05 / 10 / 2025 / Ser Mulher*

* Em 2020, escrevi: “Há uns anos antes, quando precisei depilar o peito para fazer um teste ergométrico, aproveitei para depilar o resto do corpo. Ao tomar banho, a sensação foi tão prazerosa, que repito a operação duas ou três vezes por ano. Penso em fazer com cera, mas como sei que dói, teria que ser muito mulher para encarar…”.

O que escrevi acima diz se orienta pelo respeito que tenho pela mulher não apenas por pertencer a um gênero que foi hostilizado pelo homem durante a organização das diversas civilizações ao longo das eras e aprendeu a sobreviver até hoje, quando tem alcançado protagonismo na construção da Sociedade em níveis que antes estavam reservados ao “sexo oposto” — termo que cabe como uma luva ao nos referirmos à maneira que a mulher tem sido vista pelo homem — uma inimiga.

Talvez seja medo de perder o protagonismo conseguido sem esforço, a não ser pelo fato de nascer um membro pendente entre as pernas que ainda é usado como se fosse uma distinção emérita. !Que me desculpem os meus “colegas de gênero”, mas um gênero da espécie humana que mereça ser chamada de “sexo forte” é a fêmea, não o macho. Fomos criados embriagados pelo poder de sermos superiores e para alguns de nós isso é o suficiente para não se esforçarem em serem pessoas melhores, mais capacitadas, mais aptas.

Ah, e quanto à depilação, as mulheres podem se sentir obrigadas a utilizarem diversos recursos para se sentirem mais aceitas num mundo em que devam se apresentar de tal ou tal maneira. Se for uma opção dela, tudo bem, assim como foi a minha em me depilar algumas vezes por ano. Mas ser pressionada para isso como a outros procedimentos para alcançar a aceitação social, incluindo a de outras mulheres, que agem como fiscalizadoras de estética e de comportamento, adotando preceitos machistas. Enfim, homenageio às mulheres que conseguem lidar com tantas pressões o tempo todo sem esmorecer… quase todas.

Foto por Tima Miroshnichenko em Pexels.com

Cheiro De Mulher*

Domingo frio e chuvoso e, logo cedo, começo a pensar, por efeito dos poemas que postei ontem e no dia anterior, que faziam parte de um projeto musical que não foi adiante, sobre a possibilidade de um homem conseguir se colocar no lugar de uma mulher e tentar descrever emoções e sentimentos que são tão particularmente delas, que só podemos, como homens, arranhar.

A minha voz é masculina e, ouso dizer, para horror de algumas pessoas que confundem essa consciência masculina de macho, com machismo, que eu me sinto muito confortável em ser um homem, ciente de todos os defeitos que isso possa acarretar, incluindo a não percepção correta do mundo como um todo. Ainda que a vergonha causada ao meu gênero pelos machistas de plantão me entristeça profundamente, quando não me enoje de tal maneira que penso em pedir desculpas a cada mulher que passe.

Eu não me importo ou, de outra parte, até apoio quando alguém se aceita não conformado com o seu gênero e decide se identificar como de outro gênero. Todos mais próximos de mim sabem o quanto admiro quem tem essa disposição em ser aquilo que sente ser. Tenho amigos queridíssimos que se declaram, se posicionam, “se vestem” e se mostram aquilo que sentem ser. Eu, de minha parte, amo às mulheres e tenho certa inveja de alguns predicados especiais que elas detêm, como o de sentir cheiros, por mais discretos que sejam. Adiante, no último poema da trilogia, sou eu, homem, que expressa se apaixonar por um cheiro de mulher.

