A Cabeleira

Eu e meu irmão, Humberto, em Matão, no início dos 80′.

Sempre fui uma pessoa passadista. Desde garoto, gostava de viajar por tempos idos, buscando e encontrando a minha identidade em outras épocas. Isso não me impedia que fosse para um futuro imaginado. H.G. Wells, Monteiro Lobato e Júlio Verne, entre outros, além de filmes de ficção científica, me descolocavam para outros lugares e idades imaginados.

Lendo muito, visitei versões de Grécias, Romas, Pérsias e Egitos. Decidi fazer o curso de História, ao mesmo tempo que era atraído por Filosofia, Psicologia e Sociedade. Definitivamente, eu era um sujeito de Humanas, ainda que os números me fascinassem. Apenas porque me eram incompreensíveis. Embora, perfeitos per si só.

O fato é que quase nunca estava no Presente e no mesmo Espaço do meu corpo. Ausente das pessoas, passeava distraído da minha própria presença, numa espécie de alienação que me custou lembranças apenas resgatáveis por imagens e relatos de terceiros. Como nesta foto em que estamos, meu irmão e eu, na praça central de Matão, para onde fomos para rever terras que foram da família adotiva de meu pai, no início dos Anos 80.

Os meus cabelos desgrenhados tentavam tanto refletir os ecos cada vez mais distantes do movimento Power Flower, como denotava a influência do movimento black. Eu era atraído pela Soul Music e o R&B norte-americanos, bem como pelo samba-rock, uma vertente brasileira do Funk de James Brown, que também apreciava.  Chegava a usar garfos para pentear os meus fios, assim como no banho, os lavava com sabão de coco, baixava a cabeça e deixava a água cair para os deixar encaracolados.

Porém, outra utilidade da cabelereira era me proteger. Sentia-me normalmente desambientado e em contrapartida não fazia nenhuma questão de me entrosar. O que o futebol com os amigos e colegas de classe contrapunha para que não fosse uma situação mais grave. Ligado à espiritualidade oriental, o meu desejo sempre foi o de transcender em vida. Um erro, já que a minha evidente inexperiência se transformou em profunda inaptidão para a vida prática. Mas talvez por minha aparência alternativa, chamava a atenção. Os meus sempiternos óculos ajudavam a bloquear olhares que o manto peludo deixava apenas entrever.

Para evitar possíveis gozações, mantinha uma postura marrenta e um tanto distante. Enfim, um rapaz esquisito que amava as mulheres tanto quanto fazia questão de mantê-las afastadas. Sentia-me inseguro quanto ao que dizer e quando falava alguma coisa, receava que fosse inadequado por não usar o jargão cotidiano da turma. Afinal, Machado de Assis era o meu escritor favorito e volta e meia utilizava termos que os olhares denunciavam incompreensão ou estranhamento jocoso. Que fosse considerado estranho era menos doloroso do que me acharem doido ou, pior, causasse dó.

Consegui ultrapassar todas essas barreiras erguidas por mim mesmo e chego até aqui podendo versar sobre essa época em que estava sempre por um fio em minha sanidade. Não no sentido de loucura, mas de saúde mental mais prosaica – ansiedade – que descobri que tinha desde pequeno, além de “crises existenciais” seguidas por saber que não conseguiria me contrapor ao Sistema. Quando decidi abandonar o projeto de me tornar Frei Franciscano, empreendi o caminho de cumprir o destino de pai de família, microempreendedor e, finalmente, escritor. Pertenço ao Sistema ao qual sempre defenestrei, mas sei que com amor tudo pode ser diferente.

Guerreiro*

Imagem montada, mas impossível?

Um amigo, Marcelo Porto, fez uma colagem com a minha foto do perfil do Facebook, em que me coloca vestido com um uniforme de soldado, armado até os dentes. Era uma brincadeira entre amigos, mas aquela imagem me deixou pensando sobre a circunstância em que eu, um antibelicista, poderia pegar em armas para lutar por alguma causa ou se haveria uma guerra justa em que poderia matar meu adversário por ele representar algo no qual eu não acreditasse como modelo de vida.

