Como Conheci A Tânia

Imagem de 13 de Maio de 1988. Participação especial da Romy, nossa primeira filha, testemunha aninhada no útero da Tânia, aos cinco meses de gravidez.

Dois ou três anos antes de me casar com a Tânia, sequer a conhecia. Ela veio com a minha prima Vanir e a amiga Neuza, de Volta Redonda para São Paulo, com o objetivo de realizarem testes de admissão em hospitais da capital paulista. Vanir era filha do tio Manoel e da tia Ermelinda, irmã mais velha de minha mãe que, junto com o meu tio Benjamin foram os dois únicos dos sete irmãos Nuñez a nascerem no Brasil. O nosso tio Manoel era preto. Esse dado não teria nenhuma importância se não fosse um fato que marcou a tia Ermelinda aos 12 anos de idade, quando chegou no Porto de Santos, vinda de navio da Espanha, junto com outros quatro irmãos, nos anos 20 do século passado. Ela mesma nos disse que ao ver o primeiro homem preto de toda a sua vida, provavelmente um estivador, se assustou tanto quanto ficou impressionada.

Assim como era impressionante o nosso grande tio Manoel. Ele trabalhava na Siderúrgica Nacional e se distinguia pela inteligência, apesar do pouco estudo e, notadamente, por seu olhar penetrante. Eu gostava de ficar ao lado dele e ouvir suas histórias quando visitávamos a ele, a tia e os primos, todos muitos bonitos e enormes. A prima Vanir me adorava e quando me apresentou para a Tânia, se referindo a eventual beleza e personalidade do primo, a minha futura mulher depois me revelou que chegou a rir por dentro naquele momento. O sujeito que eu era, de cabelos desgrenhados e vestindo camisas postas ao contrário, calças sujas e um tanto bruto não era nem bonito e muito menos interessante. Ao vê-la, não me lembro de ter dito alguma coisa. Talvez tenha grunhido algo, não mais do que isso. Com certeza, aquela magrela com voz de taquara rachada não havia chamado a minha atenção.

As Técnicas de Enfermagem Tânia e Neuza passaram no teste para o Hospital Israelita Albert Einstein. A Vanir foi trabalhar no Hospital 9 de Julho. Acabou por residir com parentes em Suzano, município próximo. As outras duas moças foram morar temporariamente com a Dona Madalena, minha mãe, em um dos quartos disponíveis na casa que antes era ocupado por minha avó Eloisa, da qual minha mãe cuidava, que morrera um pouco antes. Eu continuei em nossa antiga casa, sozinho. Como a Tânia trabalhava bastante e fazia cursinho para fazer vestibular para o curso de Enfermagem, pouco a encontrava. Quando nos víamos, era comum acontecer um ou outro desconforto. Certamente, não nos simpatizávamos mutualmente. Depois de algum tempo, ela e a Neuzinha, se mudaram para um outro local. Não desgostavam da Dona Madalena, mas no mínimo achavam engraçado que minha mãe lhes fornecesse achocolatado barato e leite tipo C e pó de Chocolate do Padre e leite tipo B, para mim. Na época, eu era vegetariano e fazia uma grande quantidade de saladas de frutas, sopas de legumes e vitaminas que mal oferecia para as moças. Cortesia social não era o meu forte.

Passado o período inicial de ausência depois da mudança, em suas folgas, a Tânia voltou a frequentar a casa onde a minha mãe morava, principalmente quando não tinha outro compromisso. De vez em quando, nos encontrávamos. Um dia, se surpreendeu com um cara de cabelo aparado e vestido como gente. Aparentemente, descobriu que eu era o rapaz ao qual a Vanir se referiu. Por meu turno, passei a agir de uma forma mais cordial e gentil. Começamos a sair para irmos ao cinema e conversarmos. Começamos a nos entender e a sentir vontade de ficarmos mais tempo juntos. Até que começamos a namorar. De início, escondemos nosso caso. Mas…

… para ajudar, Dona Madalena teve a ideia de alugar a casa da família na qual apenas eu morava para a Tânia e a Neuzinha. Elas ficariam em um quarto e eu, no outro. Sem o conhecimento da minha mãe, os namorados passaram a dormir juntos. Quatro meses depois, não me lembro se nosso namoro fosse presumido ou não, me lembro de estar tomando um café na cozinha. Simplesmente saquei de um envelope o exame de ultrassom ao qual mostrei à minha mãe. Era a “imagem” do seu primeiro neto ou neta. Ela desabou em uma das cadeiras e começou a fazer perguntas sobre como tudo aquilo tinha acontecido. Acho que brinquei sobre o “como”, porém, tão assustado quanto da primeira vez que a Tânia me mostrou o exame, nem me lembro do resto da cena. Estabelecido o fato da gravidez, a movimentação de ambas as famílias foi no sentido de que nos casássemos o mais rápido possível. Mas essa é outra história…

Memorabilia*

Na foto mais antiga (final dos anos 70), Fofinha está no meu colo, meu irmão humano, Humberto, do lado. Na mais recente, de 2012, Domitila e Frida estão comigo.

