Neste jogo de imagens que é a vida, o nosso corpo é apenas uma miragem que se desvanece entre outras… Todos os anos nos deparamos com as mesmas datas a se repetirem na folhinha, na agenda da bolsa, no calendário do celular, em marcas de nossa pele… Costumam variar os dias da semana, mais velhos, o Sol nos recebe cotidianamente. Os espelhos insistem nos mostrar diferentes versões de quem imaginamos ser… Que importa? Espelhos foram feitos para serem quebrados e nós, para sermos amados, ainda que não nos reconheçamos…
*Poema erigido de cacos de palavras ao longo dos anos 10 do terceiro milênio.
Em minha vida, vivi muitas vidas… E morri, outras tantas vezes… E não é incomum, mesmo tento a idade que tenho, viver todas as minhas idades ao mesmo tempo. Em muitas ocasiões, eu tenho que tomar cuidado para que o homem maduro não venha a retroagir cinquenta anos e se veja desamparado diante de algumas situações, como se novas fossem. Em contrapartida, acontecimentos que me surpreenderiam pelo ineditismo assumem feições de déjà-vu, como se ouvisse um disco arranhado.
Diante dessas sensações, o nome que assumo – Obdulio – carrega um traço em comum – a saudade – tanto do que passou, quanto de um futuro irrealizado. Entre o menino sorridente que brincava na praça e aquele que se vê no espelho, fotografado por um moderno aparelho de (in)comunicação, se passaram cinquenta anos pela face do homem. O corpo se modificou tantas vezes – cresceu, engordou, emagreceu, adoeceu – enfim, sofreu as intempéries físicas e mentais a que somos submetidos ao nos vestirmos de uma identidade humana.
Ainda que as alternativas não vividas prometessem múltiplas e promissoras perspectivas, eu me sinto muito bem com que se passou comigo. Seria injusto com quem compartilhou da minha vida (e comigo mesmo) que viesse a repudiar tudo o que vivi até hoje. Aprendi a estipular as minhas vivências como únicas e valorosas. O que sofri, sinto que foi para o meu bem.
Contudo, o sofrimento de quem amo me é mais pesado do que se acontecesse comigo. Assim como não me sinto totalmente feliz diante das duras provas pelas quais passam tantas pessoas em minha volta, no meu bairro, na minha cidade, país e planeta. Mesmo assim, me sinto grato pelo papel que assumi como se fosse uma dádiva oferecida a mim pelo Diretor que dirige este incrível espetáculo universal no qual todos nós nos apresentamos.
É comum ouvirmos notícias de descobertas de afrescos em paredes de ruínas nas cidades históricas da Europa, como Pompéia, por exemplo – “congelada” no tempo pelo fogo, cinza vulcânica e lava do Vesúvio – em 79 D.C. Nesses afrescos, temos provas figurativas da vida intensa da cidade, interrompida e, no entanto eternizada-petrificada para sempre. Se acontecesse uma hecatombe que paralisasse nossas cidades num átimo, que histórias poderiam ser contadas pelos arqueólogos do Futuro através de nossa arte urbana? Seria tão rica em significados quanto apresenta a cidade italiana? A vontade de fazer de arte, ainda que com função utilitária, é um dos mais fortes pendores humanos. A vida real não basta. Desejamos recriá-la de diversas formas. A “pulsão” pela expressão é uma das características que nos distingue das outras espécies animais. As pinturas rupestres de quase quarenta mil anos são provas cabais disso.
Estação Júlio Prestes
Eu acho incrível quando são criados espaços para expressões artísticas à partir de outros construídos para propósitos diferentes. Na imagem acima, à direita observa-se a torre da Estação Júlio Prestes, projetada para servir ao embarque e desembarque de passageiros de trens, em uma época que as estações ferroviárias equivaliam aos aeroportos atuais. Atualmente, boa parte do edifício é ocupado por uma maravilhosa estrutura para concertos de música clássica, com uma sala (São Paulo) que apresenta uma das melhores acústicas do mundo. Na imagem seguinte, a parede de um de seus grandes halls, que apresenta um belo vitral – arte à serviço do utilitário – a exprimir a sensibilidade de seres para os quais não basta a praticidade de deixar passar a claridade externa. Haverá sempre o desejo de requalificar a luz…
Cavalo Rampante
A imagem acima é a do Cavalo Rampante, escultura do artista italiano Pericle Fazzini. Doada pelo Governo Italiano em 1974, fica em frente ao Edifício Itália, cujo o nome oficial é Circolo Italiano. A própria edificação, de linhas circulares, é uma obra de arte arquitetônica. Situada na esquina da Avenida Ipiranga e São Luiz, diante da Praça da República, perto do Copan, compõe um conjunto arquitetônico simbólico do poder econômico de uma cidade que se projetava como a capital financeira do País no Pós-Guerra. Naquela ocasião, formavam o chamado Centro Novo, hoje conhecido como Centro Velho ou Centrão, a referendar o quanto esta cidade devora a si mesmo.
Linguagem dos espelhos
O centro da cidade foi se deslocando gradativamente para a região da Avenida Paulista, principalmente à partir dos Anos 70. Na antiga passarela de carroças puxadas a cavalo do início do Século XX, de grandes casarões pertencentes aos Barões de Café, depois demolidos, surgiram altas torres de aço e vidro, que tomaram conta do cenário. É comum esses edifícios se olharem frente a frente, dialogando em uma língua espelhar que transforma seu significado a cada olhar e posicionamento, tal qual na arte cinética.
Os Michaels
A arte urbana não se manifesta somente através das artes plásticas, mas também por meio de outras expressões – dança, música e teatro – em todas as horas do dia, principalmente aos finais de semana. São Paulo revela seus personagens-atores-bailarinos-cantores a cada esquina ou calçadão. O público passante homenageia os artistas doando seu tempo – o bem mais precioso do paulistano – que está sempre na correria desenfreada na busca de sua sobrevivência. A contrapartida em dinheiro será sempre vinda para aqueles que se expõem ao olhar crítico dos consumidores de cultura.
Trio de Forró
Na região do Limão, encontra-se um espaço destinado a shows e outras manifestações artísticas típicas do Nordeste – culinária, artesanato e música – bastante frequentado por parte da população bastante influente no crescimento de São Paulo, através de sua cultura e força de trabalho – o Centro de Tradições Nordestinas. Junto à entrada, foi erguido um conjunto de esculturas homenageando o artesanato típico nordestino, ao mesmo que se refere a formação típica do Trio de Forró – músicos com acordeão, zabumba e triângulo. Creio que a influência do povo nordestino seja pouco mencionada, mas é de suma importância de várias maneiras, principalmente no aspecto humano. São Paulo detém a maior população nordestina fora do Nordeste. Não duvide se descobrir que os melhores sushimen ou pizzaiolos sejam nordestinos, por exemplo.
Não sou de manhãs. Talvez, de manhas… e manias. Gosto das auroras assim como dos crepúsculos. Porém, os últimos, os tenho mais presentes porque minha atividade me obriga. Finda por ser minhas manhãs estradeiras, madrugadoras – antes de aparecer a luz do sol – lunares… Cores difusas, mescladas com as luzes artificiais – sonhos de olhos cansados.
Enfeites e buracos…
Por vezes, calha de eu acordar mais cedo. Quando isso acontece, geralmente não ponho a minha cara logo de cara para fora. Mas aconteceu algo diferente outro dia, em julho. Recém terminada a Copa, a Periferia amanhecia com a perda de mais uma ilusão. Tenho por mim que o povo já não se deixa levar mais pelo ufanismo provocado pelo futebol e outros acontecimentos. Mas, de vez em quando, se permitem brincar de realidade alternativa – alegria e despreocupação com o que há de vir. O porvir daquele dia amanheceu menos iludido, com enfeites dispersos aqui e ali, os mesmos que demoraram para serem colocados, por desconfiança. Quando começaram a acreditar, o sonho acabou, Manhã enfeitada de tristeza luminar…
Seres solares…
O Sol nasceu para todos. Nossos companheiros de jornada apenas percebem que a luz os aquece. Para o Sol, não lhes dão nome. Apenas sentem que aquela energia os acaricia como se fosse uma mão amiga, na passagem da escuridão para a claridade. Os humanos da cidade mal têm tempo de absorver essa força matinal. Apenas a rechaçam com suas proteções, se fecham em seus transportes para irem ao trabalho, ávidos para respirarem ar condicionado.
Amarelo invasor…
Algumas vezes, ainda que não queiramos, as manhãs invadem nossas janelas, feito ladrões do sono. Ainda que não queiramos acordar, certas intromissões são bem-vindas. Como nesta cena, em que os raios solares se assemelham a dedos querendo nos tocar. Banham galhos e folhas de luz no percurso em que desbravam vales, montanhas… Mas certos relevos são quase intransponíveis, principalmente quando a nossa visão está encerrada entre quatro paredes.
Cores refletidas…
Tem sido comum chegar em casa no começo da madrugada e partir poucas horas depois, para trabalhar. Surpresas acontecem e procuro estar atento, com os sentidos alertados. O jogo de espelhos da vida sempre se faz presente, principalmente em uma cidade como São Paulo. Metafórica ou concretamente. Já acompanhei o sol se repartir em prédios e carros. Certa vez, vi o Sol a ser carregado em um caminhão que levava vidros. Atualmente, um muro envidraçado acompanha e separa a reta do asfalto com a Raia Olímpica da USP. Ainda inconcluso, atacado por “vândalos ideológicos”, têm estampado em suas faces figuras de pássaros aprisionados eternamente em pleno voo. A intenção é impedir que pássaros reais colidam contra ele. Enquanto isso, o Sol nasce duas vezes por ali…
Cores renascidas…
Mais do que me permitir, eu me esforço por nunca perder o olhar pessoal sobre as coisas ao meu redor. Sinto que nunca é menos do que de espanto a expressão de meu olhar. A aurora é o momento de renascimento das cores, depois da noite pincelar telas escuras. Matizes de luz transpõem para as minhas pupilas bicolores as manhãs que se fazem tempo de reviver. Viajo para o centro do sistema solar e sinto o mundo orbitar em torno de mim. A comunhão não pode demorar muito. O espanto não deve ser permanente. Preciso sobreviver.