No Instagram, postei a foto com os seguintes dizeres: “Existe guerra justa, na qual enfrentamos o inimigo com um sorriso no rosto?”… Evidentemente, quase todos os relatos em que alguém luta em qualquer guerra, a sensação de perda, mesmo quando acredita na causa, surge em algum momento. Afinal, precisamos anular a humanidade do adversário para poder continuar lutando. Nesse processo, anulamos o nosso próprio sentimento de superioridade. Poucos se comprazem em matar por matar, torturar por torturar, queimar casas, campos cultivados e jardins com o frisson de um ato sexual ou sentimento de enlevação. Essas pessoas são até “preciosas” em um confronto de campo pelo estrago que faz ao inimigo.

Alguns países cresceram quando voltaram a sua produção para a máquina de guerra e exemplos não faltam na História. Já se disse que o nacionalismo é o refúgio do canalha e muitos dos governantes dessas nações utilizaram o subterfúgio do nacionalismo para invadir outras nações e cometer as maiores atrocidades possíveis. Em muitos desses casos, abraçamos a causa por nossa família, nossos vizinhos, nosso estilo de vida, mesmo sem aceitá-lo como o ideal.

Quando criança brincava de luta entre índio e cowboy e sempre preferia adotar o arco e flecha em oposição ao rifle e ao revólver – todos imaginários. Questão de simpatia pelo mais fraco em termos de armamento. Mais tarde, percebi que na Antiguidade, sem a preponderância de armas de fogo, um soldado bem-preparado poderia valer até por três ou quatro opositores, fazendo com que prevalecesse a qualidade sobre a quantidade, como na Batalha de Maratona, em 490 a.C., em que os Gregos venceram os Persas na proporção de 10 por 1, contra.

Na Segunda Guerra Mundial, ficou claro que se o Nazi-Fascismo a vencesse se instalaria um tempo de terror inigualável em todo o mundo. No entanto, seria aquela uma guerra justa a ser lutada? Perguntado sobre isso, se o preceito da não-violência que propalava venceria Hitler e seus seguidores, Ghandi, um dos meus inspiradores, disse que sim, venceria, mas não sem muita morte e sofrimento. No entanto, ciente de todo o horror que gerava, eu, um antibelicista, pegaria em armas para derrotar um inimigo tão atroz. Nesse caso, essa montagem faria sentido…

*Texto de 2013

Setes de Setembros

*Bethânia e eu – 7 de setembro de 2021

Nas minhas redes sociais, publiquei a 7 de Setembro de 2021, palavras que ecoavam há um ano, reverberavam ontem e valerá para depois. O personagem ao qual me refiro, nem deve ser jogado no lixo da História. Se possível, deve ser contido em uma caixa de chumbo de contenção para resíduo radioativo.

“Enquanto a tarde se desvanece, fico a pensar o quanto caminhamos para nos perdermos nesta encruzilhada a que chegamos. As pessoas que escolheram ir em direção ao abismo, mesmo que tenham perdido acompanhantes – os que pararam no meio, os que voltaram ou mesmo aqueles que buscaram outras veredas – querem que todo o povo despenque junto com elas, obedecendo a um líder insano, que deseja o aniquilamento de todos os progressos já realizados. Essa matriz assassina-suicida abomina a convivência entre os diferentes. Como somos um povo de vários matizes, deseja eliminar a diferença pela morte dos desiguais, dos excluídos, dos empobrecidos, das identidades multigêneros, das maiorias minoritárias em termos de poder de expressão. A minha expectativa, nem tenho mais esperança, é que o dia seguinte aconteça. Que venha a aurora e o crepúsculo, passando pelo pico solar. Que as crianças, como as que vejo agora, continuem a ter como única preocupação num feriado nacional: empinar pipas impulsionadas pelo vento refrescante que nos envolve agora. ‘Apesar de você, amanhã há de ser outro dia’…”.

#diadosexcluídos
#viveremorreremsp
#emtardeser
#crepuscular
#foraignominioso

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Espaços Em Branco

À princípio, o tema deste 6 On 6 me pareceu um supremo desafio. Para mim, não existem espaços em branco. Nem mesmo as nuvens brancas poderiam ser chamadas dessa forma. São fluídos corpos branqueados a preencher espaços azuis. Tenho imensa dificuldade para meditar porque não consigo deixar a mente desabitada de ideias, coisas e seres de todas as espécies. Para atender ao chamado, busquei o que para mim se configura no que é mais parecido com espaços em branco – a minha memória claudicante. Ela carrega mitos e meias verdades, uma expressão cabível no tema deste 6 On 6. Dos arquivos eletrônicos, preenchi os espaços em branco que se não fossem os registros das imagens-vida-pensamentos deformados, ao olhar para trás veria somente uma longa estrada plana, de fundo infinito.

