14 / 07 / 2025 / Pela Janela

Pela janela observo o Passado à vista do Futuro.
Estou presente.
Mas nunca estaciono a mente no momento.
Sempre me sinto deslocado.
Quem eu imagino ser?
Aquele que passa…
Passeio pelas passarelas que atravessam vias abaixo.
Transitam monstros transcendentes
de bocas pequenas,
melhores que tantos cheios de enormes dentes.
Dementes.
Mas continuo a ver que a vida se expressa de miríades maneiras,
assim como as estrelas brilhantes,
ainda que muitas, já mortas.
É como relembrar o beijo de um amor de nossa juventude.
Que se foi…
Pela janela, a transparência é opaca…
Minha alma se sente oca.
Mas plena de vazios, carrega possibilidades de ser…
Que seja o que acontecer…

Registro fotográfico de 2018. Arquivo pessoal.


BEDA / Brisa Vento Ventania

quando percebi a brisa se aproximar
tocando arvoredos balançando folhas
beijando flores espalhando perfumes
vi que inspirava gentes expirava beleza
ainda bem que meus versos não buscam rimar
e já há algum tempo decidi não mais remar
ao contrário da correnteza
deixei a janela aberta
entraram vento ventania raios solares
derrubaram prateleiras venceram patamares
queimou a minha pele com sopros flamejantes
tornou significados ocultos em claros significantes
acrescentou desejares subverteu pareceres
mostrou que eu queria o que não imaginava querer
como advogar inocência se perdi por vontade o senso?
agora ouço estrelas mergulho em águas profundas
sem tanques de oxigênio para respirar um hiato
sinto o meu coração bater fora do peito
os meus olhos não enxergam o horizonte imediato
suspira por um futuro do pretérito imperfeito
saudade de algo que de acontecer não tem jeito
mas vivo o desejo que me consome
e essa falta também é viver
talvez a faceta mais intensa do meu ser.

Foto por Harrison Haines em Pexels.com

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi

O Navio*

Vivemos no Largo do Arouche, centro de São Paulo, até os meus cinco anos de idade. Do apartamento no Edifício Coliseu, apenas me lembro do corredor onde pedalava meu carrinho de metal com uma estrela no capô e da entrada do apartamento. Um amplo sofá boia solto na minha memória real, além dos fantasmas com os quais convivia em minhas aventuras de soldado do Exército. Parece que desde então vivia a sonhar que voava, o que quase aconteceu por pouco quando ascendi ao parapeito da janela do décimo segundo andar. Fui impedido por meu avô, que me agarrou a tempo de “voar”.

Minhas lembranças da infância mais presentes estão vinculadas ao qual chamávamos de Porão, abaixo da imensa casa do meu Tio José, que empregou meus pais na fábrica de autopeças. Eu dormia junto à janela que dava para a garagem da casa e sua forma arredondada era parecida com as dos navios dos filmes que assistia. Logo, aquele canto se tornou o tombadilho de onde conduzia minha cama-barco-de-armar mar adentro, enfrentando tempestades, raios e trovões para levar-me a salvo até a ilha-cozinha, onde me sentia confortável em ver minha mãe preparar a comida. Adorava vê-la encher a mamadeira de café com leite, a qual tomei até os seis anos, pelo menos, pela manhã.

Era recorrente eu desenhar o navio que me conduzia meninice a frente. Em terra firme, na Vila Esperança, aprendi a jogar bolinha de gude, empinar pipa, jogar futebol. Também aprendi as primeiras letras, desenhadas no caderno de brochura, sem obedecer às linhas laterais. O que começava em uma página, terminava na outra. Fiz por iniciativa própria e quando mostrei à professorinha da escola infantil, me lembro dela chorar como se eu tivesse cometido uma imensa travessura… Ganhei um beijo estalado no rosto. Talvez, tenha sido ali que tenha desistido de ser marinheiro…

*Texto produzido em 2020 nas atividades do Curso de Narrativas Na Primeira Pessoa, ministrado por Lunna Guedes.

Foto por Igor  Dudkovskiy em Pexels.com

BEDA / A Janela*

Vivia o homem em cavernas e as desejava protetoras, sem possibilidades de serem devassadas. No escuro segredado por elas, desenhava em suas paredes o mundo que acontecia lá fora. Com a evolução dos grupamentos humanos que foram se tornando em gregários, na sua grande maioria, as habitações foram sendo construídas para atender as necessidades específicas de cada grupo. E ter janelas — comunicação visual com o mundo exterior — pareceu ser uma solução perfeita para muitos deles.

