12 / 05 / 2025 / Um Menino*

Conheci um menino que, por volta dos oito ou nove anos, recebeu a informação, por coleguinhas mais velhos, que a maneira mais comum de fazer amor com uma mulher, seria frente a frente. A principal preocupação do menino passou a consistir no fato de que teria que fazer algo tão íntimo olhando nos olhos da pessoa que viesse a namorar.

Aquela possível futura situação realmente o deixou estarrecido. Percebeu que não teria condições psicológicas de realizar aquela proeza. Seria tão fácil, pensou, se fosse apenas como os cachorros fazem, que era o modo que conhecia, pelo que via nas ruas…

Aliás, olhar nos olhos de outra pessoa era a coisa mais difícil de sua vida. Como igualmente enrubescia com a ideia de que alguém estivesse o observando. Tentou sempre ficar nos fundos ou nos cantos das salas de aula que frequentou. Essa atitude o favoreceu como um observador dos movimentos humanos e passou a sentir prazer em desenvolver esse talento materializando-o no papel. Tentava passar despercebido de todos, mas cedo percebeu que algumas de suas habilidades, passava a posicioná-lo no centro das atenções. Logo, passou a disfarçá-las, para melhor se esconder.

Lidar com as meninas, então, era o pior dos mundos. Elas o fascinavam ao mesmo tempo em que o deixavam paralisado. Gostava tanto delas, que preferia colocá-las na segurança de um pedestal, idealizadas como modelos de perfeição. O menino lembrou-se de quando começou a se apaixonar, à mesma época da descoberta sobre o intercurso frontal entre as espécies.

Primeiro, se apaixonou pela menina mais bonita da escola, depois pela mais desengonçada que, no entanto, gostava de seu melhor amigo. Aliviado por não ser o alvo daquela paixão, serviu alegremente de pombo-correio entre os dois. Mais um pouco, percebia que dava preferência às meninas comprometidas. Isso, o impedia de vir a querer se aproximar delas com intenções amorosas, já que seguia a rígida etiqueta da amizade entre os homens – “poderá até cobiçar a namoradinha do próximo, mas nunca deverá convidá-la para sair”.

No decorrer dos anos, o menino que conheci conseguiu, paulatinamente, mas com muito esforço e sofrimento, superar a sua mórbida timidez. Casou, teve filhas, mas apesar disso, nunca chegou a entender inteiramente as mulheres, mesmo as tendo constantemente por perto. Ou até por isso mesmo… Em suma, elas continuavam a fasciná-lo enormemente.

Se ele me pedisse um aconselhamento e se ele não estivesse tão longe no tempo, pediria covardemente que nunca se aproximasse das meninas, nunca se envolvesse emocionalmente, nunca se apaixonasse completamente por elas. Porém, advertiria também que ele perderia o melhor da viagem. Os altos e baixos do relevo, as curvas perigosas da estrada e a paisagem sempre inesperada. Diria ainda que podemos morrer por elas, no entanto é por elas que devemos viver.

*Texto de 2020

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Caixa De Fotos

Retirei da minha Caixa De Fotos, registros com os companheiros da espécie Canis, tão especiais que não sabemos se seríamos como somos se não fizessem parte de nossa história. O que sei é que somos melhores por eles e com eles.

2024

Bethânia é daquelas que quando está dentro, quer sair. E quando está fora, quer entrar. Atenta a tudo ao seu redor, orelhas levantadas para captar sons para nós inaudíveis; olhos em direção ao objeto de interesse, ela gosta de latir para o mundo, por puro gosto e direito de expressão.

2023

Lolla Maria é tão pequena quanto possessiva, ela inteira. Sobrevivente de percalços que apenas supomos, antes de seu encontro com a Família Ortega, quando a sua mãe tem que se ausentar, já procura quem estiver em casa para se aproximar e alcançar recompensas.

2022

Bambino, meu neto, vivia entre mulheres que não perdiam a oportunidade de acarinhá-lo a todo momento. Quando estava comigo, não queria outra coisa senão cafunés e passa mãos.

2013

Esse amor chama-se também Penélope. Enquanto esteve fisicamente presente, só despertou os melhores sentimentos em todos os seres que a rodearam. Como uma estrela, em torno de si agregava amigos-planetas. Não sei quando deixou de estar entre nós, porque nunca percebemos que nos deixou.

