07 / 11 / 2025 / Bologvember / Um Dia Se Despiu…

… para o sol e foi feliz!

sim
porque o sol é a razão da vida existir no planeta
e acredita o ser humano que seja singular no incomensurável universo
o único inteligente até mesmo na terra
e nisso erra
esquece de bichos que são sencientes de outra
maneira
que conseguem conviver com as forças naturais
que se adaptam até com as agressões daquele que está no topo
da cadeia alimentar que destrói em nome do poder
que detém o bicho homem a conceder
quem vive e quem morre
é tão triste o que ocorre
esse egocentrismo destempero desespero
por ser tão diminuto
sabendo que na eternidade vive apenas um minuto
que nos tempos estelares não passa de poeira cósmica
e que no grande teatro da metagaláxia
não passa de uma tragédia cômica…

Participação: Lunna Guedes / Mariana Gouveia



06 / 01 / 2025 / Projeto Fotográfico 6 On 6 / Meus Melhores Momentos

Retrospectiva de trás para frente, ontem, a Fernandinha Torres recebeu um Globo de Ouro por “Eu Ainda Estou Aqui“, filme ao qual assisti no final de 2024, assim como em 1971. Na cena em que os meganhas da Repressão invadem a casa de Eunice Paiva, revi os mesmos sujeitos que entraram porta adentro da nossa casa, muito simples, em busca de provas do envolvimento de meu pai com terroristas. Dois deles o seguravam, um terceiro realizava uma busca. Nada foi encontrado. Fico imaginando o que deve ter acontecido em sua volta às celas do DOI-CODI. Lívia, minha filha mais nova, sentada ao meu lado no cinema, percebeu o aumento dos meus batimentos cardíacos e quando comecei a hiperventilar na cena em que um deles fechou as cortinas. Eu estava lá…

A atuação de Fernanda como Eunice foi bem diferente do que a minha mãe teve. Ela era uma mulher em que a emoção aflorava à pele por qualquer motivo. Eu havia cruzado com Eunice quando Eva Wilma a interpretou em “Feliz Ano Velho“, também baseado em livro de Marcelo Rubens Paiva, filme no qual fiz figuração, em 1986. A história de Eunice e da família Paiva, da Dona Madalena e da nossa família, de tantas outras mães, irmãs, esposas, familiares e amigos ocorreu e até hoje repercute na memória de quem a viveu, não sem algumas lágrimas que brotam intrusas no meio do vazio…

Esta foto mostra alguns componentes do grupo que participa de um dos cursos ministrado por Lunna Guedes, da Scenarium Livros Artesanais. Além de mim, do meu lado está Flávia Côrtes (Farfalla); acima, Roseli Pedroso, do lado dela, Antônia Damásio; acima dela, Lunna Guedes e ao seu lado esquerdo, Isabel Rupaud (Isabeau). Também participam Rozana Gastaldi, Nirlei de Oliveira, Heloisa Helena (HH) e, pontualmente, outras figuras. São pessoas que vibram no sentido da busca do aprimoramento da escrita pessoal, individualmente e no esforço de criação coletiva em algumas das propostas de lançamentos do selo Scenarium. Quando nos reunimos, sinto participar de um conjunto de pessoas que sintonizam a mesma frequência. Alguns dos encontros fizeram muitos dos bons momentos que vivi em 2024.

Algumas das melhores horas que vivo em meus dias têm a participação dos meu companheiros cães, seres também da família. Três deles aparecem nesta imagem — Alexandre, Bethânia e Arya. Todos foram resgatados, incluindo os outros três que não estão na imagem. Além do Bambino, meu neto, em visitas itinerantes, moram conosco minha outra neta, Lolla, Nego Véio e Dominic, a mais veterana. Com eles, aprendo sobre paciência, alegria pueril, humildade e amor.