CHEIRO DE MULHER

Passei pela multidão e entre tantos, a senti
Entretanto, ao procura-la, não a vi
Absorvi seu aroma por minha narina
Respirei um novo ar, que mudou minha sina

Não era Chanel Nº 5 ou qualquer outro perfume
Era o seu cheiro de mulher, em profundidade e volume
Envolvente, penetrante, extasiante e traiçoeiro
Porque logo que o senti, o perdi, o tomei por derradeiro

Como encontrá-la, como procurá-la no povaréu?
Como perseguir a fragrância que me deixou ao léu?
Quem sabe, um dia, em meus braços não a tomarei?
Então, em vez de possuí-la apenas por um sentido, por inteira a sentirei…

*Texto publicado no Facebook em 2015

Simbologias

Simbologia

Indicada a direção do banheiro, estanco o passo diante de duas portas, frente a frente. De um lado, a letra M; de outro, a letra F. Por exclusão, supus que M quisesse dizer masculino, enquanto F, feminino. Caso quisesse descer à designação fisiológica genérica – macho e fêmea – de onde deriva a nomenclatura, seria admoestado por meu censor interno. Por algum motivo, apesar de sermos animais, a questão de gênero ganhou tantas conotações que fica impossível sermos bem vistos apenas porque usamos o termo correto. Mesmo porque, a conformação física vem a estipular quais e quais dispositivos devam estar presentes em ou outro banheiro, apesar de alguns itens de uso comum. Contudo, tenho a impressão que no banheiro os machos continuam sendo machos, enquanto as fêmeas ultrapassam à sua simples condição de gênero e são também mulheres, tendo o espelho como instrumento auxiliar de introspecção (ou expansão).

Se as letras estampadas nas portas fossem H e M – Homem e Mulher – identificaria construções mentais que designam não somente os gêneros sexuais básicos, mas também os papéis relativos a um e outro. Esse é um tema premente, bastante discutido por alguns que pensam a sociedade, na busca da reavaliação desses papéis incorporando mutações sociais na apreciação dos valores dos gêneros e derivantes. Bem mais malvistas por mim são as famosas figurinhas em que a porta do banheiro feminino mostra um corpo com triângulo na altura da cintura (a designar uma saia) e o masculino, reto, a fazer supor calças. Eu nunca gostei desses símbolos. Além de serem ultrapassados, não têm charme. São simplistas e eu me passa a sensação de emasculação, no caso do homem e de determinismo, no caso da mulher. Escuros, não sabemos se estão de frente ou de costas. Seriam mais interessantes os víssemos de lado, com eventuais contornos a brincar com suas formas. Há variações iconográficas interessantes, bem humoradas, restringidas a ambientes particulares, sem alcance do grande público, que talvez causassem confusão na identificação.

Além de “XY” e “XY” – representando os cromossomos sexuais masculinos e femininos – Ele e Ela são pronomes comumente utilizados para diferenciar banheiros para os usuários de ambos os sexos. Para respeitar as opções daqueles em que “ambos” os sexos possam estar juntos na mesma pessoa, surgiram em vários lugares os chamados banheiros unissex. Em 2008, o centro acadêmico da Universidade de Manchester – uma das maiores universidades da Grã-Bretanha – mudou as placas dos banheiros femininos para apenas “banheiros” e dos banheiros masculinos para “banheiros com mictório”, atendendo a pedidos de estudantes transexuais. Como era de se esperar, houve entrechoques entre os grupos defensores e contrários. Por aqui, a depender dos movimentos conservadores, a ganhar por hora cada vez mais espaço em nossa sociedade, as designações simbólicas tenderão a se tornar cada vez mais padronizadas, sem eleger variações sobre o tema da identidade sexual.

A simbologia aparente é que aparelhos urbanos de uso público para a realização de nossas necessidades fisiológicas excretam substâncias bem mais complexas que os resíduos fabricados por nossos corpos. Envolvem algo mais do que fazemos no privado e nas privadas. Temos dificuldade em lhe dar com nossos excrementos tanto físicos quanto mentais. Compreender a dinâmica de uma sociedade em desenvolvimento, incorporando preocupações e tendências que devam atender demandas justas de quem quer se colocar no mundo de maneira mais confortável é um sinal fundamental a demonstrar que estamos aprendendo a ser gente, para além de simples animais que defecam preconceitos.

