25 / 03 / 2025 / Varredura*

“Hoje, estou em um quase inusitado dia de folga neste mês de março. É certo que tive uma vacância um pouco maior na semana retrasada, mas quase não conta, já que passei pelo pior período da Dengue que me assolou. Vivemos uma situação de epidemia dessa doença em minha região, que fica na Zona Norte de São Paulo. De manhã, fui à UBS do meu bairro levando os exames de sorologia que comprovavam o contato com a Dengue. O que fiz é o procedimento necessário para a notificação da mesma e soube, pela enfermeira que me atendeu, que já temos 180 casos relatados oficialmente por aqui.

Nunca pensei que, mesmo morando na Periferia, viveríamos uma situação tão precária na área da Saúde. Afinal, estamos na maior e mais rica cidade da América Latina, a de maior desenvolvimento econômico do Hemisfério Sul. Não estou aqui a acusar especificamente nenhum governo em particular. Somos todos responsáveis pela situação que ora se apresenta. Mesmo porque somos nós que elegemos os nossos representantes legislativos e executivos. E uma condição como a que passamos não se estabelece de um dia para o outro. É um longo processo que devemos saber resolver, mais cedo ou mais tarde, através da conscientização coletiva.

Neste meu dia de folga, limpei o meu quintal, verifiquei possíveis focos de reprodução de mosquitos e resolvi problemas burocráticos da minha pequena empresa. Em determinado momento, deixei de varrer para atender telefonemas, responder e-mails e comer alguma coisa. E adivinhem? Quando voltei, fiquei surpreso com o fato de que a sujeira que eu estava a varrer… continuava no mesmo lugar.

Sim! Nada acontece magicamente! Se não terminarmos nossas tarefas, elas não se resolverão por si só. Continuei a varrer-conjecturar e não deixei de lembrar que a símbolo da vassoura é muito forte para designar um movimento. Estudioso de História e Filosofia, sei que a vassoura já foi muito utilizada para se chegar ao Poder e de que qualquer boa intenção é normalmente manipulada pelos espertos de plantão.

Percebo que o efeito da simbologia sobre a consciência dos Homens é tão poderoso que os manipuladores (nem sempre os mais sábios, mas sim os mais práticos) conseguem tornar até mesmo as pessoas mais bem-pensantes em títeres na busca pelo Poder. Limpar nossas ideias de falsos pressupostos e deixar de nos envolver por sofistas é um trabalho constante.

Bem, vou continuar a varrer…”

*O texto acima data de 2015. Com o passar dos anos e dos governos, não houve maior conscientização da população ou, ouso dizer, piorou e, muito principalmente, com o advento do Negacionismo como tática política, patrocinada por um projeto de Poder que inclusive afetou o país mais influente do planeta. Para azar do resto da Terra. Apenas para marcar o quanto, o Secretário da Saúde nomeado pelo presidente eleito é uma pessoa que abomina o uso de vacinas, a ponto de um surto de Sarampo se alastrar pelos EUA, ameaçando ultrapassar as suas fronteiras. Será que no futuro alguém acreditará? Teremos futuro?

Foto por Thapelo Boateng em Pexels.com

14 / 02 / 2025 / Sobre Pragas*

Nesta mesma época, em 2020*, publiquei o texto abaixo, em plena vigência da Pandemia de Covid-19. Como a replicar a atual realidade, só que na parte de cima no Mapa Mundi, vemos acontecer a mesma gerência da realidade como se, por sortilégio dos deuses, um senhor tangerina de parca capacidade administrativa imprime uma visão de mundo como se brincasse de joguinhos de dominação, a narcísica criatura buscasse manipular a ordem com atitudes violentas — anexação, deportação, invasão, destruição.

“Eu sei que tem muita gente gostaria de um Corona Vírus para apimentar a nossa vida de perigo. Não precisamos. Vivemos em um País com péssimo Saneamento Básico, causador de doenças endêmicas; crescimento de mortes por Dengue e Chikungunya; a volta da Paralisia Infantil, Sarampo e da Tuberculose, por falta de vacinação, resultado de pura ignorância estimulada pelas Redes Sociais — assim como ‘adquirimos’ este desgoverno —, que cogita diminuir a assistência aos doentes de AIDS, que resultaria no aumento de casos de doenças oportunistas, principalmente daquelas que se aproveitam de pessoas que não se previnem ou estão desassistidas por políticas públicas de saúde deficientes. O portador de AIDS normalmente se cuida, toma precauções e se medica convenientemente, segundo mostra estudos recentes. O comportamento de risco geralmente se dá por parte daquele que se considera eleito pelos deuses, geralmente ‘homens’ socialmente aceitos como acima de qualquer suspeita — os piores — que transmitem doenças às esposas, alheias a vida dupla de seus companheiros. Para piorar, a base de tudo — a Educação — que desenvolve cidadãos mais conscientes e aparelhados de conhecimento para sanear a Sociedade do lixo mental e da desinformação, está sendo alvo de um processo silencioso e paulatino de desmonte. O desinvestimento nessa área se inicia desde a infância, com a retirada de verbas para creches. Como estudante de História, parece que estou vendo acontecer no cotidiano uma representação de fatos antigos, de séculos passados, que julgava ultrapassados para este novo milênio. O que surge como exercício de distopia — um dos temas preferidos pelos escritores — está sendo reeditado como obra de péssimo autor. Já estou a prever a procissão de hordas de convictos caminharem, por ordem superior, até a beira da Terra plana para saltarem para o Infinito…”.