É comum acontecer de encontrar o Sol nascente a pontuar no horizonte após o meu trabalho que é realizado mormente à noite. A Lua passeia por nossas noites muito mais vezes, mas é comum serem atrapalhadas pelo brilho das luzes da cidade. Em viagens por cidades próximas, a estrada oferece horizontes mais amplos, em cenários que me revigoram ainda que cansado da labuta. Quando tudo dá certo, aproveito para relaxar os olhos da balbúrdia urbana.

A imagem que coloco aqui parece muito com a de cima, não? Bem, a diferença é que foi produzida em um entardecer na minha Periferia. A luz solar tem esse poder de pintar de beleza os eventuais defeitos no perfil irregular das residências, colorindo de amarelo resplandecente onde toca. Fico muitas vezes a observar o crepúsculo até a Terra continuar o seu caminho pelo espaço e a girar sobre o seu eixo, em uma ininterrupta dança astral.

Esta imagem foi produzida hoje. É demonstrativa de momentos muito gostosos em que passo nesse perímetro que fica na parte da frente de casa. A Tânia costuma utilizar essa área também para o plantio de flores e outras plantas artesanais. Ali, temos dois tipos de bananeiras — a nanica e a prata –, mamoeiros, ora-pro-nóbis, ameixeira, limoeiro e um abacateiro em crescimento. Controlado por um vaso, evitará que se desenvolva para além do que o espaço permite. Estar feito um Tarzan periférico entre as plantas me energiza.

BEDA / Indie*

Esta é a Quitéria ou Indie Janjão. E esta será a última imagem presencial que terei dela por muito tempo. Quem sabe a reencontre em breve? Talvez, não a veja tão cedo… Talvez… Bem, depois de ter sido resgatada pela Lívia das ruas bem pequenina, praticamente recém-nascida, em péssimas condições, ela se desenvolveu lindamente. É esperta, educada, arteira e alegre! Vai para o lar de pessoas que já a amam. Irá para longe. Ganhará a liberdade das praias de São Sebastião. Antes de ir para o trabalho, a abracei, beijei a sua testa, ela me lambeu, em retribuição e eu disse em sua orelha pendente: “Adeus, meu amor! Seja feliz!”…

*Texto de Março de 2017.

O nome enfim adotado para ela foi Indie. E vive feliz com seus cuidadores e outros irmãos peludos.

Adriana Aneli / Alê Helga / Claudia Leonardi / Darlene Regina
/ Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli Pedroso

Terapia Hormonal

Benício e Renata se amavam, disso o sabiam, mas a mulher estava passando pela menopausa de uma forma que transformava qualquer diálogo ou decisão do casal em discussões imotivadas. Ou, por outra, tudo era motivo para que viessem as altercações o calor, o frio, o vento, o sol, o latido do Filhote, irmão das crianças que se casaram.

Benício sentia saudade da Renata sempre alegre e positiva, sensualidade exuberante mesmo depois dos 50 anos 30, de namoro inesperadamente encerrado há dois anos com o início dos calores e mudanças bruscas de humor. Situação que piorou após a sua aposentadoria. Quis descansar um pouco depois de trabalhar muito. Quando desejou retornar, o mercado de trabalho havia mudado. Para Renata, o marido-príncipe se transformara em sapo, gordo e sem atrativos, a coaxar lamentos por seu comportamento.

Quando os dois, em um momento de bonança depois da tempestade, conseguiram conversar por meia hora sem se ofenderem, Benício sugeriu e Renata aceitou consultar um endocrinologista para a possibilidade de terapia de reposição hormonal. Renata tinha histórico de câncer na família e ouvira dizer que isso dificultaria um tratamento através desse recurso, que tivera bons resultados para algumas de suas amigas.

Após a realização dos exames necessários, seguida da consulta com o médico, este assegurou que Renata poderia fazer o tratamento sem problemas, acompanhado de exames periódicos para a verificação dos índices hormonais, de quantidades tão discretas quanto fundamentais no funcionamento do organismo humano. Porém, só isso não bastaria para que o tratamento funcionasse. Renata deveria iniciar um programa de atividades físicas regulares, mudança alimentar, corte de carboidratos e lactose etc.

Renata não era inativa, mas não era fã de exercícios físicos. Dr. Coimbra, no entanto, fora tão enfático na recomendação (que talvez nem ele mesmo seguisse, devido a circunferência de sua cintura) quanto aos benefícios como a diminuição do apetite, a melhora do humor, a diminuição de gordura, o enrijecimento dos músculos, a melhora da imunidade e o retardo do envelhecimento, que decidiu se matricular na academia perto de casa.

Na Cuore-Fit, Renata encontrou outras mulheres na mesma condição em que ela, constatada nas conversas entre um exercício e outro orientado pelo instrutor devidamente sarado que as acompanhavam. Não era um rapaz de rosto bonito, mas as proporções absolutamente equilibradas de seu corpo másculo e sua expressiva autossuficiência era o bastante para deixar as suas companheiras alvoroçadas.

Eduardo ou Dado era um profissional sério e sabia que qualquer desvio de comportamento poderia causar estragos em sua carreira há pouco iniciada. Muitas daquelas senhoras tinham idade para serem a sua mãe. Ainda que Renata lhe tenha impressionado por seu sorriso aberto, olhar vivaz e certa candura de menina, nunca passaria por sua cabeça se envolver com ela ou qualquer uma delas. Sentia-se compromissado com Betinha.

Passados alguns meses, Renata, bastante dedicada, progredira enormemente no alcance dos objetivos antes apenas sonhados por quem inicia a atividade física regular. O melhor era ter voltado a se sentir viva como antes, o que Benício agradeceu aos céus e ao anjo Dr. Coimbra. As brigas cessaram, as risadas voltaram a fazer parte do café da manhã e o sexo eventual, procurado por ela, voltou a ser gostoso. Não importava a hora que dormisse, acordava bem cedo e saía para correr ao mesmo tempo que ele saía para trabalhar, logo após ao café da manhã equilibrado entre frutas e alimentos a base de proteína vegetal e suplementos.

Benício não conhecia a importância do outro responsável por Renata ter chegado a essa condição Dado. Aliás, ela sempre evitou citar o seu nome. Tudo por causa de uma prosaica circunstância que demonstrou que o tratamento começava dar resultado, ainda que inesperado. A dedicação e incentivo do instrutor físico em sua melhora orgânica, que nunca deixou de elogiar o esforço e a busca da perfeição na execução dos exercícios, a enrubescia.

Para Dado, Renata representava o resultado material da teoria aprendida na faculdade. E quando o rapaz disse isso para ela, Renata sentiu sua calcinha umedecer imediatamente. Aturdida, Renata pediu licença e correu para o banheiro. Dentro do reservado, se tocou por dois minutos e alcançou um dos orgasmos mais intensos de sua vida. Chegada a noite, buscou o marido para realizar tudo o que pensava em fazer com o moço que a excitara daquela maneira. Foi bom, mas nada comparado ao que sentira pela manhã na Cuore-Fit.

Renata teve medo do que estava sentindo. Sabia que entre os dois não havia futuro, mas a paixão era um abismo tão atraente… A questão era saber se Dado abriria o coração, fecharia os olhos e saltaria com ela. As trocas de olhares entre os dois faiscavam a ponto de serem percebidas por uma ou outra aluna.

Naquela terça-feira, Renata madrugou e chegou antes do que quase todos. Dado foi um dos primeiros a chegar. Quando a viu, ele se alegrou como o menino que era. Gostava imensamente da companhia da mulher que remoçou diante dos seus olhos. Sozinha com ele, Renata conversou leviandades para chegar ao ponto que queria. Perguntou se mais tarde ele não gostaria de almoçar em sua casa, perto dali. Olhar e boca sorriram em aceitação.

Após a aula, Renata voltou para a casa se sentindo uma menina que se apaixona pela primeira vez. Com Benício no trabalho, aquilo que pretendia fazer não lhe parecia incorreto. Em seu pensamento, essa paixão era uma homenagem ao desejo do marido de querê-la bem. Preparou um almoço robusto o suficiente para repor as energias de um jovem em constante atividade. E ela pretendia ajudar muito no desgaste energético do moço parte dos pensamentos que a faziam rir sozinha.