O sistema de coleta e tratamento de esgoto é, simbolicamente, distintivo do grau de desenvolvimento de uma sociedade. As grandes civilizações do passado demonstraram seu progresso civilizatório justamente na construção de intricados sistemas de saneamento básico. Dado o subdesenvolvimento do Brasil nesse campo, não é de se admirar que não consigamos lhe dar igualmente com nossas indigências sociais malcheirosas.

Maratona De Outubro | Sobre Gêneros Literários

Gêneros
Todos os gêneros…

Em Etimologia, gênero deriva do latim generu, genere, que significa nascimento, origem. A palavra gênero ganhou ultimamente repercussão extremada. O papel social atribuído ao homem e à mulher e às suas identidades sexuais passaram a ser discutidas até em programas de governo. Aparentemente, há aqueles que creem que possam intervir nas preferências pessoais humanas, a partir do Estado. Esclareço que tratarei sobre minhas preferências… literárias. São gostos que, muitas vezes, não deixam de ser conflituosos. Ao ser perguntado sobre qual gênero literário prefiro, fiquei em dúvida.

Antes de responder a essa questão aparentemente simples, percebi o quanto o temor de não esclarecer totalmente nossas predileções, de maneira geral, avança sobre quase todos os assuntos da vida. Qualquer resposta que dermos estará sob judicie por quem a recebe. Ao dizer que comecei pelas histórias em quadrinhos, talvez fosse desacreditado. Minha iniciação na literatura foi igualmente escudada por ficção científica e fantástica, mitológica, através de Monteiro Lobato, Júlio Verne e outros. Concomitantemente, adorava ler enciclopédias e dicionários.

Eu me lembro que, quando garoto, desejava a aprovação das pessoas quanto ao meu comportamento. Na adolescência, a minha evidente incongruência nos grupos, familiar e amigos, passava despercebida pelas boas notas na escola e no futebol, entre os colegas, apesar da minha miopia. Gostava de poesia. Carlos Drummond de Andrade era o meu preferido, entre todos, mas, antes dele, tive contato com Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos e Castro Alves, que me impressionaram bastante, além dos poetas românticos Fin De Siècle brasileiros. Ao mesmo tempo, o romancista Machado de Assis invadira minha vida e meu discurso de escritor, então já iniciado, que também sentiu a força da expressão de Jorge Amado.

Mais tarde, ao buscar uma postura cada vez mais alienada do sistema, fui ficando cada vez mais misantropo, ajudado pelo fato de começar a frequentar a faculdade de História, curso em que ninguém se conhecia. As divisões por classes diferentes a cada semestre, colaborou para impedir que permanecêssemos muito tempo juntos com os mesmos colegas. Passei a ler, além dos livros da matéria, os de Filosofia e místicos-religiosos de várias vertentes. No mesmo balaio metia Michel Focault, Paramahansa Yogananda, Emile Durkheim, Os Vedas, Santo Agostinho, Nietzsche, Boris Fausto, Kardec, Claude Lévi-Strauss, Sérgio Buarque de Holanda, Reich e Gilberto Freyre, bem como a sempre presente Bíblia.

De novo, o futebol me salvou de ser um esquisito calado. Escalado para o time da História, dentro do campo estranhamente meu estilo de atuação mudou. Os jogadores humanistas da História, forçou-me a transformar o médio-volante elegante em um arranca-toco, distribuindo pancadas a torto e a direito. Cheguei a lembrar de Ernest Hemingway. Aflorou o jogador da periferia, que jogava “contras” nos campos mais inóspitos da cidade. Sabia de minha capacidade em me dividir em outras personalidades sob determinadas circunstâncias, temperatura e pressão. Cheguei a recear certa tendência esquizoide, mas em reunião com os outros habitantes em mim, decidimos que não fosse algo preocupante…