2012

Essa é Dominique. Ela entendia o que eu falava e tinha como principal talento responder com os olhos. Expressivos e belos, quando chegou a nós, estava sem metade dos pelos, pintava de verde, para a diversão de brutos. É outro ser especial que fez nossa existência mais rica.

Eu E Os Bichos

Jojo Todynho em sua teia

Dia de intensa chuva, ao sair para rua, vi junto ao muro um rato correndo em minha direção. Passou por debaixo do portão e subiu em uma pedra de granito junto à entrada. Fez menção de continuar seu trajeto para dentro da garagem e o impedi com o meu pé. Falei para o bicho:

Descansa um pouco, mas nem pense em entrar. As cachorras vão lhe atacar!

Antes que terminasse de argumentar, a Dominic surgiu como um azougue e abocanhou o pobre rato! Ainda que ela o largasse quase imediatamente alertada por meu grito, logo deixou de se mexer.

Em outra ocasião, após mais um dia de chuva, a porta da sala estava aberta e vi uma barata caminhando lentamente do quintal para dentro. Enquanto escrevia, reparei que ela estava naquele estado em que a energia que movimentava as suas patinhas se esvaia. Tempo de morrer. Tivessem as cachorras acordadas, ela já teria sofrido um ataque. Baratinada, buscava um cantinho para terminar seus dias. Eu apenas a afastei de volta para o quintal e não voltou a entrar.

Vez ou outra, em situações limites, espalmo pernilongos mais atrevidos, mas na grande maioria das vezes, ligo o ventilador para que não tenham equilíbrio no voo, além de esfriar o ar em meu entorno, condições das quais o inseto não gosta. As minhas filhas preferem usar inseticidas e repelentes na pele.  Tanto em relação aos pernilongos, quanto às baratas, elas não gostam que eu aja dessa forma. Respondo:

– Meninas, sou franciscano!

Certa vez, varria o quintal e uma conversa entre mim e um marimbondo moribundo, gerou um conto. Na verdade, era Deus, em uma de suas incursões pelo mundo material. Falou comigo porque o respeitei. Ainda que chame de conto, o diálogo interno realmente ocorreu. 

O meu ano começou com outra conversa. Dessa vez, com formigas. Estava terminando de carregar o equipamento do Réveillon realizado num hotel em Águas de Lindóia quando fui recolher doces que havia separado e pretendia levar para o pessoal de casa. As atentas formiguinhas estavam rodeando os invólucros dos objetos de desejo de ambas as espécies. Logo que as coloquei num saco plástico, longe do alcance dos insetos. Imediatamente, o sentimento de culpa me assomou. Pedi para que elas esperassem e fui buscar possíveis restos na mesa de doces.

Tive sorte e encontrei restos deixados por humanos. Algumas pessoas abocanharam metades dos doces e os deixaram espalhados. Levei uns três pedaços que achei suficientes para alimentar o formigueiro inteiro. Nem podia imaginar onde se localizaria a colônia, assim como não sabemos de onde surgem as formigas que habitam as nossas casas. Enfim, terminado de carregar o equipamento, fui me certificar que as bonitinhas estivessem fazendo o bom trabalho de carregar pedacinhos para a turma. Satisfeito, voltei para São Paulo pensando o quanto devo parecer fora de órbita, a ponto de relutar em escrever este texto.

Esse comportamento desenvolvo desde pequeno. Minhas paredes eram habitadas por lagartixas, bichinhos que admirava. Desenvolvi, durante um tempinho, um relacionamento de confiança com uma aranha-pega-moscas. Muito inteligentes, em vez de caçarem com teia, essas aranhas saltadoras têm uma excelente memória e detectam as suas presas com a sua excelente visão. Normalmente precavidas contra movimentos bruscos, aquele bichinho em especial confiava em mim.

Conheci várias outras, desde as de abdomens mais desenvolvidos até as de patinhas mais longas. Fascinados por artrópodes, pensei até fazer o curso de Zoologia, mas como as plantas também eram atraentes por considerá-las seres (de funções) superiores, sonhei em ter um sítio para a produção de alimentos naturais, aos 14 ou 15 anos. Um livro ampliou para além da suposição a minha impressão em relação aos seres do Reino Vegetal  ̶  A Vida Secreta Das Plantas. Com esse estudo, percebi que toda a vida na Terra estava interligada. Através de GaiaMãe-Terra – os seres viventes são potencializados pela energia material, abrigo da anímica.