Foto por Julissa Helmuth em Pexels.com

05 / 01 / 2025 / Sobre Meninos E Homens*

De antemão, já aviso que este texto pode parecer para alguns um tanto escatológico. No entanto, o que relatarei a seguir fala sobre algumas intimidades masculinas e, por extensão, sobre as nossas deficiências e eficiências em sermos tão patéticos. Eu me lembro de meu pai dizendo que se surpreendera certa vez com um peido inesperado de minha mãe e exclamou: “Nossa! Pensei que as mulheres fossem divinas!”. Evidentemente, todos nós, como seres humanos normais, animais que somos, estamos sujeitos a arrotos e flatulências. Inclusive, é comum entre os garotos, competições desse tipo de manifestações fisiológicas, além de cuspe ou esporro à distância, o que em último instância, demonstra admirável autocontrole. Sim, mulheres — mães, namoradas, esposas e amigas de homens — nós somos nojentos! Nem todos, obviamente. Eu mesmo, nunca quis participar desse tipo de torneio ou mesmo de troca-troca. Mas não me deixava de causar certa invejinha não conseguir ser solto o suficiente para tanto. No máximo, jogava bolinha de gude na terra onde gatos e cães faziam as suas necessidades (o que me ajudou a aumentar a minha imunidade), porém eu não era tão bom assim no jogo.

Eu adorava jogar futebol e apesar da minha inaptidão física e estilística, era esforçado e através de solitários e intensos treinamentos, melhorei bastante os meus fundamentos. O que me faz lembrar que o esporte favorito dos meninos quando descobrem a sexualidade é a masturbação. É uma prática costumeira, eu diria, costumeiríssima. E a prática leva à perfeição! Mães, se querem que os seus filhos não mintam, nunca perguntem porque o espinhento demora tanto no banheiro. E se masturbar não se resume apenas à adolescência. Também é um exercício costumeiro mesmo entre os adultos e homens já esposados. Homens sozinhos recorrem a esse recurso bem como os casados. Mulheres, não achem que seja algo estranho. Saibam que isso garante a fidelidade de corpo dos seus cônjuges em muitíssimos casos. Já não posso garantir sobre a fidelidade na imaginação…

Tudo isso para dizer que há poucas diferenças entre meninos e homens. Talvez, o tamanho. Talvez, a perda da inocência. Talvez, a esperança de ser feliz como um passarinho quando voa, tal e qual ele foi na infância. Mas quem estiver atento, pode perceber o brilho no olhar do homem, como se fora um garoto, quando adquire um carro (brinquedo) novo, quando joga bola no domingo com os amigos ou quando recebe a benção de sua mãe. Muitas vezes, será por causa desse menino ainda existente no homem que uma mulher o amará…

*Texto de 2015

Foto por Omar Ramadan em Pexels.com

A Camisola

o descaso distancia as pessoas como se vivessem
em mundos diferentes
não quero que esse descaso me abrace
a ponto de viver longe de mim
quantas vezes não me surpreendo em me rever
diferente do que imagino ser?
se eu perdoo qualquer um ao se sentir impróprio
não devo me perdoar?
o que sinto é uma tremenda compaixão pela fraqueza
ou isso será capacidade de ser fiel à mim mesma?
para isso acontecer fiz um caminho penoso mas muito simples
não mentir para mim foi o primeiro passo
mas não deixo de desejar estar com outro
nele visto a fantasia como se nascesse com ela
a minha pele a lavo e a perfumo
estendo a camisola de seda que vestirei
leve como o ar que respiro
no quarto escuro
é quando vejo melhor abraço a minha fantasia
passearei com ela pela madrugada afora
a de hoje é de estar com dois
sei que farão o que me dará prazer
luminescentes vibram ao meu toque

separo três taças de vinho
levanto a camisola
e os deixo tocar as minhas reentrâncias
brinco com a possibilidade de me evitarem
de meu braço se distanciar a minha mão não tocar
o sino que me acordará para o gozo
quero fluir em rios de aventuras
meus brinquedos são melhores que homens
preocupados em serem dominadores
em troca de carinhos
eu era estuprada e fingia orgasmo
quase sempre

quase sempre
respondia com beijos desencarnados
salivados em seus paus desidratados
logo queria que fossem embora
que me deixassem só mais só
do que quando me encontravam
desisti de me entregar a estranhos seres
morfologicamente machos
instintivamente monstros
preferi me tornar só minha…

Foto por alirezamani wedding team em Pexels.com

BEDA / Dia Do Amor

Eu nunca cri no Amor. Ou melhor dizendo, nunca cri no Amor romântico. Sem sair do lugar comum, um exemplo da força do Amor senti vibrar em minhas fibras através da Dona Madalena, minha mãe. Ela foi importante para entender que havia essa energia que impulsiona as rodas da História. Mas não, não sou daqueles que acreditam que “Amor, só o de mãe”*. Duas ou mais pessoas podem desenvolvê-lo de forma salutar, sem o envolvimento de sentimentos negativos que surgem no rescaldo do incêndio que podem provocar se não forem conscientes. Ainda que a “consciência” total do que sentimos tenha significados múltiplos que desconhecemos conscientemente.

