BEDA / Varrição

varrer o quintal
tarefa enfadonha?
para mim um ritual
faço com o prazer escatológico
de quem reúne estrelas na varrição
restos de galáxias que se chocam
em auto consumação apocalíptica
no chão jaz restos biológicos
vestígios da morte etapa da vida
renovada em movimentos necessários
imprecisos distantes de nosso controle
em meia hora passeio pela existência
presença passagem passageira
do feto à caveira num átimo
em reinícios etapas a cada passo
transfiro as folhagens para novo canteiro
reposição de matéria orgânica
imponho o ciclo natural do qual participamos
aceito…
a eternidade é um estado de espírito…

Texto de participante de BEDA: Blog Every Day August

Claudia Leonardi / Lunna Guedes / Mariana GouveiaRoseli Pedroso / Suzana Martins / Bob F

Homem-Calcinha*

“Sou um macho da espécie Homo sapiens. sou feliz sendo um macho, gosto de parecer másculo e amar como um homem. Está tristemente enganado quem acredita que o macho tem como prerrogativa oprimir a fêmea de sua espécie para se sentir funcional. E por me sentir tão bem e ciente da minha masculinidade, posso me dar ao prazer de cumprir tarefas que alguns não atribuiriam a um homem, como estender calcinhas no varal. Fiz isso hoje, antes de sair para trabalhar e, repentinamente, me senti muito bem, quase realizado… Tantos anos antes, quem as vestem atualmente, usavam fraldas…”.

Por outro lado, estou ciente que homens mal formados construíram essa estrutura que tanto mal causam não apenas às mulheres, como também aos próprios homens, ao criar barreiras ao acesso de ser um humano de maior amplitude. Sinto lágrimas vir aos olhos a cada feminicídeo que é noticiado. Pela dor de quem sofre e também por vergonha. Sim, choro por motivos graves e choro também pelas belezas delicadas que encontro pelo caminho. Sou um desgarrado dessa turba machista que insiste em perpetrar crimes hediondos em nome de uma distorção como a de acreditar que tem domínio legal e assegurado por antigas e anacrônicas escrituras sobre a mulher.

Sou daqueles que acredita no amor e em amar as diferenças. Não creio que a mulher pertença a um gênero oposto, mas complementar. Sabendo que são mais completas do que nós em todos os aspectos, menos naqueles em que prevalece a testosterona e a força física, compensada pela resistência de espírito.

Na verdade, só ganharemos se nos afeminarmos. Ganharemos em predicados como resiliência, olhar meticuloso, percepção aguçada, dedicação, competência e senso estético. Qual homem consegue, como muitas das mulheres o fazem, se desdobrarem em tantas atribuições como as que são designadas pela Sociedade Patriarcal a elas por “dever de nascença” e, apesar das barreiras, buscar em serem melhores pessoas? 

*Parágrafo de 2016

Perdão Pela Modernidade*

Neste texto pessoal, uma carta, mas que encarei como profissão de fé, baseado nas leituras que efetivei ao longo de anos, eu respondi ao meu pai – Odulio Ortega – acerca de uma postura parcial quanto à visão da História. Encalacrado em uma visão antiga da qual não conseguia se desviar, ele me acusou de dar voz aos seus adversários políticos, enquanto eu tentava colocar a minha posição quanto ao desenvolvimento dos fatos que então demonstravam, segundo eu pensava, o caminho errado que a Esquerda tomava à época, em 2012*. Havia percebido que o sentido adotado por ela resultaria no enfraquecimento das possibilidades de entendimento entre um ideário e outro, podendo causar, como veio a acontecer, na divisão do País. Sempre soube que sem cotejar visões antagônicas para o exercício político, não haveria futuro para a nossa precária Democracia, de alguma forma atacada de um lado e de outro na tentativa de impor como único. O meu afastamento crítico ainda assim não impediu que seis anos depois pudesse antever o mal causado pelo viés à Extrema Direita que veio afligir o Brasil nos últimos quatro anos. Apesar de no primeiro parágrafo eu ter citado a miscelânea messiânica que ele empregava ao se posicionar, eu igualmente escolhi estabelecer uma postura mais ligada à religiosidade, muito frequente em minhas manifestações pessoais.

“Permita-me inicialmente analisar a maneira como o senhor mistura sistemas de governo com ideários econômicos e religiões com crenças, considerando, inclusive, o estabelecimento de critérios absolutamente pessoais de percepção da realidade como fatos históricos estabelecidos em letras impressas de jornal, derrubando exaustivos estudos de historiadores, antropólogos, arqueólogos e estudiosos sociais que decretaram que os chamados autóctones aqui encontrados, na verdade massacraram os antigos moradores da terra, que por sua vez, chegaram do norte em ondas migratórias que atravessaram o estreito de Bering, que fica entre a Ásia e o Alaska, provavelmente por uma ponte de gelo criada na última era glacial.