Rua Santa Ephigênia, onde as antigas construções abrigam lojas de equipamentos de ponta em vários setores da tecnologia. É uma festa para os meus olhos, mas não nesse aspecto. Para mim, o que é precioso reside nas edificações… É comum aproveitar a abertura de algum portal do Tempo e viajar para o Passado. São breves instantes de percepção extrassensorial em que capturo algum momento especial, testemunho a História a acontecer em décimos de milissegundos e volto a caminhar entre carros, pessoas e luzes de LED

2015

A Luz foi engolida por grossas camadas de nuvens escuras, repentinamente! O calor ameno deu lugar ao frio que se projetou por nossas peles desprotegidas. O ser humano vem a perceber, nesses momentos de humor ciclotímico do tempo, que é muito frágil diante do Clima e diante da força da Terra. Será por inveja que queremos destrui-la?

Foi ontem, mas poderia ter sido hoje. Poderia ser em qualquer dia, quando vemos o Sol erguer-se além da linha do horizonte. Se pareço insistir no tema do confronto da luz solar contra as fímbrias do nosso fundo do olhar, muito mais não se cansaria o trabalhador cintilante em continuar a sua faina por bilhões de anos de explodir em Luz?

Nascido há 60 anos em terra, no centro de São Paulo, na maternidade de mesmo nome (hoje demolida), sob Libra, signo do ar, é na água que me sinto estar em meu elemento. Adoro saltar, flutuar em queda, atravessar o azul, mas ao mergulhar é que me percebo ser um com a Natureza.

Encontro gostoso de pessoas amantes da vida e da arte no Sarau do lançamento de mais uma edição de “Vermelho Por Dentro“, de Lunna Guedes, pela Scenarium. Um ano após, os encontros foram interditados para prevenção de possíveis contaminações pela Covid-19. Desde então, por segurança, os saraus presenciais não mais ocorreram. Voltarão talvez com as boas novas que novembro de 2022 nos trará…

Passei pela Rua Santa Ephigênia, como é corrente fazer, para comprar itens para a minha casa e trabalho, como lâmpadas e outros detalhes para a execução de minha atividade. De lá, fui em direção ao Largo do Paissandu para embarcar no ônibus que me levaria para a casa. Na esquina da Rio Branco com a Antônio de Godói, encontrei o que poderia se chamar de um espaço em branco consumado. Apesar da presença de mato e do entulho, o terreno baldio no qual um dia se encontrava o edifício-favela ocupado em condições inadequadas por pessoas em situação de precariedade financeira está vago. A antiga sede, por 33 anos, da Polícia Federal foi abaixo na madrugada de 1º de maio, levando consigo apenas nove vítimas fatais, algo surpreendente dada a quantidade de ocupantes do arcabouço em concreto, vidro e aço.

Participam do 6 On 6: Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Roseli Pedroso

BEDA / Dama De Cinzas

Vem um dos homens e lhe ofende a natureza feminina
Silenciosamente rouba-lhe a inocência de menina
Determinado e consciente impõem-lhe a boca calada
Que quando balbucia a verdade é de pronto velada
Sofre a exclusão familiar e ainda a pecha que espezinha
De ser além de uma pequena mulher, uma mulherzinha
O decreto que apequena a moça a conduz ao descaminho
Tenta encontrar na química a sua recompensa, o carinho
Nos corpos alheios busca confirmar a dúbia fama
E passa a acreditar nos créditos de cinzenta dama
Mas como um anjo caído, sabe que pode alçar voo maior
Acima do rés do chão, além do horizonte de novo alvor
Subjuga o ódio que poderia sentir pelos machos da espécie
E ainda consegue amá-los e achar graça além da efígie
Prova-se emancipada em carne, osso, mente e espírito
Escreve a cada momento a sua história rumo ao infinito
Une-se a nós e expande o seu ser de boa influência
Confessa-se imperfeita, ainda que seja uma dama de excelência.

Foto por Jill Wellington em Pexels.com

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Suzana Martins / Darlene Regina / Roseli Pedroso