Ouço o meu Grilo Falante quase urrar de tanto rir, mas SEI que sem o Amor sequer existiria seres humanos caminhando pela face da Terra. O poder do Amor é tão grande que tanto Ódio espalhado não prevalece e cause a extinção da espécie humana. Tenho por mim que grãozinhos dessa energia tem impedido que montanhas de maus sentimentos produzidos a esmo progridam em proporção geométrica e destruam continentes inteiros num átimo.

Porém, a contradição maior reside justamente na instituição o Dia do Amor. Contido nas 24 horas do dia 14 de fevereiro – Dia de São Valentim – quando se comemora o Dia dos Namorados na Europa e Estados Unidos. São Valentim originalmente foi um Bispo da Igreja Católica que celebrava casamentos clandestinos. Viveu no Século III, marcado por seguidas guerras. O Imperador Cláudio II proibiu o casamento de soldados, supondo que sem ter famílias para quais voltarem, tornavam-se melhores combatentes. Preso e condenado à morte, Valentim recebia cartas e flores de pessoas agradecidas por tê-las unidas com a benção divina. Acabou por se apaixonar pela filha cega de um carcereiro. Milagrosamente, a fez enxergar novamente. Em 269 D.C., a 14 de fevereiro foi executado, deixando uma carta para seu objeto de amor romântico se despedindo com a frase: “De seu Valentim”. Em 496, o Papa Gelásio o declarou Santo. A intenção era que seus feitos fossem recordados, incentivando a união de casais. Talvez, na tentativa de aumentar o rebanho de fiéis. Duvidam?

O interessante é que o Amor, em sua concepção mais profunda, nunca foi o principal motivo para a união dos casais no decorrer do desenvolvimento da Sociedade. Outros interesses entravam na conta de pessoas que buscavam a associação familiar. Talvez, nas classes econômicas menos abastadas o interesse romântico perdurasse sobre o material, mas certamente nas classes mais aquinhoadas e nos setores dirigentes, o Amor atrapalhava mais do que ajudava. Não era incomum que nessas esferas os acordos propusessem que relacionamentos independentes fossem aceitos para satisfazer ao sentimento de mútuo pertencimento por Amor. Alguns diriam que a Paixão, ingrediente que embaralha o entendimento das pessoas, estimula o aumento da frequência cardíaca e acelera a velocidade da corrente sanguínea – sintomas desequilibradores de ordem física – seja mais preponderante em detrimento da atração pela beleza espiritual da parceria.

Não tem como quantificar nas forças envolvidas num relacionamento, quais são mais ou menos relevantes. O que sei é que a mulher, parte “fraca” no elo engendrado no Patriarcado, encontrou maneiras de fazer prevalecer os seus desejos e preferências em vários níveis, incluindo o sexual. Não foi incomum (assim como não é) que filhos de vários homens fossem e sejam de outros progenitores fora da equação matrimonial tradicional, ou por lado, é um dado mais tradicional do que não.

Gerado no Pathos, a voragem do desejo, ao qual frequentemente chamam de Amor, torna tudo muito confuso. Tanto que as regras do relacionamento monogâmico obedecem a critérios que tentam preservar a estrutura da Sociedade intacta diante de algo que não obedece a regramentos. Quando a pele ou o olhar ou ambos interferem no arranjo “ideal”, os contratos ficam em perigo de serem cumpridos. Leis foram criadas para impedir que os seres humanos, animais sociais, saiam por aí se confraternizando uns com outros, de múltiplas etnias, de diferentes crenças, novos e velhos, gêneros e identidades diversas em profusão. Talvez, caso ocorresse essa supressão dos sentidos controlados com multas, prisões e, a depender da Cultura, até a morte, não chegaríamos até aqui… o que poderia até ser bom, diante do que temos hoje como constituição social.

*Eu era ainda bem jovem e, um dia, ao subir para o ônibus que me levaria para casa, encontrei um tipo muito mal-encarado sentado na última vaga livre que ficava em um banco duplo. Ele estava de cabeça baixa e eu não tive coragem de pedir licença para me sentar junto à janela. O que até hoje se mantém de forma indelével em minha mente é uma tatuagem disforme feita em seu braço, em tinta azul, o qual um coração perfurado por uma flecha, indicava uma frase logo abaixo: “Amor, só de mãe!”.

Imagem: Foto por Designecologist em Pexels.com

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Roseli Peixoto / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi