25 / 08 / 2025 / BEDA / Gosto De Infância

Coisa rara, mesmo na Periferia, cultivamos um jardim com plantas frutíferas. Uma delas, para a minha alegria, é a de ameixa (como sempre chamei a minha vida toda), mas também conhecida como nêspera, como me lembrou uma amiga de letras. A minha alegria provém do gosto da fruta que me remeteu diretamente ao tempo em que vivi na Penha. Morávamos no que chamávamos de porão da Tia Raquel que, com o seu esposo, José, eram donos de uma pequena fábrica de flexíveis de borracha usados em carros. Tanto meu pai quanto a minha mãe, trabalhava para eles. Essa dependência suponho que fosse veneno para o meu pai, um homem de esquerda radical.

Não apenas nós, mas outras pessoas da família viviam em outras unidades na grande propriedade dos Gomes. Num terreno ao qual se adentrava por uma portão de ferro, um mundo a ser desbravado. Nele viviam gansos, patos, galinhas e, em chiqueiros mais ao fundo, porcos. Tive experiências radicais nesses tempos entre os 5 e 8 anos, como o abate de porcos. Seus altos roncos feito gritos humanos não saíram até hoje da minha lembrança.

Mas além da fauna, a flora era também bastante variada. Além das mamonas que usávamos para o estilingue, havia cana-de-açúcar, pé de loro, laranja-lima, bananeira e um grande pé de nêsperas, as minhas saudosas ameixas. Vou provar as de casa que viajei para a época que subia na árvore frondosa pelos troncos e galhos até alcançar as adoradas e douradas frutas. Gosto de infância — efeito de coisas simples — mas poderoso.

BEDA / Abril De 2013 Revisitado

As Rachaduras

Um interessante painel de arte à frente e eu só conseguia olhar para as linhas de rachaduras sinalizadas com giz, marcando o tamanho que apresentavam no túnel do Metrô Consolação, enquanto esperava o trem que me conduziria ao Paraíso. Que mal me assola que me faz olhar para além do que deveria ser o principal alvo de minha atenção? O que me conduz, me condiz?

* Postagem de 2013

A Ilhota

Onde estou?… Em São Paulo, junto à Represa de Guarapiranga. Esta cidade é imensa e plural, onde podemos conviver com a decadência arquitetônica do Centrão por descuido dos administradores ou percorrer caminhos juntos à novos edifícios, construídos feitos Torres de Babel, nas marginais do Rio Pinheiros, poluído e mal cheiroso… ou apreciar a Natureza em todo o seu esplendor de força e beleza, como aqui pode se perceber. — em Clube Atletico Indiano

As Mexeriqueiras

Além da Penélope, Dorô, Domitila e Frida aguardam que eu distribua a mexerica que tanto gostam. Como não tenho certeza sobre o efeito que causam o seu consumo para elas, apenas distribuo um quarto da fruta para cada uma…

Observação: nenhumas delas está mais conosco fisicamente. Até a mexeriqueira deixou de produzir. Mas todas passeiam por nossas lembranças, imagens e coração até que nós também deixemos de atuar neste plano. Em um outro, nos encontraremos, ainda que sejamos somente pura energia compartilhada alhures.

A Intrusa

Cerca de 75% do peso de um músculo de um ser humano é composto por água. O sangue, por sua vez, contém 95% de água, a gordura corporal, 14%, e o tecido ósseo, 22%. Pelos resquícios da festa de ontem, creio que algumas pessoas estão mal informadas a respeito… 

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

BEDA / A Melancia Curiosa

Era uma vez uma melancia muito curiosa que decidiu deixar a fruteira onde estava para visitar o lugar a sua volta. Ela já havia viajado bastante, desde o lugar onde nascera e isso estimulou sua natural ainda que insuspeita sede de conhecimento.

O primeiro lugar pelo qual passou foi a cadeira a sua frente. Queria a mesma sensação dos humanos que sempre estacionavam o seu corpo naquele objeto, quando diminuíam de tamanho. Acabou por fazer amigos, os mesmos que cercavam os seus usuais ocupantes quando se alimentavam.

Depois de passar pela sala de jantar, onde viu a imagem dum quadro* que a atraiu bastante, subiu as escadas rumo à parte de cima da casa…

Como era uma jovem melancia, ela se identificou com o quarto descolado das meninas. Ficou especialmente fascinada pela penteadeira com o seu lindo espelho. Percebeu que era bastante vaidosa e admirou a sua forma arredondada com as faixas rajadas brancas em seu corpo verde.

Ao descer, a Melancia Curiosa experimentou voltar a ser uma flor. Lembrou-se de quando foi uma, em sua primeira infância, quando era apenas a promessa de ser uma grande e suculenta fruta.

Gostou de ficar no sofá macio, ideal para o seu formato esférico. Quase adormeceu quando aproveitou para assistir TV.

O que a Melancia Curiosa tinha visto até então, a estimulou conhecer mais do mundo fora da segurança da casa. Ela havia chegado na parte detrás daquele veículo de um lugar onde foi retirada de junto de suas companheiras e achou que pudesse usá-lo para buscar por novos caminhos.

Como não tinha carteira de motorista, o humano a impediu de sair. Mas depois de ver todas as peripécias que experimentou, decidiu não esquartejar a vivaz melancia. Ela ficaria a observar a vida acontecendo em torno de si enquanto tivesse consciência.

Ela explicou que preferia ser comida. Que nasceu para propagar as suas sementes. Espalhar a vida. Tornar-se parte de outros seres, alimentá-los. Ter o seu gosto provado, reverenciado, gerar amor. Viajar por aí através de outros corpos. Cumprir a sua natureza. A curiosa melancia era naturalmente sábia…

*Imagem vista pela Melancia Curiosa ao passar pela sala…

O BEDA é uma aventura compartilhada por: Lunna Guedes / Darlene Regina / Mariana Guedes / Cláudia Leonardi

A Manga Do Monge

Manga do quintal

Ao alcance da minha mão
Entre verdes, uma amarela
Feito um maduro mamão
Não foi preciso sacudidela
Quase repousa, a manga
Entre meus dedos, ao toque
Como estivesse junto à sanga
Apenas experimento o choque
De ser transportado para longe
Para o instante do doce corte
Em que decidi não ser monge
Mas me lambuzar de outra sorte
De vivenciar o gosto da fruta
De arregaçar as mangas
Ter filhas, enfrentar a labuta
Viver a vida, juntar bugigangas
Parece que a cada mordida
A história se repete em ondas
Antigas sensações reacendem
Bons fantasmas fazem suas rondas
Mandam-me lembranças enquanto ascendem…