13 / 11 / 2025 / Blogvember / Dizemos Com Os Olhos Do Silêncio…

que não é mudez… me expresso pelo olhar a curiosidade em saber
quem é você quem sou eu porque estamos aqui apesar de todas as probabilidades
desse encontro de corpos de presenças de sentenças ditas e não ditas
de histórias pessoais famílias diferentes expectativas e desejos diferenciados
como não nos afastamos por tantas contrariedades idades dificuldades?
amor silencioso e potente
consumado de forma doce e voraz
que sejamos súditos dele e dele nos sirvamos
que sejamos eternos enquanto amamos…

Participação: Lunna Guedes

28 / 03 / 2025 / Dulce*

Dulce — doce, em espanhol — era realmente uma presença doce. Pequena, com as patinhas defeituosas, o peito e a barriguinha peladinha, ela não sobreviveria se vivesse livre. Sendo uma calopsita, de origem australiana, não encontraria espaço e clima ideais para sobreviver por aqui. Nós a recebemos novinha e ficou com conosco por pelo menos 13 ou 14 anos.

Discreta, nos últimos anos estava sozinha, sem o companheiro Horácio, que faleceu inesperadamente. A relação entre eles não era muito harmoniosa ou, pelo menos não era interativa. A gaiola onde ficavam, nós a colocávamos para fora de manhã e a recolhíamos à tarde. Quando a temperatura estava mais alta, ficava até mais tarde e, às vezes, até passava a noite fora.

Acredito que ela gostasse de ficar no quintal, já que reclamava quando não a púnhamos em contato com os outros pássaros, as árvores e plantas do local, principalmente quando percebia movimento na casa. Ao encontrá-la, ela esticava uma das patinhas e uma das asas, que eu soube se tratar de um ato de satisfação. Normalmente, colocava comidinha no seu potinho, mas quando esquecia, também se fazia ouvir, reclamando.

De vez em quando, a soltávamos dentro de casa. Mas ela não gostava de que a pegássemos, dando picadinhas delicadas, como se protestasse. Vez ou outra, conversava com ela através de assovios, porém nunca consegui me comunicar convenientemente. Era comum, a Bethânia correr em direção à sua gaiola para assustá-la, por pura diversão. Quando a gaiola se esvaziou de sua presença, ela correu, mas parou assim que percebeu a sua ausência. Assim como ao passar no corredor que ela ficava, também a senti.

Ela compunha a nossa paisagem emocional e visual. Tentava me aproximar dela e entender o que ela estaria “pensando”, “sentindo”. Será que a sua solidão seria igual à nossa? Será que sabia estar presa a um espaço restrito ou aquele mundo era suficiente para sua expressão? Já que sempre viveu assim, institivamente sequer “imaginaria” que seus irmãos voassem livres, buscassem o seu próprio alimento, namorassem, procriassem e estavam à mercê de predadores, principalmente os seres humanos? Era feliz ou felicidade é uma quimera tipicamente humana?

Ontem, a Tânia compôs um memorial com a gaiola da Dulce. Ela a preencheu com plantas. Acho que é uma linda homenagem à vida. A nossa promessa é que nunca mais teremos pássaros presos em nossa casa, mesmo porque tudo começou em atendimento a um desejo das meninas quando mais novas, que receberam as calopsitas de presente. Em nosso jardim, temos pássaros constantemente a nos presentear com seus cantos e voos. Prendê-los para mim é um ato de pura inveja de nossa parte pelas asas que possuem.

*Texto de 2021

Língua Nova

Mulheres são multíplices.

É a lida mais complexa vê-las traduzidas.

Melhor é tentar falar uma língua cúmplice,

mesmo sem compreender,

como se aprendesse,

de novo,

a ler e escrever.

Beber de seus cálices,

à largo,

largados,

calados,

o melhor do doce

e do amargo

que pode oferecer

a vida aos seus lados…

Foto por Anna Shvets em Pexels.com

Embriagado

caminho como que se pisasse em terra fofa
recém arada, airada, quase areia do mar
ausentes a brisa e o cheiro de sal reafirmavam
que as ondas que eu ouvia enganava o labirinto
e o oceano verde que via era da grama irregular
alguns passos mais e o terreno se torna amarelado
atapetado de goiabas suicidas cheias de vidas
semoventes de pequenos vermes brancos
dos quais pássaros se refestelam
moscas, vespas, abelhas e marimbondos
revezam-se em rasantes tão errantes
quanto o meu andar
embriagados de doçura, eles
de amargura, eu…
o céu carregado de um azul luminoso
me oprime como se fosse tão pesado quanto o aço
continuo em frente solitário, sem perspectiva
de chegar em qualquer lugar que fique bem
a minha dependência é de beber da realidade
e tudo me desnorteia
este vício me matará
mas o cálice de fel é tão atraente e embriagador
que imagino ser doce morrer de tamanha dor….

A Manga Do Monge

Manga do quintal

Ao alcance da minha mão
Entre verdes, uma amarela
Feito um maduro mamão
Não foi preciso sacudidela
Quase repousa, a manga
Entre meus dedos, ao toque
Como estivesse junto à sanga
Apenas experimento o choque
De ser transportado para longe
Para o instante do doce corte
Em que decidi não ser monge
Mas me lambuzar de outra sorte
De vivenciar o gosto da fruta
De arregaçar as mangas
Ter filhas, enfrentar a labuta
Viver a vida, juntar bugigangas
Parece que a cada mordida
A história se repete em ondas
Antigas sensações reacendem
Bons fantasmas fazem suas rondas
Mandam-me lembranças enquanto ascendem…