
Aline Bei escreve como uma mulher. Mulheres como Raquel de Queiroz, Virgínia Woolf, Cecília Meirelles, Lígia Fagundes Telles, Jane Austen, Anaïs Nin, Wislawa Szyborska, Clarice Lispector, Agatha Christie…
Convidado, como a todos os seus leitores, para dançar com ela a Pequena Coreografia do Adeus, foi difícil ao final do bailado dar o último passo. Seria fácil e até prazeroso percorrer todas as páginas de uma só vez, como se fosse um reencontro saudoso e desesperado a se consumar em duas horas. Preferi dançar em quatro atos, em dias diferentes, manhãs silenciosas, ensolaradas e frias deste inverno.
Foi a melhor opção. A contradança de Júlia foi se tornando cada vez mais intricada, num crescendo. Em evoluções solidárias às dores e a solidão dos progenitores — herança de família — encontrei interdependência de percursos como filho, pai, marido e esposa por histórias vividas, próximas, conhecidas. A cada tempo, pedia para respirar.
Na Coreografia…, a poesia é pulsante, inverossímil em sua singeleza, forte. O passo trôpego é belo e preciso.
“em casa
minha mãe arrastava as suas dores como Manto
ao mesmo tempo que marchava
seu velho soldado…”.
Vemos o Balé surgir como uma possibilidade de expressão para a menina irascível. A bailarina de traje azul jogou seu desespero nesse projeto e colheu o resultado que lhe cabia como presença física. Queria
“provar
com movimentos rítmicos
que sou forte
eu queria entregar
na dança
o medo medo
que sinto…”.
Quando conseguiu deixar a casa que a oprimia — extensão da dominação de sua mãe — ganhou asas que se recolhiam quando a visitava.
“beijo
a sua testa
fecho
o portão e
antes de acelerar o passo
dou uma última olhada
para aquele lugar que
mesmo não sendo mais o meu
e quando foi?
ainda é
a imagem que me vem à mente
toda a vez que escuto ou digo a palavra casa”.
A moça de “corpo inexpressivo” vem a concentrar a sua expressão no diário que escreve, o que acende o desejo de se tornar escritora. Começo a torcer para que esse projeto se concretize. Outro paralelo entre as vivências da personagem e mim. Assim como lidar com o público, trabalhar num Café, campo de observação para as diversas coreografias de presenças e ausências na sua escrita. O surgimento de figuras de mães — Cíntia, Argentina — dá o exato diapasão de relacionamento corrosivo e status de partner principal a dona Vera. Enquanto Sérgio, seu pai, faz o elemento de conexão e hiato. E, sem querer-saber, o de melhor exemplo à filha.
Quem já dançou com Aline Bei tem consciência que em seus passos a vida tem sempre razão. Não há ensaios que nos prepare. A improvisação a la Isadora Duncan, os movimentos circulares de aproximação e distanciamentos são marcações feitas em clima de expectativa, suspense ou estado em suspensão. Ou êxtase. Se houvesse uma música que pontuasse a Pequena Coreografia do Adeus seria um Blues, porém o tema de Eu E A Brisa cairia à perfeição, no desejo-sensação de que o “inesperado faça uma surpresa”.
E como não deixar escapar um sorriso amargo quando a coreógrafa une os Terra — Sérgio, Vera e Júlia — num dramático beijo?
Aplausos!