À chegada de Dado, o almoço foi esquecido. Porta adentro, se abraçaram-beijaram como quem precisasse comer após prolongado jejum. Começaram no sofá e terminaram no tapete da sala, sob a observação de Filhote, que deitado em sua caminha, ouvia a sua humana a gemer-uivar, entre risos. Exaustos e excitados, iniciaram conversas lambuzadas, línguas adentrando os lábios. Conversação que durou quinze minutos.

Renata levou Dado para a sua cama. Ela queria que aquele local voltasse a ser o melhor lugar da casa. Totalmente entregue ao forte e atrevido amante concretizou todas as fantasias irrealizadas com Benício. Na sensação mais extraordinária que jamais experimentou, quis morrer naquele mesmo instante, feliz.

De alguma maneira, foi atendida. Depois desse encontro, cheio de promessas e perspectivas, tudo degringolou. Uma das outras mulheres, senhora enciumada do tratamento dispensado à Renata pelo instrutor, o denunciou por importunação sexual. Demitido, Dado decidiu voltar para Catanduva, onde nasceu. Há tempos recebera uma proposta de trabalho de uma academia daquela região que agora se tornara oportuna. Deixar Renata era como se lhe arrancassem o coração. Confirmaria o compromisso com Betinha, a namorada de meninice e tentaria esquecer o amor impossível. Era o mais certo a ser feito. No curso de Educação Física aprendera a suportar a dor do corpo, mas o que estava sentindo não estava nas estudos sobre o desenvolvimento da “mens sana in corpore sano”.  

Ao se despedirem, em silêncio, os dois amantes se recolheram a um canto reservado da academia e se renderam um ao outro, em pé mesmo, sôfrega e apaixonadamente, rostos úmidos, línguas com gosto de água salgada. Ao chegar em casa, Benício encontrou Renata como no auge da menopausa, imersa na tristeza e quietude que normalmente antecedia a tormenta. Ao perguntar sobre o que sentia, Renata correu para os braços reparadores do amor da sua vida e chorou como criança. De alguma maneira, Benício sabia o que estava acontecendo, mas a amava tanto que só queria vê-la feliz. Sem dizer palavra, a abraçou com força.  

Foto por Pixabay em Pexels.com

DUMDUM*

DUMDUM

Encontrei este elefantinho atrás do palco, no local onde estava trabalhando. Perguntei como ele estava. Respondeu que estava bem. Que, apesar de se sentir meio abandonado naquele canto, pelo menos estava de frente para a porta, onde podia ver o movimento.

 — Você parece triste… Aliás, como se chama?

 — Eu me chamo Dumdum! Eu não sou triste! Apenas fui feito com esta feição tristonha…

 — Perdão! Vivo a cometer esse erro! Sei que não devo me fiar na aparência externa de ninguém!  

— Não tem problema! Já fico feliz em você ter parado um instante do seu trabalho para me dar atenção.

— Dizem que esse é um dos meus problemas… que sou disperso… mas, enfim…  

— Eu acho que é um dom…  

— Obrigado! É muita gentileza de sua parte. De vez em quando, todos nós precisamos de um elogio. Falando nisso, ao prestar mais atenção, se percebe que há algo especial em você…  

— Eu sei que sou especial! O artista plástico que me moldou, mesmo eu sendo uma obra simples, me imaginou um elefantinho do bem. Cada tira de papel que ele colocou, a cada camada que me estruturou, ele o fez com amor. Sou resultado de amor e arte. Esta feição que me estampa não sou eu… Nasci feliz!

Quase com inveja do Dumdum, passei a mão em sua tromba empoeirada e me despedi. Continuei a minha lida. Logo depois, ele foi retirado dali. Deve jazer feliz em algum reino encantado, ainda que na escuridão de um depósito…

Texto de 2015*