quando percebi a brisa se aproximar tocando arvoredos balançando folhas beijando flores espalhando perfumes vi que inspirava gentes expirava beleza ainda bem que meus versos não buscam rimar e já há algum tempo decidi não mais remar ao contrário da correnteza deixei a janela aberta entraram vento ventania raios solares derrubaram prateleiras venceram patamares queimou a minha pele com sopros flamejantes tornou significados ocultos em claros significantes acrescentou desejares subverteu pareceres mostrou que eu queria o que não imaginava querer como advogar inocência se perdi por vontade o senso? agora ouço estrelas mergulho em águas profundas sem tanques de oxigênio para respirar um hiato sinto o meu coração bater fora do peito os meus olhos não enxergam o horizonte imediato suspira por um futuro do pretérito imperfeito saudade de algo que de acontecer não tem jeito mas vivo o desejo que me consome e essa falta também é viver talvez a faceta mais intensa do meu ser.
Imagem da matinê de terça-feira de Carnaval de 2023
Terminado mais um evento, neste caso, a matinê de terça-feira de Carnaval, começamos a desmontagem do equipamento, item por item. Exitoso, esse trabalho é feito com calma e por etapas. Toda a estrutura é formada por equipamentos como caixas e mesa de mixagem de som, amplificadores, pedestais e microfones, cabos de conexão de sonorização e iluminação, estruturas para os spots de luz e outros tantos detalhes que compõem a complexa aparelhagem que é utilizada para efetivar uma apresentação que busca levar entretenimento e alegria ao público que, mais do que espectador, é participante da festa num evento como é o baile de Carnaval. O clube no qual cumprimos nossa função de prestadores de serviço nesse setor que foi um dos mais prejudicados pela chegada da Pandemia de Covid-19 (por incentivar a aglomeração), ficava próximo a um dos logradouros mais procurados pelos foliões que esperam a passagem dos blocos de rua, um fenômeno cada vez mais popular em São Paulo. O ano 2023 como reinaugura o Carnaval, após dois anos de paralização.
Gosto da minha atividade, filha do circo mambembe — aquele que vai de cidade em cidade — montando e desmontando a lona sob a qual a vida se fantasia de espetáculo a ser admirado. Tenho consciência que passa por nosso manejo a melhor expressão do artista em suas múltiplas dimensões. O eventual sucesso que é obtido pelo músico, cantor, ator, bailarino tem embasamento em nosso esforço mais apurado. Ganho para isso, mas não me sentiria minimamente realizado se o evento que venha a realizar não vier a obter êxito, que é tradução da atuação do artista em aplauso — a moeda corrente mais importante para ele — ainda que também venha a ganhar financeiramente com isso.
Devido ao meu percurso pessoal, sei que não sou exatamente o tipo que seja visto a atuar nesse meio. Mas não sou o único “exemplar” do sujeito que tem uma formação de terceiro grau e goste de “por as mãos na massa”. Carrego um orgulho, que alguém poderia chamar de enviesado, de ser “peão”, ainda que do próprio negócio. Estar na minha posição me dá oportunidade para que possa observar a vida acontecer sem precauções de terceiros. Participo de festas em que o uso de “desbloqueadores comportamentais”, como bebidas etílicas, propicia o relaxamento do comportamento das pessoas em situações limites. Faço uso do meu posto de “observador social” para buscar desvendar os mecanismos por trás de certas atitudes. Festejar talvez tenha algo a ver com esgarçar a linha que separa o permitido do permissivo. Não é a situação que se observa numa matinê como as que fiz no domingo e na terça-feira. Nessas ocasiões, encontramos pais saudosos de suas juventudes tentando transmitir aos filhos a alegria que sentiam, em um ambiente controlado, se fantasiando, cantando, dançando. Ou apenas participando, se satisfazendo ao ver os filhos brincando inocentes entre confetes e serpentinas.