O passar do tempo é algo que não se pode apreender, mesmo que o registremos com fotos, sons, imagens em movimento e outros quesitos de memorabilia. Sempre será difícil captar a intensidade dos sentimentos e emoções envolvidos na revelação de um fato ou época que já passou. Ainda que haja testemunhas, costuma-se obliterar detalhes e deixar escapar minúcias. Mas algo ainda há sempre de se perceber na construção da memória — colunas, tijolos, plantas e irmãos — de todas as formas.

*Texto de 2012

Escritores Homens

Homens que escrevem são diferentes de homens que não escrevem? Por terem a sensibilidade de manipular palavras na construção de mundos particulares que tentam explicar o mundo comum ou em comum com os outros seres viventes, serão mais abertos aos sentimentos mais nobres a ponto de serem especiais? Ou quando adentram nas zonas sombrias da mente humana, também são tão sombrios quanto criminosos comuns?

Um desses homens, Ernest Miller Hemingway, nasceu em Oak Park (Illinois), a 21 de Julho de 1899, foi um escritor  que trabalhou como correspondente de guerra em Madri durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Esta experiência inspirou uma de suas maiores obras, “Por Quem Os Sinos Dobram“. Ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi viver em Cuba. Em 1953, ganhou o Prêmio Pulitzer de Ficção por “O Velho E O Mar” e, em 1954, ganhou o prêmio Nobel de Literatura. Em 02 de Julho de 1961, se suicidou com uma espingarda, em Ketchum (Idaho), um pouco antes de completar 62 anos de idade e três meses antes de eu nascer.

Escritor genial e genioso, o filme baseado em seu romance homônimo — Por Quem Os Sinos Dobram — passado na televisão quando eu era adolescente, me apresentou Ingrid Bergman, por quem me apaixonei. Tanto que uma das minhas filhas ganhou o nome dela em homenagem. No filme, seus olhos faiscantes e cabelos curtos me deixaram atordoado. Fazia, aos 32 anos, o papel da jovem militante espanhola que luta ao lado da República, Maria, pela qual Robert Jordan, um americano que vai até a Espanha para lutar contra a ditadura, se apaixona. Sua missão é explodir uma ponte. Mas ao se apaixonar, começa a questionar sua perigosa tarefa e seu lugar em uma guerra estrangeira.

No romance, Hemingway usa como referência sua experiência pessoal como participante voluntário da Guerra Civil Espanhola ao lado dos republicanos e faz uma análise ácida, com críticas à atuação extremamente violenta das tropas de ambos os lados: os Nacionalistas, auxiliados pelo governo italiano e nazista alemão e os Republicanos, pelas brigadas internacionais e União Soviética Critica também a burocratização e o panorama de privilégios rapidamente instaurado no lado da República.

Mas, acima de tudo, o livro trata da condição humana. O título é referência a um poema do pastor e escritor John Donne, que se encontra na obra “Poems on Several Occasions” que em português intitulou-se “Meditações“. Invoca o absurdo da guerra, mormente a guerra civil, travada entre irmãos. “Quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade”. Em várias passagens do texto, os personagens se desconhecem ao desempenhar papéis bizarros que se veem forçados a assumir durante a guerra e fraquejam, ao ver nos inimigos seres humanos que poderiam estar de qualquer um dos lados da guerra.

Ao longo da vida do escritor, o tema do suicídio aparece com frequência em escritos, cartas e conversas. Seu pai se suicidou em 1929 por problemas de saúde e financeiros. Sua mãe, Grace, dona de casa e professora de canto, o atormentava com a sua personalidade dominadora. Ela enviou-lhe, pelo correio, a pistola com a qual o seu pai havia se matado. O escritor, atônito, não sabia se ela queria que ele repetisse o ato do pai ou que guardasse a arma como lembrança. Aos 61 anos, enfrentando problemas de hipertensão, diabetes, depressão e perda de memória, Hemingway decidiu-se pela primeira alternativa.