De simples recortes na madeira ou buracos nas paredes de pedra, o homem passou a criar janelas mais sofisticadas em variações de formatos, tamanhos e soluções para devassar o mundo o mantendo protegido do sol, da neve, do vento ou da chuva. Em alguns lugares, como em igrejas, vitrais tinham a intenção de jogar luz para o interior da nave, criando imagens coloridas pelo reflexo que buscavam uma experiência visual transcendente de religiosidade e misticismo.

Tão aferrada à captação da realidade pelos olhos humanos, as janelas foram adaptadas para as máquinas desenvolvidas para transportarem o homem. Navios, veículos automotores e aviões precisaram apresentar esse item muito mais pela necessidade de contato visual do transportado do que pela praticidade. A não ser pelos veículos que são conduzidos por quem os dirige, quem confiaria entregar sua vida nas mãos de um condutor de “olhos fechados”?

Complementares às janelas envidraçadas, surgiram as cortinas para obstar a luz excessiva, proteger o interior da casa de olhares indiscretos, embelezar a moldura da janela, entre outras funções. Cortinas dão um toque de requinte e aconchego, muitas vezes retratados em desenhos infantis, como os que eu mesmo fazia em criança. Cortinas são tão perfeitas para as janelas que se não soubéssemos que estas surgiram antes, poderíamos dizer que elas só existem para poderem abrigar àquelas…

Dessa forma, quando passo em frente à loja d’A Janela — Cortinas, sorrio sempre, como se me sentisse portador de uma estranha sabedoria, como se desvendasse cada segredo abrigado por trás de cada cortina de cada janela, guarnição adentro…

Imagem: Foto por Marta Wave em Pexels.com

*Texto de 2015

Participam do B.E.D.A.:

Lunna Guedes / Cláudia Leonardi / Mariana de Gouveia /

Darlene Regina / Adriana Aneli / Roseli Pedroso

BEDA / Scenarium / O Navio*

Foto por Miguel u00c1. Padriu00f1u00e1n em Pexels.com

Minha família viveu no Largo do Arouche, centro de São Paulo, até os meus cinco anos de idade. Do apartamento no Edifício Coliseu, apenas me lembro do corredor onde pedalava meu carrinho de metal com uma estrela no capô e da entrada do apartamento. Um amplo sofá boia solto na minha memória real, além dos fantasmas com os quais convivia em minhas aventuras soldado do Exército. Parece que desde então vivia a sonhar que voava, o que quase aconteceu por pouco quando ascendi ao parapeito da janela do décimo segundo andar. Fui impedido por meu avô, que me agarrou a tempo.

Minhas lembranças da infância mais presentes estão vinculadas ao qual chamávamos de porão, abaixo da imensa casa do meu Tio José, que empregou meus pais na fábrica de autopeças. Eu dormia junto à janela que dava para a garagem da casa e sua forma arredondada era parecida com as dos navios dos filmes que assistia. Logo, aquele canto se tornou ao mesmo tempo minha cabine e tombadilho de onde conduzia minha cama-barco-de-armar mar adentro, enfrentando tempestades, raios e trovões para levá-lo a salvo até a ilha-cozinha, onde me sentia confortável em ver minha mãe preparar a comida. Adorava vê-la encher a mamadeira de café com leite, a qual tomei até os seis anos, pelo menos, pela manhã.

Era recorrente eu desenhar o navio que me conduzia meninice a frente. Em terra firme, na Vila Esperança aprendi a jogar bolinha de gude, empinar pipa, jogar futebol. Também aprendi as primeiras letras, desenhadas no caderno de brochura, sem obedecer às linhas laterais. O que começava em uma página, terminava na outra. Fiz por iniciativa própria e quando mostrei à professorinha da escola infantil, me lembro dela chorar como se eu tivesse cometido uma imensa travessura… Ganhei um beijo estalado no rosto. Talvez, tenha sido ali que tenha desistido de ser marinheiro ao perceber que um barquinho de papel me levaria bem mais longe…

*Texto produzido por ocasião do Curso Narrativas Na Primeira Pessoa, da Lunna Guedes.

B.E.D.A. — Blog Every Day August

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Lunna Guedes