Após terminarmos a desmontagem, a operação a ser realizada é o de carregar o equipamento até o transporte. Havia duas opções: uma mais tranquila e rápida — levar com os carrinhos que dispomos os itens até o veículo que estacionaria a dez metros de distância — e a outra, mais demorada e longa, carregar cinquenta metros distante o equipamento até o portão de entrada. Normalmente, não pediríamos que o veículo fosse até a lateral do palco. Nesse clube, devido à movimentação do sócios, isso não é usual. Mas como durante todos esses dias de Fevereiro tem chovido bastante e o clube estivesse totalmente esvaziado, o meu irmão pediu para o porteiro que permitisse levá-lo até lá para que o equipamento não molhasse. A resposta do porteiro foi bastante emblemática: “Infelizmente, vai molhar”. Em outra ocasião, nesse mesmo clube, uma resposta de outro porteiro deu ensejo que produzisse um outro texto: “Novas Novidades“.
Em outros momentos, já discorri sobre os vassalos do Sistema que sofrem do que eu chamo de “Síndrome do Jagunço“. É aquele sujeito que prefere agir como déspota no lugar do déspota, que interpreta ao pé da letra uma orientação do Chefe ou, às vezes, executam apenas a uma insinuação feita à esmo. “Ordem é ordem”, já ouvi dizerem. A mesma sentença professadas por nazistas ao serem inqueridos sobre a matança que os levaram a eliminarem milhões de Judeus, na Segunda Guerra. Por sorte, a chuva diminuiu e pudemos carregar apenas com alguma dificuldade para impedir que certos equipamentos não ficassem muito molhados. Em certo instante, o porteiro ficou nos olhando de sua posição, há uns trinta metros. Parei o que estava fazendo e o encarei, com o véu da chuva leve a nos separar. Intimidado, voltou para a sua cabine.
Terminado o carregamento, fui até lá e o informei que estávamos prontos para deixar o clube. Sem levantar os olhos, respondeu com um “certo” incerto. Quando viesse, a minha intenção era lhe desejar uma boa noite de plantão e dizer expressamente: “Obrigado pela solidariedade!”. Não pude. Demorou uns dez minutos até que chegasse uma moça que nos abrisse o portão. Bem educada, nos orientou na saída do veículo. Agradecemos com convicção e voltamos para a casa.
Lia CONFISSÕES, de minha autoria, lançada pela Scenariumlivros, quando fui interrompido por Arya. Como a guerreira de Games Of Trones, enfrentou a quase 100% fatal Cinomose e venceu. Apresenta alguns efeitos colaterais, mas muito poucos. No mais, é carinhosa e pede sempre carinho a quem puder. Gosta de gente e tem as unhas pintadas de preto mais bem feitas que alguém poderia ter. Antes de ser chamado para acarinhá-la, passava pela página 61, onde lia:
“No ônibus, apartado do mundo exterior, lia Vermelho Por Dentro. Uma das personagens declara que tinha coisas dentro de si que “se pudesse, enterraria-esqueceria-apagaria, mas que vez ou outra tudo emerge”, a afogá-la naquelas lembranças.
Como ‘nasci’ me sentindo culpado, qualquer coisa em minha vida adquire tons escuros-graves. Conjecturei que talvez não quisesse esquecer de situações e ações que me definiram como sou, ainda que não goste tanto de mim.
E, enquanto pensava essas realidades oferecidas lado a lado… como um comentário aos meus pensamentos, penetrou em minha redoma uma frase-bala-perdida que me atingiu no peito – não passei vontade… fui atrás do amor, onde ele estivesse!….
A autora-pessoa-personagem da vida real estava sentada no banco à frente, mulher de 40 – talvez – 50… longos cabelos brancos, com a altivez de alguém que sabe quem é. Conversava ao celular.
Eu, fui a vítima, nada inocente. Se existe alguém que se sente culpado por ter passado vontades não realizadas – esse sou eu. Mas, eu prefiro me arrepender do que fiz a me martirizar pelo desejo não realizado. O sentido de libertação que a vontade atendida expressa é inebriante. Como abraço o pecado original da culpa, o peso da satisfação pessoal tende a carregar a carga indesejada de incriminação.
Jovem ainda, fui aumentando a lista de restrições pessoais. Qualquer coisa ‘perigosa’, geralmente que envolvesse prazer – do sexo à gula, evitava. Deixei de beijar, tocar, namorar meninas que queriam me conhecer. Topavam com um indivíduo esquisito, que atraía-sorria-recusava com a desenvoltura de um paquiderme.
Chego a sentir horror daquele sujeito que oferecia a inocência de um ser amoral. Espero ter melhorado e me distanciado do cara que se feria por não dar vazão às suas vontades.
A mulher ao celular, demonstrou personalidade uma vez mais, ao dizer: ‘não vamos nos ver hoje‘. Queria ficar sozinha naquele dia. ‘Não!‘ – afirmou, sem se preocupar com quem a ouvia, afirmando com uma sutileza peculiar –, ‘não estou punindo ninguém! Apenas quero estar comigo...’.
Encantado com a postura-firmeza… acompanhei seu caminhar pelo corredor do ônibus e vi quando desceu – no ponto seguinte. Acompanhei em seu andar entre humanos, passo a passo. Não vi o seu rosto.
E ao chegar ao meu destino – Terminal Vila Nova Cachoeirinha – pus os pés no chão, sem as dores de anos vividos com unhas encravadas, consciente de que continuo a tropeçar em sentimentos dúbios…”.
Quando eu era garoto, adorava empinar pipas (papagaios, pandorgas…). No início, quando não tinha tanta habilidade ou recursos, aprendi a fazer “capuchetas”, com folhas de jornal. Ficava feliz quando encontrava um papel mais firme para fazê-las e era uma vitória emérita quando conseguia colocar uma no ar. Com o passar do tempo, aprendi a confeccionar pipas mais complexas.
Para tanto, tinha que conseguir um pedaço de bambu, que separava em varetas, que deixava na espessura, lisura, peso e flexibilidade ideais, com uma faca de cozinha mesmo. Preparadas, confeccionava a minha pipa, com linha, cola e a disposição ideal das varetas, no desenho e na distância necessária para que ela planasse de acordo com o perfil que desejava e a aplicação requerida — agressiva, para um combate no ar ou mais abrandada, simplesmente para vê-la voar. Escolhia o papel de “seda” na cor preferida, às vezes com sobreposições, feitas com cuidado para que a pipa não ficasse “pensa” — desequilibrada.
O “estirante” também contribuía para que a dirigibilidade não ficasse comprometida, além da “rabiola”, que tinha que ter o tamanho e o peso certos para que ela pudesse subir. A aspiração de todo garoto era conseguir comprar a linha “nº 10 – Coats Corrente” para empinar, além da lata de pêssegos em caldas perfeita ou outro enlatado de tamanho proporcional para que a enrolássemos.
Geralmente, depois de tanto envolvimento, acabava por dar um nome às pipas e sentimento de perda intensa quando a via partir devido a um rompimento da linha, pela força do vento ou por ser “cortada” por outra pipa. Apesar disso, nunca corri atrás de uma “mandada”, porém compreendo a descuidada busca por pipas perdidas. É comum vermos crianças de todas as idades correrem pelas ruas de forma imprudente, chegando a pularem muros e subirem em telhados. No “meu” tempo não havia tantos carros na periferia, mas cães bravos sempre foram onipresentes. Todo esse trabalho fazia parte do aprendizado da atividade de “empinar” pipas, o que conferia um prazer imenso ao vê-las ganhar os ares e uma dor equivalente quando as perdíamos.
Atualmente, para a maioria das crianças, vendem-se pipas prontas, feitas “em série”, sem envolvimento emocional ou desenhos diferenciados, a não ser pela exposição de logotipos esdrúxulos, que denunciam, antes de tudo, uma espécie de perda simbólica da inocência…
Sou Adão e sou fiel…
Tenho uma natureza fidedigna,
que preza o outro.
Porém, mais que ao próximo,
tenho a tendência em satisfazer
às minhas paixões…
Vivo a contradição –
como ser fiel a mim mesmo,
ao meu desejo,
ao que considero ser o melhor
ou mais gostoso para o meu ego
e manter-me fiel a quem me é amável,
sem feri-lo?
Não há como ser feliz sem magoar…
Ou magoamos a nós ou ao amado…
Muitas vezes, aos dois…
Prefiro o gosto da maçã
à inocência que ignora
o que é certo e o errado…
Que mérito eu teria
se não pudesse escolher?
Para justificar as minhas escolhas,
culpo ao outro por elas…
Dessa maneira, satisfaço
a minha curiosidade de criança mimada
e continuo a comer uma fruta após a outra,
até conhecê-las todas
e nomeá-las…
Para não dizer que minto (mais uma falta),
digo, em pureza d’alma:
sou fiel à minha traição…