Desde que tomei contato com os livros, alguns autores fizeram morada em meus olhos e mãos – Rosa, Wolf, Pessoa, Borges, Lispector, Cortázar, Cecília Meirelles, Garcia Marques, Nelson Rodrigues, Rubem Braga, J.M. Coetzee. Mais recentemente, voltei a minha atenção para os escritores da Scenarium, que perfilam seus trabalhos em um recanto especial em minha biblioteca. Postagens em blogues da Internet – poesia, crônicas, contos, artigos científicos e psicologia – foram acrescidas ao meu dia a dia.

Em resumo, sejam crônicas, poesias, romances, contos, livros de filosofia, religiosos, biografias e históricos, eu prefiro ler sem fronteiras. Já passei por várias fases de preferência. Em momentos específicos, exerceram ampla influência na estruturação de meu pensamento e de minha postura como ser humano. As palavras adentram por nossos olhos e se instalam em nossa alma, fazem morada permanente, ainda que não lembradas. É como se fossem as paredes de nossa casa, ainda que caiadas de branco, são estruturas que nos guardam. Gênero preferido: o vital.

Participam também desta Maratona:

Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes

Maratona Setembrina | Supremacia

SUPREMACIA
Força feminina

De origem desconhecida, a chuva cósmica chegou à Terra inesperadamente, causando danos nos sistemas de comunicações e Internet.  O mundo todo sofreu desconforto, mas as consequências foram bem mais profundas do que interferências em comunicações importantes e atividades estratégicas, além de quedas nas transmissões de novelas da TV, interrupção nos bate-papos, impedimento de envio de fotos de glúteos avantajados e filmes de pegadinhas.

Antes que fosse globalmente detectada a transformação radical pela qual a humanidade passava, pequenos episódios em todos os cantos do mundo anteciparam suas repercussões fundamentais. Ana Maria, revoltada com os sopapos que levava do marido dia sim, dia não, decidiu revidar com um tapa. Só não esperava que seu golpe jogasse Joaquim do outro lado da sala. Em uma esquina escura, Belmira, cercada por um tipo que anunciou o assalto e insinuou algo mais, conseguiu jogar violentamente o oponente ao chão com um simples empurrão, o deixando desacordado. Na escola, a menina chamada de feia e magra, perseguida por garotos que não tinham mais o que fazer, decidiu a situação com um soco no estômago do maior, que ficou a se contorcer no chão, quase sem respirar. Os outros, correram. Uma amante, no momento máximo de excitação, quebrou as costelas do companheiro com uma chave de pernas. Acontecimentos semelhantes foram noticiados em progressão geométrica por todos os cantos da Terra.

Segundo pesquisas realizadas por cientistas ao redor do planeta, a onda de energia radioativa havia alterado drasticamente a fisiologia dos seres que carregavam cromossomos XX – as fêmeas da espécie humana – conferindo-lhes uma capacidade orgânica extraordinária, desenvolvimento de força e amplitude de movimentos muito maiores que os dos machos mais fortes atleticamente. Além de gerar maior impulsividade. Passado um ano, verificou-se que as meninas nascidas após o episódio, apresentavam as mesmas características. Ou seja, os novos parâmetros fisiológicos vieram para ficar.

No entanto, com o passar do tempo, constatou-se que, em profundidade, nada se modificou. Homens e mulheres mantiveram as conformações externas originais. A nova capacidade física feminina alterou as relações de poder, mas apenas trocaram-se os sinais e os gêneros dos envolvidos. Continuaram a ser cometidos os mesmos erros, os mesmos abusos, as mesmas distrações de caráter, por novos agentes. Ficou comprovado, enfim, que nunca houve diferença fundamental entre os sexos. Os comportamentos supostamente desviantes eram intrinsecamente humanos.

 

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