Ainda sobre as aranhas, mais recentemente, tivemos uma moradora de tamanho mais avantajado – a Waleska. A visão que ela tinha do crepúsculo era a mesma que eu buscava e compartilhamos vários momentos e ideias. Viveu alguns meses na varanda e desapareceu sem deixar vestígios. Mais recentemente, surgiu uma outra, em uma área mais abrigada, a qual as meninas batizaram de Jojo Todynho. Está conosco há alguns meses e parece ter feito um lar em que comida não falta e seus descendentes podem prosperar. Se bem que o equilíbrio natural impedirá que cresçam em número.  

Consciente de minha excentricidade, não posso deixar de agir como penso a existência. Somos apenas uma das espécies que vivem neste planeta. Não somos os seus únicos senhores. A Natureza parece estar mostrando que nossas ações negligentes acarretam sérias consequências, podendo nos levar à extinção. Muito cedo para nós. Muito tarde para vários de nossos companheiros de jornada de outras espécies, extintas por nós…

O Ovo

Ontem, varria o quintal quando vi restos de um ovinho de lagartixa, bichinho que admiro muito. Fiquei feliz com os passinhos imaginados do Hemidactylus mabouia recém-nascido por nosso quintal, espaço que considero um abrigo da vida, incluindo plantas, pássaros visitantes, aranhas, borboletas e outros insetos. Eu sempre fui fascinado por Ciências e quando criança acreditava que as simpáticas lagartinhas que subiam pelas minhas paredes eram descendentes diretas dos dinossauros. Eu era fascinado pela Origem das Espécies, de Darwin, e as via como representantes ao alcance dos olhos da seleção natural e adaptação dos seres que pululam pelos continentes e oceanos.

Criador de galinhas e amante dos pássaros, principalmente pela capacidade de voar, sonho de todos nós, nunca havia imaginado que esses seres fossem resultado da adaptação daqueles que dominaram o planeta por 160 milhões de anos. O termo “evolução” visto no sentido de aprimoramento é demonstrado cabalmente quando percebemos que o necessário foi feito para que as antigas espécies que aqui viviam, se adaptassem para aproveitar os recursos disponíveis. Se estivessem ainda caminhando entre nós, não teriam chance de continuarem ativos. Um meteoro os aniquilou em pouco tempo, a nossa espécie o faria não tão rapidamente, mas assim como faz com as que se adaptaram às circunstâncias terríveis do clima instável que resultou do choque, certamente ocuparia seus habitats, os matando.

Somos como um meteoro. Nós estamos aqui há apenas 200 mil anos. A força do impacto de nossa presença é equivalente a de um corpo imenso vindo do espaço que colidiu neste planeta de 4 bilhões e meio de anos. Em pouco tempo, extinguimos diversas espécies de plantas e de animais, devastando grandes áreas em terra e no mar. Supostamente desenvolvemos um cérebro com imensa capacidade cognitiva. Contudo, a nossa inteligência parece estar voltada para uma sanha conscientemente destrutiva. Se não for precipitado por algum acidente, deverei morrer até a chegada de meados deste século. E sinto que não verei a nossa espécie evoluir para a cultura de preservação da vida pela simples percepção de sua vital importância para a nossa própria preservação.  

Recentemente, chegaram a mim Elton John e as três Kardashians galo e galinhas garnisés proporcionando uma viagem na minha história pessoal. Diferente de 50 anos antes, desde há muito sei que são descendentes dos colossais animais que caminharam pelo chão no qual pisamos. Eu os vejo não apenas com o respeito que sempre dei a todos os seres, franciscano que sou, mas também por sua história antiga, apesar da conformação recente em termos de características morfológicas. Mesmo porque a adaptação das espécies ao meio é constante. Um pouco mais tarde, li a notícia da descoberta do ovo que abrigou “Baby Yingyang”, fóssil do embrião de um bebê dinossauro perfeitamente preservado. Pertencente ao grupo dos terópodes oviraptorídeos, parentes distantes das aves, a projeção em vídeo de sua existência me emocionou. Hoje, dia de #TBT, não vejo algo que mereça maior homenagem do que a lembrança de uma vida de 66 milhões de anos, ainda que não tenha chegado a eclodir em toda a sua potencialidade.

O bebê YingYang