03 / 09 / 2025 / …7, 8…

Éramos dois perdidos numa cidade suja.
Nossos caminhos se encontraram –– bailarina-cerebrina e espectador-expectador…
Meus olhos a perseguirem seus passos nas esquinas-palcos.
Eu, um solitário, cercado de pessoas e afazeres,
fui beijado por ela em dia de Carnaval diante da porta do trabalho.
Ela brandiu o seu leque, fantasiada de espanhola;
eu, um espanhol fantasiado de ninguém, o roubei…
Apaixonado, atrapalhado, alucinado, amargurado, assustado,
me recusava a olhá-la nos olhos fugidios-furta-cores ––
sabia que neles me perderia para sempre…
Ela me amou como sempre me conhecesse;
eu, como se nunca devesse tê-la encontrado –– pecado em forma de mulher ––
cristão-penitente a me sentir condenado…
Este-eu-pobre-ridículo-homem-tempo-seco,
enquanto ela era tempestade –– raios e trovões em dia claro de Sol ––
visão oscilante feito miragem de oásis no deserto;
nunca soube ou quis amá-la como deveria
e ela gostaria.
Preferi fugir para um lugar onde sentia frio e dor,
mais confortável do que é amar –– ser enganado por meus sentidos –– nunca ter certeza de onde estava ou se caminhava ou se flutuava
ou se estava a cair indefinidamente numa fossa abissal…
Consegui sobreviver à vida por ela ofertada.
Preferi passear comigo mesmo em confortável-estável-imutável-roda-gigante
num eterno domingo no parque da morte…
Nos deixamos por mensagens-rompantes-soluços-choros de criança,
sem adeus ou carta de despedida…

21 / 08 / 2025 / BEDA / Dupla Personalidade

Eu tenho pés com duas personalidades entre si. Certamente há diferença entre as partes do nosso corpo, principalmente entre os membros e suas terminações — braços, mãos, dedos, pernas e pés. Quando era adolescente, naquela fase de desenvolvimento em que tudo está descontrolado, desde o crescimento dos membros, a definição do feitio do rosto, o aparecimento dos primeiros pelos, além das emoções em ebulição e os sentimentos conflitantes, o desejo sexual, os primeiros amores, normalmente platônicos, o que era comum para mim e assim permaneci durante quase a metade da minha vida, bati a cabeça algumas vezes, metafórica e literalmente, cultivando cicatrizes que surgiam a toda vez que raspava a cabeça. O que eu fazia de vez em quando para mudar o visual. Aos 17, quando me tornei vegetariano, emagreci bastante. Adepto das filosofias orientais, comecei direto a raspar a cabeça e assim deixá-la. Vivíamos os anos do advento do AIDS. Muita gente começou a achar que estava com essa síndrome, o virgem.

Antes dessa época eu tinha muito cabelo e o deixava se expressar da maneira que quisesse. Se bem sendo fã de música negra, cheguei a lavá-lo com sabão de coco — o que o deixava endurecido — e o penteava com garfo de metal, daqueles especiais para cabelos crespos. Logo, eles baixavam, o que me deixava chateado. Mas consegui pelo menos uma vez tirar uma foto que se perdeu no tempo, mas talvez esteja nas caixas de fotos da minha mãe que estão com a minha irmã. Mas voltando ao título deste texto, como gostava de jogar bola, enfrentava todos os terrenos onde havia um grupo de meninos correndo atrás de uma bola.

Em certa ocasião provavelmente quebrei o dedão esquerdo numa dividida. Continuei a jogar mesmo com dor. Com o tempo, os dedões foram se tornando diferentes um do outro. Como prova de solidariedade, ambos tem as unhas encravadas. Eu os trato diuturnamente. A Milena, minha podóloga, garante que fiquem domados. No mais, os dois pés pelo menos caminham lado a lado, graças a Deus!

1º / 07 / 2025 / As Cicatrizes

não importa a estrutura que apresentemos
cicatrizes haverá
faz parte de existir
seja animal planta pedra
em nosso corpo seja em perna
braço cabeça mão
seja de amor no coração
na pedra a diferença da composição
mineral química cristalina vulcânica
não difere da estrutura do meu peito
endurecido após tantos revezes no amor
sou como o senhor da eternizada dor…

24 / 06 / 2025 / Minta

eu desejo que minta
diga que me quer tomar por inteiro
neste abrasador janeiro
pela última vez neste quarto de quinta
que sujamos os lençóis de fluidos
seres que somos — excluídos
não fazemos conta na multidão
somos dos últimos os derradeiros
aqueles que ninguém gosta
ainda que queira ser percebida como distinta
desista
não gostou quando lhe comparei a uma gimba
de cigarro fumado ao meio
é que não estava presente quando o homem
em andrajos a encontrou jogada no chão
junto ao muro
e em um tênue murmúrio
a desejou entre os lábios
a aspirar sua fumaça cancerígena
perguntou a mim que passava por ele
se eu tinha fogo
se decepcionou quando eu disse que o meu fogo
ardia apenas no coração
praguejou: “caralho, você é mais maluco que eu!”
ficaria feliz a me juntar a ele e esquecer de mim
viver a andar a esmo sem rumo sem destino
em desatino
longe de mim de você que vive em mim
mas agora quero apenas que minta
que finja que simule gozar para mim
que se sinta tão limpidamente suja
como a puta que se vende por pena pura
e sequer dinheiro fatura
se assim for então nunca mais me verá
jamais passarei de novo por perto de sua presença
sei que não sentirá a minha ausência
mas quem sabe sinta uma espécie de vazio
como um calor tépido de uma febre que se perpetua
a fome de algo que lhe caiu bem mal
talvez sinta falta do pavor que lhe causava
como o gosto de sal na comida rala
ou uma topada que lhe lembrava que a dor não é opcional…

Foto por Aleksandar Pasaric em Pexels.com

12 / 06 / 2025 / Dia Dos Namorados Distantes

os namorados distantes do que vivem?
de lembranças dos encontros espaçados
no tempo?
do desejo reafirmado a cada diálogo roubado
nos intervalos das obrigações diárias?
dos descaminhos da volúpia pela presença
não materializada
como se fosse uma foto beijada
esmaecida pelas lágrimas de saudade?  
quem vê de fora não acredita na permanência
feita muito mais de ausências
do que das presenças
mas os cheiros 
as intumescências de bicos e membro
o êxtase reafirmado a cada reencontro
a resistência do desejo
os pelos eriçados a responder que sim
não se acredita no fim…
é uma ilusão?
mentes doentias como se vivessem um vício
pelo vazio
em que a distância não vence
ou afirmação do gosto do prazer
entre os namorados
distantes amantes da dor de amar
e bem quererem-se…

Foto por Yan Krukau em Pexels.com