Muitas nos ensinam a compreender a barafunda de estar vivo em um tempo e lugar como este, em que cada um escreve e protagoniza sua própria existência. O fim é comum a todos, já sabemos. Apenas não concebemos como e em que página se dará. Caberá à grande editora decidir…

Participam também desta Maratona:

Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes

Maratona De Outubro | Abandono

Pai e filho
De filho para pai…

O último livro que me lembro de deixar de ler pelo meio foi “A Elegância do Ouriço”, de Muriel Barbery. O exemplar me foi ofertado por minha editora, Lunna Guedes e logo me apaixonei por sua narrativa. No entanto, assim como paixões que viajam para longe e deixam de participar de nossa vida diária, deixei de avistá-lo em determinado momento e devido a vários outros fatores, nunca mais retomei a sua leitura. Tenho impregnada em minha lembrança todos os traços das personagens, tramas e ambientes descritos que facilmente recomeçaria a conversar com ele, como se fosse aquele velho amigo com o qual retomamos o diálogo no ponto que fora interrompido anos antes, como se tivesse sido um dia antes. Ensaio essa ocasião tantas vezes que se tornou um hábito estranho.

Contudo o livro que abandonei por tempo indeterminado, até ter decidido retomá-lo definitivamente há poucos dias, quando fui questionado sobre meus projetos para 2019, foi o provisoriamente denominado “De Filho Para Pai – A Revolução Que Nunca Houve”. Decerto que ninguém ouviu falar dele. Ainda está em elaboração. Eu sou o autor. Comecei a escrevê-lo há alguns anos, não sei ao certo quantos. Um trecho aqui, outro ali. Eu me colocava diante do computador como se atirasse como uma metralhadora ou preenchia uma folha em branco com garranchos que tinha dificuldade em decifrar devido à raiva que impunha à escrita. Estava absorvido pelo processo. Até que começou a doer demais. Não consegui continuar…

Tema principal que estrutura o romance, em um movimento tão lento quanto interminável, a relação com o meu pai se deteriorou definitivamente. Até que, fisicamente, ele passou. Mas nunca me deixará de me acompanhar. Supostamente não restou nada que pudesse ser reerguido das cinzas. Além disso, Fênix mora longe do fosso que joguei nossa história. Mas pretendo restituí-la com toda a paixão que puder colocar nessa composição. Sofrerei, porque terei que reencarnar todas as minhas contradições e ficar diante do ídolo com os pés de barro – do qual fui gerado, carrego a herança e a carga pesada – em grande parte por mim repudiadas, ainda que reconhecidas como o melhor que ele poderia me ofertar.

O desejo de retomar a escritura d’A Revolução é o capítulo mais importante do meu Livro pessoal, porque é atual, apesar de discorrer sobre a antiguidade dos relacionamentos entre seres com papéis definidos antes de nascermos – pai e filho. Um livro que já escrevi em sangue, lágrimas, ferro e fogo, mas não li devidamente no espaço mental. Colocá-lo no papel – um material eterno – talvez faça com que redefina meu percurso. Espero não o abandonar no meio do caminho…

Participam também desta Maratona:

Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes