13 / 04 / 2025 / BEDA / Em Busca Da Fantasia*

CADA UM LUTA PELO QUE LHE FALTA

Desde garoto, fantasiava. Em determinado momento, comecei a colocar esses arroubos excessivos da imaginação em papeis amarrotados com tocos de lápis e canetas usadas. Nas redações escolares, as minhas professoras-leitoras me incentivavam a continuar a escrever. Mas cria que fossem incentivos costumeiros. Fora as tarefas, escrevia por compulsão ou necessidade textos que não mostrava a ninguém. O meu primeiro ouvinte foi o meu irmão, para quem lia histórias aventureiras que abusava de seres excêntricos, recheados de sustos e finais inesperados. Ele adorava. Cem por cento de aprovação.

Aos 14 anos, comecei a ousar mostrar para outras pessoas o que criava e obtinha certa aceitação. No Segundo Grau — o antigo Colegial — em outra realidade de relações, ficava a poetizar a minha vivência, impulsionada pela imersão na religiosidade. Era comum eu versar sobre a luta entre o desejo sexual e a contestação de sua expressão. O casto experimentava fantasiar sobre o sexo, ao mesmo tempo que se sentia um transgressor que desrespeitava regras autoimpostas. O devaneio com requintes de extravagância transformava tudo em ficção, a realidade adivinhada pela imaginação. Conseguia, talvez por isso mesmo, alcançar a verdade circunstancial do momento, em lúcida loucura. O que constatei ao ler alguns desses escritos depois de algum tempo, já experiente. Eu me sentia como que encantado.

Compreendi que o que poderia chamar de instinto estrutural me dava ferramentas para que a fantasia ficasse bem perto da veracidade dos fatos. Os escritos internamente obedeciam a uma lógica de tal maneira que dificilmente deixava pontas soltas. Embriagado de ficção, me descuidei. Professava a empáfia dos autossuficientes e a realidade dos homens aproveitou a minha distração para me socar na boca do estômago. Fui a nocaute. Permaneci na lona, beijando a morte por alguns anos. Quando me levantei, o sonho parecia ter acabado. Ou se apartado de mim e atravessado uma porta que se fechou. Comecei a desejar reencontrar a capacidade de sonhar feito um poeta doido que perdeu seu amor pelo caminho. 

Sinto falta de fantasia. Uma espécie de senso para o fantástico que se diluiu na nebulosidade dos tempos que envelheceu a mão, endureceu as articulações e empoeirou a eloquência da minha fala. Falhei. E falho a todo instante que deixo de crer na ilusão. Grávido da realidade dos homens, sangro a parir nulidades. Luto para reaver o deslumbrante movimento de estar incompleto em saberes e existir pleno de intuições. Quanto mais me abstenho de sonhar, mais eu me sinto longe da verdade pessoal. Cresci inversamente, para baixo, abismado, enquanto caía. Não acredito em esperança e o presente é como se fosse um limbo. Seco. Se antes fosse úmido feito a vulva da Quimera…   

*Texto participante do Coletivo CADA UM LUTA PELO QUE LHE FALTA, pela Scenarium Livros Artesanais

DUMDUM*

DUMDUM

Encontrei este elefantinho atrás do palco, no local onde estava trabalhando. Perguntei como ele estava. Respondeu que estava bem. Que, apesar de se sentir meio abandonado naquele canto, pelo menos estava de frente para a porta, onde podia ver o movimento.

 — Você parece triste… Aliás, como se chama?

 — Eu me chamo Dumdum! Eu não sou triste! Apenas fui feito com esta feição tristonha…

 — Perdão! Vivo a cometer esse erro! Sei que não devo me fiar na aparência externa de ninguém!  

— Não tem problema! Já fico feliz em você ter parado um instante do seu trabalho para me dar atenção.

— Dizem que esse é um dos meus problemas… que sou disperso… mas, enfim…  

— Eu acho que é um dom…  

— Obrigado! É muita gentileza de sua parte. De vez em quando, todos nós precisamos de um elogio. Falando nisso, ao prestar mais atenção, se percebe que há algo especial em você…  

— Eu sei que sou especial! O artista plástico que me moldou, mesmo eu sendo uma obra simples, me imaginou um elefantinho do bem. Cada tira de papel que ele colocou, a cada camada que me estruturou, ele o fez com amor. Sou resultado de amor e arte. Esta feição que me estampa não sou eu… Nasci feliz!

Quase com inveja do Dumdum, passei a mão em sua tromba empoeirada e me despedi. Continuei a minha lida. Logo depois, ele foi retirado dali. Deve jazer feliz em algum reino encantado, ainda que na escuridão de um depósito…

Texto de 2015*