Todas as personagens deste escritor se defrontaram com o problema da “evidência trágica” do fim. Eu, pessoalmente, sou adepto pela opção do suicídio como direito, se a pessoa tiver plena consciência de seus atos. Como no caso da eutanásia, por doença sem remissão. Porém, creio que se deva buscar todas as alternativas possíveis até que alguém “são” escolha a morte como solução. Porém, não sou juiz a ponto de culpar quem o faça por considerá-lo covarde. Para muitos, na verdade suicídio é um ato de coragem. No caso de Hemingway estimo que tenha sido por pura vaidade… apenas não sei avaliar se é um motivo tão bom quanto qualquer outro.

Maratona da Interative-se de Maio, com

Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Alê Helga / Isabelle Brum

BEDA / Dia De Pais

Dia de Pais
Eu e Sr. Ortega

Sobre este domingo comemorativo, quis permanecer longe da voragem causada pela artificialidade de uma data instituída pelo mercado para alimentar o comércio. Manipular sentimentos é a melhor maneira que existe para estimular a compra de objetos que demonstrariam o quanto somos agradecidos a quem deveríamos homenagear. No mínimo, ajuda a amenizar a culpa que sentimos por alguma falta que cometemos a quem presenteamos.
No entanto existem datas que calam fundo, como a dos dias das Mães e a dos Pais. Essas datas acabam por expressar a ideia simples porém completa de início de tudo. Qualquer ser de organização celular mais complexa vivente neste planeta foi gerado por um(a) genitor(a). Pegos, assim, de uma forma tão primária em nosso âmago, não há como deixarmos de expressar algum tipo de emoção quanto a estes dias.
O meu sentimento é contraditório. Tenho filhas que me realizam como gerador de vidas que fizeram, faz e, tenho certeza, ainda farão diferença na existência de quem tiver a boa sorte de encontrá-las. Eu as amo por isso e porque as amo independentemente de qualquer coisa. Quanto ao meu pai, a dubiedade se aplicava de maneira exemplar. Quando estava vivo, ficava meses sem vê-lo. Morávamos perto, caminhava por lugares que eventualmente passava, entretanto quando estávamos juntos, sentíamos certo distanciamento.
Quando houve a cisão definitiva entre ele e minha mãe, que fisicamente também já passou, deixei de tê-lo mais por perto. Com a deterioração de seu estado de saúde e eventual proximidade de seu desenlace, comecei a pensar muito nele e nos momentos que me lembrava (não foram tantos assim) em que vivemos certa comunhão emocional, a maior parte de cunho negativo. Sentia que ele não estaria fisicamente muito mais tempo entre nós e intencionava visitá-lo, ver como estava. Talvez para protagonizarmos outra e possível última discussão. Não conseguia evitar me indispor com ele e preferi não fazê-lo. Fui vê-lo apenas morto.
Frequentemente digo para alguns que o utilizo meu pai como um exemplo a não ser seguido, principalmente quanto a ser um pai presente. Se bem que presença pessoal nem sempre seja indicativo de qualidade. Agradeço a ele que tenha proporcionado subsídios para que eu e meus irmãos tenhamos casas onde morar. Contudo filhos são exigentes e querem sempre mais. Desejava que não quisesse me ver como um mero apêndice de seus ideais e vontades.
Ele esquecia-se que ou não aceitava que, apesar de filhos da carne, não somos compulsoriamente filhos do espírito. Que ele não visse que honrar pai e mãe não era pensar o mundo como ele projetava. Que a partir do momento que os trazemos ao mundo seres aos quais damos suporte – casa, comida, vestuário, escola, educação (algo diferente de escola) e (hipotético) amor –, ao mundo eles pertencem. Lugar comum, todavia verdadeiro.
Por poucos anos, tive uma convivência normal com o Sr. Ortega. Ele era um homem elegante, com tez amorenada e os olhos puxados, devido a sua ascendência indígena. Eu me pareço mais com meu avô, “Seu” Eustáquio Humberto, mas não são poucas as vezes que o vejo em mim, no espelho, e o ouço reproduzido em minha voz. Ainda que afastado de nós, desejava que meu pai que estivesse bem consigo mesmo, já que essa fora sua escolha desde o início. Presente em minha mente-tempo-espaço, o homenageio, mesmo que de modo torto, como progenitor da família que formamos um dia.