
Fisicamente, ausente…
Emocionalmente, atuante…
Psicologicamente, preponderante…
Mentalmente, sentimental…
Espiritualmente, amorosa…
Nem tudo, rima…
Mas não deixa de estabelecer um rumo.

Fisicamente, ausente…
Emocionalmente, atuante…
Psicologicamente, preponderante…
Mentalmente, sentimental…
Espiritualmente, amorosa…
Nem tudo, rima…
Mas não deixa de estabelecer um rumo.
cabeça ombro joelho e pé
joelho e pé
olhos ouvidos boca e nariz
cabeça ombro joelho e pé
crescemos brincamos partes do corpo
se nos são retiradas um a um
e recolocadas pouco a pouco
seres humanos descremos
crescidos decrescemos
nossa consciência corporal de estarmos bem
nos recusam viver
nos acusam pelo prazer
são contra as leis contra o coração
desde sempre retirado de nosso peito
modelos feito bonecos sem emoção
de integridade desintegrada finalmente
jogados no meio da calçada
como objetos descartados lixo último nicho
sem cabeça para ficar…
sem pés para onde ir…
um domingo este domingo
início de um dezembro indeciso decisivo
final do 22 que já foi 17 que devia ser zero
vou à academia castigar o corpo
que não carpe não planta não colhe
sem atividade funcional funciona
apenas para comer imposição de viver
ingerir beber se alimentar excretar
fazer a roda viva do chico girar
pelo celular as minhas velhas canções
algumas parece que ouço pela primeira vez
porque o mundo é outro ainda sendo o mesmo
cíclico atemporal o tempo é rei de gil guru
“não me iludo tudo permanecerá
do jeito que tem sido
transcorrendo transformando
tempo e espaço navegando
todos os sentidos”
quantificando a física enquanto tento
qualificar a minha expressão física de estar
a minha curiosidade em continuar viver
pode se confundir com medo
mas não a curiosidade é a mesma em fenecer
dois dias antes “descobri” que a vacina faz mal à saúde
um companheiro de trabalho me “informou”
palavra de seu pastor como não acreditar?
crê que a ciência que desenvolveu seu instrumento de trabalho
é a mesma que mata em doses e contradições
algumas entre tantas como discernir?
qual o grau de claridade clarividência clareza
que nos faz ter certeza de sua certidão?
pobre rebanho sem rumo
caminho pelo caminho calçado que contorna
uma árvore se fosse direto feriria a grama
o caminho reto nem sempre é o correto
retorno depois de fazer o corpo suar
havia prometido a mim
doar para uma preta senhora magérrima
em situação de rua ela e seus cães
residentes da marquise
da loja de pets hoje fechada quando abre
desloca seus trapos e restos de um lado
para o outro da avenida
dorme sob chuva sol nuvens lua e estrelas
sem porta janela muro teto
livre
enquanto nos cercamos de medidas protetivas
não a encontro somente seus companheiros de quatro patas
doam companhia à sua solidão
proteção ao entulho que ela venderá
volto para a casa almoço
a imagem da senhora dando restos de comida
para as criaturas irmãs de sua confraternidade
me invade me devasta
volto pelas ruas passeio por minha consciência
quão são reais nossas existências?
eu a encontro sentada entre os seus
me aproximo de seu olho esquerdo esbranquiçado
estendo a mão envergonhado
ofereço uma nota de cinquenta reais
aceita por favor?
como a pedir alivia minha dor?
sorri um sorriso choroso de idade indeterminada
nossa! obrigado moço!
devo ser tão velho quanto ela
fujo da minha emoção
aceno sem olhar para trás.
entre um segundo e outro há um espaço transitório
um micro momento de tempo suspenso
um nada entre pontos decorrentes
um elo vazio que formam correntes
onde impera o silêncio absoluto e sombrio
um corpo sem sol sem sombra
escuridão na luz feito mancha na estrela
espaço sem peso que existe sem existir
passado presente e futuro
que acontecem no mesmo passo
trôpego despegado de ato e ação consequência
sequência inconsequente espera dança suspensa
a incerteza do abismo na planície
cismo na crosta terrestre
uma pausa em que há possibilidade de tudo
nunca se realizar uma noite sem mestre
sem dor amor cansaço prazer emoção
até o próximo marco paradoxo que é viver.
Foto por Pixabay em Pexels.com
Participam os autores:
Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Roseli Pedroso
Garoto, há um pouco mais de 50 anos, íamos pela principal avenida da Vila Nova Cachoeirinha — Deputado Emílio Carlos — em direção à Barra Funda, onde eu estudava na Canuto do Val e meus irmãos, ainda antes dos 6 anos, ficavam no Parque Infantil Mário de Andrade. Depois, eu também era levado para o Mário de Andrade e lá passava o resto do dia, até nossa mãe vir nos buscar depois do trabalho. Projeto educacional dos Anos 30 implementado pelo mesmo Mario de Andrade que o nomeia, o então Secretário da Educação acreditava num ensino abrangente em tempo e profundidade — alfabetização, teatro, música, artes plásticas, esportes e jogos-brincadeiras.