O que isto quer dizer? Que nenhuma etnia pertence originalmente ao lugar em que vive, considerando retrospectivamente o tempo de uma forma mais extensa, contado não em dezenas ou centenas, mas em milhares de anos, olhado de uma maneira mais abrangente, como estabelece, aliás, a visão espírita, em que a vida se desdobra em papéis vivenciados em ciclos de “nascimento” e “morte”. Sempre é bom lembrar que nem mesmo Alan Kardec propôs algo original, já que a milhares de anos, o Hinduísmo contempla a existência em diversos planos. Assimilação.

A espécie humana é originária da África, fato determinado por pesquisas feitas com base no DNA mitocondrial, e de lá, avançou continente afora até a Ásia e a Europa, onde fatores ambientais moldaram exteriormente a sua estrutura física, adaptando-se aos requisitos necessários à sobrevivência ao meio. Além disso, considera-se que, como o Homo sapiens, o Homem de Neardenthal chegou a alcançar algum sucesso nesse intento, mas a nossa espécie acabou por suplantar a esta última como a mais apta e inteligente para prosseguir a jornada, a incorporando em eventuais cruzamentos ou até aniquilando-a. Adaptação.

O aumento da inteligência humana, propiciada pela capacidade plástica de nosso cérebro, supõe-se ter sido estimulada por consumo de proteína animal. Para isso, o homem passou a caçar os outros seres viventes que o cercavam, chegando a extinguir algumas espécies contemporâneas de então, como o Mastodonte. Consequentemente, se hoje em dia podemos escolher entre ser onívoro ou abster-se de não participar ativamente da cadeia alimentar, preferindo o Vegetarianismo, como eu optei em determinada época da minha vida, terá sido simplesmente porque construímos uma capacidade ímpar de julgarmos e escolhermos o melhor para nós, graças a um nosso antepassado ousar enfrentar e matar outros animais para comê-los. Assim, ampliamos a nossa quantidade de ligações neurais, possibilitando-nos o domínio sobre a Terra e de tudo que caminha sobre ela. Superação.

Civilizações se ergueram e se desmoronaram, da África à Europa, da Ásia ao Oriente Médio e até na América Pré-Colombiana, com Maias, Incas e Astecas, estas cruelmente especializadas em sacrifícios humanos oferecidos aos deuses. Quando os portugueses e espanhóis invadiram esta terra, aproveitaram-se das várias animosidades existentes entre as diversas tribos aqui estabelecidas, dominaram o território, mesmo sem a presença massiva de homens. Se a sociedade naturalista dos indígenas era assim tão evoluída, porque sucumbiu tão facilmente ao oferecimento de bugigangas e destilados? Se fosse moralmente assim tão capacitada, porque se ofereceu tão ingenuamente à imolação religiosa levada adiante por catequizadores supostamente bem intencionados e não o contrário? Ainda assim, os que sobreviveram á escravidão e às novas doenças, acabaram por adentrar pelo sertão ou acabaram por miscigenar-se aos invasores, formando um povo diferente, que viria a adotar pelos dois ou três séculos seguintes o Tupi-Guarani como língua usualmente empregada no dia a dia.  Acomodação.

Por essa perspectiva, eu creio que devemos aceitar que nós, seres humanos, sempre evoluímos entre os escombros de construções precárias e de corpos dados á sanha do conquistador de ocasião. Nossa aptidão deverá o de sempre buscar a luz no caminho, tentando fazer uma verdadeira revolução pessoal que nos fortaleça a ponto de resistirmos eticamente aos assaltos perpetrados pelo egoísmo e então chegarmos ao equilíbrio entre Corpo e Espírito. Revelação.

A chamada ‘Modernidade nome dado a um processo atual, portanto, é circunstancial. Foi moderno o homem sair da África rumo às outras terras para sobreviver; foi moderno o Homo sapiens sobrepujar ao Homem de Neardenthal, por sua adaptabilidade ao meio; foi moderno o surgimento de civilizações que dominaram a outras, bem como foi moderno as suas quedas; foi moderno o homem cruzar os oceanos e chegar às praias ensolaradas onde os seus habitantes não previram que ali estavam os seus algozes; sempre foi moderno o homem escravizar a outros homens; sempre foi moderno o homem explorar a força de trabalho de outros homens, em seu próprio benefício. Mas o que pode realmente ser chamado de suprema modernidade, acima de todas as coisas, em todos os tempos, e faz com que o homem transcenda a sua humanidade é o ato de perdoar a outro homem, apesar do suposto mal imposto a ele por seu próximo, e ainda assim amá-lo, apesar disso.

