Acordo… Logo, me levanto… Sinto os pés no piso, a procurar os chinelos… Antes que os alcance, me invadem sensações inesperadas, mas conhecidas… Em meu corpo, quente, tremores… Na alma, gelo e medo…
Cedo, cedo à minha incapacidade de lutar contra aquele sentimento de impotência, tão particular quanto evidente… Sozinho que estou, ninguém saberá o que passo… Ainda que estivesse rodeado por muitos, mesmo assim, me sentiria só, a beber a água suja do fundo do poço…
Neste dia de verão, voltarei para a cama, a tremer de frio n’alma… Fecharei as janelas, cerrarei as cortinas, cobrirei o meu corpo com pesadas mantas… me manterei quieto, como se quisesse voltar para o útero de minha mãe… Talvez, renasça em algum momento…
fogueiras crepitavam um junho rostos afogueados olhares e vinho corações flamejantes sorrisos passos errantes em alerta sentidos testemunham os caminhos quem tomará a iniciativa? os dois querem e se valem alheios aos outros se oferecem aos pelos arrepiados não é o frio da noite feita madrugada desejo crescente e merecedor o sol no plexo que mal respirava raios em fuga das peles ela decide que assim será o tímido gela quando limpa a boca de vermelho batom encurrala o amante num canto corpos presos imantados almas libertas em música e dança lábios se unem em línguas falantes entrementes voltas completas do planeta em torno da estrela para sempre será um junho…
foi assim… ela disse fica bem respondi fica com deus eu, que nem nele acredito despedida marcada sem uma palavra de adeus se houvesse mensagens as ignoraria com sórdido prazer era uma noite branca lua cheia por trás da nebulosidade primavera em outubro rosa veias cortadas sem sangue olhos que não se viam vozes que não se falavam bocas sem beijos mãos que não se tocavam separados pela distância unidos na mágoa o frio que se impunha termômetro nos 25 graus sete invernos e uma pandemia talvez já tivesse acabado no solstício feneceu no equinócio mas você não mudou, disse ela você não me ama mais, disse eu os prédios pintados de tarde o escuro protetor das noites nunca alcançadas ficou para trás nas avenidas centrais.
Laika, primeiro terráqueo vivo a ir para o Espaço, em 1967, pelas mãos do homem.
Quando ela se foi, silenciosa feito um raio sem trovão — Oyá calada — comecei a cheirar o chão pelo qual ela teria passado…
Em busca de seu cheiro — cão perdigueiro — perdi meu dom, me perdi… Fiquei sem casa, sem dona, sem domínio sobre o meu caminho de perseguidor de seu odor.
Todas as noites, uivava para as luas presas aos postes das ruas, tentando alcançar as estrelas de seu corpo, os cometas em seus cabelos, os asteroides de seu olhar…
Cercado de escuridão, senti-me como Layka — só na imensidão infinita — corpo encapsulado, sem elo com a Terra de onde provinha, a não ser pela gravidade que a ela me prendia…
Sonhei que pela poderosa atração de seu corpo, reentrava na atmosfera em que ela respirava — invasão em forma de fogo e risco de luz — pedaço de metal incandescente a penetrar na pele da amada… Saudade que se apagava em choque e explosão, amor e paixão…
A energia e o ar de meu módulo aos poucos se esvai… Por meus pelos, o calor se retira da pele, começo a sentir o frio a me invadir, até que o frio se torna meu, antes que deixe de respirar… Ser sem vigor, aberta sorte, circulo pelo Espaço a conhecer o belo mistério da morte…
*Em 3 de novembro de 1957, um mês após a missão do Sputnik1, os soviéticos mandaram o primeiro ser vivo ao espaço: a cadela Laika. O Sputnik 2 deu 2.570 voltas à Terra e ficou 162 dias em órbita. Queimou-se ao tocar na atmosfera terrestre em 14 de Abril de 1958.
Fim de tarde, o rabo do sol se escondia por entre as árvores, criando sombras e formas inusitadas. Passávamos o final de semana no sul de Minas, região em que as linhas retas não compareciam no cenário, a não ser pelas linhas do chalé e por furtivos fachos de luz por entre os montes, feito show de rock. Eu e um grupo de amigos, decidimos ficar nesse recanto afastado para um contato mais íntimo com a Natureza. Acendemos o fogo da lareira e quatro lampiões e saímos para caminhar um pouco até uma pedra mais elevada para ver o entardecer, 250 metros acima.
Passados uns 20 minutos, a escuridão baixou quase que instantaneamente. Ficamos cegos, a não ser pela luzinha vinda do cabana, como se fosse uma estrela fora do céu. Por iniciativa aprovada por todos, havíamos deixado os celulares na cabana. Percebemos que não havia sido uma boa decisão. Quisemos ser naturalistas sem saber que a Natureza tem regras que fogem ao conhecimento de gente da cidade.
Fora tudo tão repentino que de início não nos demos conta de que estávamos num mato sem cachorro. Brincamos com negrume do ambiente e sobre a possibilidade de começarmos a sentir o toque de bichos estranhos a envolverem nossos corpos. Para não passar a sensação de que estivéssemos perdidos, decidimos nos sentar no vazio até encontrarmos o chão. Agora estáveis, começamos a especular sobre o que faríamos.
Éramos como crianças sem pai nem mãe. O frio começou a aumentar de uma hora para outra e a ansiedade pouco a pouco surgiu, evidenciado pelo tom de voz cada vez mais alterado. Seis adultos ̶ três casais ̶ perdidos no nada, indecisos se deviam ou não empreender a jornada de volta, curta mas perigosa pela irregularidade do caminho. Até vermos uma luz bruxuleante saindo do chalé e vindo em nossa direção.
̶ Aqui, aqui, aqui! ̶ gritamos todos.
Era Ricardo, o filho de sete anos do Arnaldo, que ficara na cabana, brincando. Ao escurecer, o menino deve ter percebido que demorávamos e quis nos encontrar com a bravura que toda criança tem e falta a muitos adultos. Empunhava um dos lampiões e caminhava resoluto. Arnaldo e Tatá, com a aproximação do filho, foram abraçá-lo. O resto de nós, pulamos feito seus companheiros de escolinha. Nós nos achegamos uns aos outros o suficiente para que o lampião erguido por Arnaldo nos cobrisse de luz amarela. Nesse instante, pude perceber o quanto estava apaixonado por Clara, com as linhas do rosto fracamente esmaecidas sob o caminho de estrelas.
*Texto produzido por ocasião do Curso de Narrativas Na Primeira Pessoa, por Lunna Guedes.