Na ida e na volta, passávamos pelo Monkey’s Motel e curioso como sou até hoje, minha mãe não sabia o que responder quando lhe perguntava o que representava os três macaquinhos e o que era aquele lugar com uma entrada tão atraente, uma espécie de boca de caverna pela qual se adentrava em um mundo novo e divertido. Então, a nossa região era isolada e o asfalto era raro, exceção feita a da “Deputado” desde o Largo do Japonês. Quase à mesma época, começou a construção do Hospital Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, com uma concepção futurista para a época. A distância dos dois estabelecimentos não era grande, cerca de trezentos metros. A região parecia progredir. O antigo estábulo no Largo deu lugar a uma construção que abrigou mais tarde um banco e o asfalto começava a chegar a algumas ruas abaixo, incluindo a minha. Nessa época, vivia dias de emoção descendo com carrinhos de rolimã por ela desde a atual Avenida Ministro Lins de Barros. Apesar do perigo das quedas, que não eram poucas, havia mais segurança, já que circulavam poucos carros e as carroças em maior número eram lentas. Como dado adicional para comprovar que a vida era outra, as entregas de leite, frutas, legumes e verduras eram feitas antes da abertura dos estabelecimentos comerciais, mas ninguém tocava nos produtos.
Por meu turno, continuava com a minha ingenuidade à flor da pele. Porém, cheguei à adolescência sabendo do que se tratava um motel (da maneira que é utilizada essa denominação no Brasil) — um lugar de encontros sexuais. Ficava imaginando a razão das pessoas irem a esse estabelecimento a não ser pelo fato de encontrar condições mais favoráveis do que teriam em casa. Até que a “revelação” de que ali não somente pessoas com “laços oficiais” praticavam o sexo. Normalmente, com a aparência de algo proibido, de fato, a grandíssima maioria que frequentava o Monkey’s não eram casados, a não ser com outras pessoas. Se consideram que a minha inocência fosse incomensurável, concordo. Tinha uma visão romântica da vida e o meu senso do certo e do errado era totalmente irreal. Mais tarde, entendi o que os três macaquinhos queriam demonstrar: que ali, quem entrasse, teria a sua intimidade preservada — nada seria visto, ouvido ou dito — sobre os encontros que testemunhassem.
No entanto, na tradição da sabedoria budista, os três macaquinhos representam características comportamentais exemplares que nos levariam à elevação de caráter. Iwazaru, o que tapa a boca, significaria “não falar o mal”. O que cobre os olhos, Mizaru, expressaria: “não ver o mal”. E Kikazaru, o que tapa os ouvidos, revelaria que deveríamos “não ouvir o mal”. Que nossa boca jamais fale o que possa prejudicar os outros. Que meus olhos nunca vejam nada além das boas intenções. Que jamais possamos dar ouvidos ao que atente contra a nobreza espiritual. De uma forma um tanto enviesada, mas totalmente afeita às características sociais de nossa civilização, os macaquinhos se prestam às nossas contradições, carregadas de regras religiosas e normas de conduta morais que engessam a manifestação da liberdade da pulsão mais poderosa que carregamos — a sexual ou libido — enquanto quase que diariamente é estimulada a pulsão agressiva em nossas atividades formais para “vencermos na vida”. O outro, em vez de ser a possibilidade de um encontro amoroso, é considerado um inimigo em potencial.
Essa característica de algo que passeia por nossas questões psicológicas, desejos e fantasias, se estendem a nomes de vários motéis: Álibi, Obsessão, Delírio’s, Êxtase, Frenesi, Romance, Éden, Feitiço, Fuego, Secreto Amor, Sigilus, Paixão, Sonhos, C Q Sabe, Devaneio, Libidus, Paraíso, Sedução, Nirvana, Planeta Sex, Swing, Posições, Yes Bumbum. De fato, quem vai a um motel dificilmente será para fazer outra coisa que não seja a prática de sexo. As modalidades variam, o número de participantes, assim como os gêneros envolvidos. O motel é um local de celebração da vida. Para corroborar o quanto se identificava com a cidade, nos últimos anos, um mural homenageava monumentos paulistanos. No Monkey’s, eu nunca fui e nunca irei. O imóvel está sendo demolido. Em seu lugar, surgirá um condomínio residencial. Com o tempo, o local que ficava num ponto afastado da cidade, tornou-se cercado de farmácias, supermercados, um outro condomínio, residências de bairro. Foi perdida a sua natureza reclusa. Ficará em minha memória o encantamento infantil com os macaquinhos, a estranheza adolescente da descoberta de seu caráter proibido e sua posição social de atividade adulta.