Perdão pela Modernidade.”

BEDA / Dia De Pais*

Meu pai e eu, em meu primeiro ano de vida…

Eu gosto de escrever, todos os meus acompanhantes mais próximos, o sabem. Sobre este domingo comemorativo, quis permanecer longe dessa voragem causada pela artificialidade de uma data instituída pelo mercado para alimentar o comércio. Manipular sentimentos é a melhor maneira que existe para estimular as compras de objetos que servirão para mostrar o quanto somos agradecidos a alguém de quem gostamos. No mínimo, muitas vezes, ajuda a amenizar a culpa que sentimos por alguma falta que cometemos a quem presenteamos.

No entanto (como eu gosto de utilizar conjunções adversativas!), existem datas que pegam fundo, como a do Dia das Mães ou a dos Pais. Essas datas acabam por expressar a ideia simples porém completa de início de tudo. Todos e qualquer ser de organização celular mais complexa e fecundação sexuada foi gerado por um pai e uma mãe. Espertamente, o próprio “Google” expressou isso de forma exemplar no seu “doodle” animado. Pegos assim de uma forma tão primária em nosso âmago, não há como deixarmos de expressar algum tipo de sentimento quanto a este dia. O meu (sentimento) é contraditório.

Tenho filhas maravilhosas que me realizam como pai, como ser gerador de vidas que fizeram, faz e, tenho certeza, ainda farão diferença na existência de quem tiver a sorte de encontrá-las. Eu as amo por isso e porque as amo independentemente de qualquer coisa. Quanto ao meu pai, a dubiedade se aplica de maneira exemplar. Ele é vivo, mas não o vejo há meses. Moramos perto, caminho por lugares que eventualmente ele passa, entretanto por mais que estejamos juntos, sempre haverá um distanciamento. Tenho pensado muito nele ultimamente, nos momentos que eu me lembro (não foram tantos assim) em que vivemos certa comunhão emocional, a maior parte de cunho aparentemente negativo.

Sinto que devido à idade avançada, ele não estará fisicamente muito mais tempo entre nós e tenho pensado em visitá-lo, ver como está. Talvez para protagonizarmos outra e possível última discussão. Frequentemente digo para alguns que o utilizo como um exemplo a não ser seguido, principalmente quanto a ser um pai presente. Se bem que a presença nem sempre seja indicativo de qualidade. Agradeço que ele, mesmo de maneira ambígua, tenha proporcionado subsídios para que eu e meus irmãos tenhamos casas onde morar. Contudo, filhos são exigentes e querem sempre mais.

Queria que ele não quisesse me ver como um mero apêndice de seus ideais e desejos, esquecendo-se que, apesar de filhos da carne, não somos compulsoriamente filhos do espírito. Que ele não visse que honrar pai e mãe seja pensar o mundo como ele pensa. Que a partir do momento que colocamos esses seres aos quais damos suporte – casa, comida, vestuário, escola, educação (algo diferente de escola) e amor (hipotético) – no mundo, ao mundo eles pertencem. Lugar comum, todavia verdadeiro. De qualquer forma, desejo ao meu pai que esteja bem consigo mesmo, já que foi essa a escolha que fez desde muito tempo. Para todos os pais que sabem qual é o valor da dádiva de ser pai, desejo que recebam todo o amor de seus filhos!

*Texto de 2015 – o Sr. Ortega faleceu em Fevereiro de 2018, sem resolvermos as nossas pendências. Ficou para as outras encarnações.

Participam do BEDA: Suzana Martins / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Darlene Regina

BEDA / Dama De Cinzas

Vem um dos homens e lhe ofende a natureza feminina
Silenciosamente rouba-lhe a inocência de menina
Determinado e consciente impõem-lhe a boca calada
Que quando balbucia a verdade é de pronto velada
Sofre a exclusão familiar e ainda a pecha que espezinha
De ser além de uma pequena mulher, uma mulherzinha
O decreto que apequena a moça a conduz ao descaminho
Tenta encontrar na química a sua recompensa, o carinho
Nos corpos alheios busca confirmar a dúbia fama
E passa a acreditar nos créditos de cinzenta dama
Mas como um anjo caído, sabe que pode alçar voo maior
Acima do rés do chão, além do horizonte de novo alvor
Subjuga o ódio que poderia sentir pelos machos da espécie
E ainda consegue amá-los e achar graça além da efígie
Prova-se emancipada em carne, osso, mente e espírito
Escreve a cada momento a sua história rumo ao infinito
Une-se a nós e expande o seu ser de boa influência
Confessa-se imperfeita, ainda que seja uma dama de excelência.

Foto por Jill Wellington em Pexels.com

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Suzana Martins / Darlene Regina / Roseli Pedroso