
… mas talvez quisesse viver em outro – Reinações de Narizinho. Parece que nossas primeiras leituras são as mais importantes, a ponto de se tornarem eternas. Como uma casa na qual vivemos e voltamos a visitar, a caminhar por cada canto e recanto. Porém há o perigo de não a reconhecermos. A casa continua a mesma. Mudamos nós. Naquela sala do velho relógio e espelho manchado, talvez não consigamos sentir a mesma emoção ao ouvir as badaladas ou reconheceremos a face do menino.
Com o livro de Monteiro Lobato, penetrei em um mundo mágico, similar ao que, em minha solidão de criança, vivia. Foi fácil penetrar no Reino das Águas Claras, reverenciar o Príncipe Escamado, conversar com Emília, consultar o Doutor Caramujo. Minha mãe criava galinhas caipiras. Passava parte do dia a cuidar delas, depois da escola. Conversava com as plumadas com sons que entendiam e interagia com os pintinhos. Fazia coleção de penas que caíam aqui e ali, no quintal. Entendia cachorros e gatos com o olhar – Gita, Tarzan e Cloé me acompanham até hoje, quase meio século depois.
Com pai ausente e mãe a se desdobrar para cobrir as despesas cotidianas, puxar água do poço era apenas mais uma aventura de herói japonês. Inconsequentemente, me pendurava na beira da laje como se fosse um perigoso penhasco, em busca de uma recompensa invisível. Moer milho para fazer quirela para os frangos, minha contribuição para os meus companheiros. Mamãe vendia os ovos e, eventualmente, alguns membros da criação. Agora, ao lembrar disso, não sei dizer como suportava a contradição de tratá-los como iguais e vê-los partir para um incógnito paradeiro, mas destino conhecido…
Conforme os anos foram se sucedendo, comecei a querer penetrar cada vez mais em leituras sérias. Meu encantamento com as coisas mais simples da vida foi cedendo campo a participação nos jogos dos adultos e suas relações fátuas. A predileção por finais abertos ou infelizes aumentou. Imaginei que a vida fosse exatamente assim. Quis fugir para outro mundo e diria que consegui. A solidão humana, mas povoada de amizades diretas com os animais, no entanto se aprofundou. Quando estava ficando quase insuportável conviver comigo mesmo, consegui iniciar escrever outras linhas, ler outros livros-pessoas.
Refletindo melhor, percebo afinal que quero terminar de escrever e ler o meu próprio livro, entender as personagens e a história, apesar de tantos entre enredos parecerem inverossímeis. Desejo, do fundo do coração, amar e ser amado por muitas pessoas. Ainda que várias sejam de difícil convivência. Eu as mataria só em último caso. Bloqueá-las talvez seja suficiente. Muitas nos ensinam a compreender a barafunda de estar vivo em um tempo e lugar como este, em que cada um escreve e protagoniza sua própria existência. O fim é comum a todos, já sabemos. Apenas não concebemos como e em que página se dará. Caberá à grande editora decidir…
Participam também desta Maratona:
Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes
Eu fiquei o dia inteiro a pensar numa resposta simples, como não encontrei essa serenidade que você esbaldou, fiquei eu a flutuar no universo e a vagar pelos cenários que sou. No fim, somos mais do mesmo. rá
bacio
Somos somas de nós mesmos em vários momentos de nossa vida, Lunna! Adorei você se transformar em traça!