05 / 01 / 2025 / Os Impulsos Da Bethânia

Bethânia foi resgatada em dia de chuva. Abandonada à própria sorte, parecia estar em busca de ajuda, pequena feita um rato orelhudo, esquisita por certos padrões, quando chegou em casa, tomou um banho, após comer algo, lhe ofereci o primeiro colo. Adormeceu profundamente. Desde então, tornou-se ligada a mim e eu, a ela. Na minha ausência de um mês no início de 2021, era dela que sentia a maior falta. Com os seres humanos, conversava diariamente. Com ela, apenas conexão mental.

Crescida, foi demonstrando o seu ciúme, superprotetora, a ponto de dormir à porta do quarto do casal. Isso, quando não nos descuidamos e a descobrimos entre as cobertas pela manhã. Sofre muito com o frio. Tem o pelo curto e, muito musculosa, tem pouca gordura. Exímia saltadora, utiliza a mureta da varanda para acessar a laje da vizinha, minha irmã, andando feito cabra montanhesa por sua beirada. De lá, observa o movimento da rua abaixo, denunciando a passagem de cães intrusos.

Fixada em pedras do jardim, costuma colecioná-los, tendo a sala como ponto de exposição. Ultimamente, apaixonou-se por bolinhas com as quais brinca quando as deixa no alto da escada até vê-los cair em sua direção. Mesmo adormecida, procura se certificar de que não fiquem longe de sua atenção. Impulsiva, “cheia de manias, toda dengosa”, ocupa o nosso dia com as suas expressões quase humanas e latidos ricos em referências e significados. Sincera, fala pelo olhar muito mais do que certas pessoas. Quase diria que é o meu ser senciente favorito…

Post Scriptum: esqueci de seu pendor para roer zíperes das almofadas. Reclamação constante da Tânia, que agora mesmo está consertando mais uma de suas proezas.

O Descanso

pão
Penélope / Penelopão / Pão

A Penélope descansou. Seu enorme coração parou de bater nesta madrugada. Fiquei ao seu lado até o ultimo suspiro. Sua respiração foi ficando cada vez mais ofegante, até diminuir e cessar. Seus olhos, os mesmos que estavam embaçados pela idade, porém que ainda assim buscavam divisar qualquer sinal de petiscos em nossas mãos, se fecharam para sempre. Durante o tempo todo, eu segurei sua cabeça e a acarinhei. Enquanto isso, lembrava que chamegos na cabeça e nas costas eram as únicas coisas que gostava mais do que comida. Era como se lhe alimentassem a alma. Ela gostosamente se espichava toda e dava o “sorriso” que lhe caracterizava.

A sorridente “Penelopão” chegou ainda nova em nossa casa, mas já grande o suficiente para ocupar um espaço importante na vida da Família Ortega. Ela acompanhou o desenvolvimento das três adolescentes – RomyIngrid e Lívia – até as moças ficarem cada vez mais ausentes, ocupadas de seus afazeres adultos. Os dois últimos anos foram os mais difíceis e houve episódios que pensamos que ela nos deixaria a qualquer instante. Diagnosticado o câncer, tomamos medidas para que fosse mantida em casa, com assistência e cuidados constantes para minimizar o desconforto e as dores, com a orientação da Tânia.

Nesse período, suas patas não conseguiam mais sustentar seu pesado corpo com eficiência, mas ainda encontrava forças em algum lugar para se erguer e ir de encontro às pessoas que chegavam, as quais recebia – qualquer uma – com sua cauda a dar boas vindas. Ultimamente, reclamava quando ficava sozinha na sala, cozinha ou quintal. “Para, Penélope! Estamos aqui!” – Depois de reclamarmos da “véia”, lá íamos nós a ajudar a insistente a se levantar e caminhar até onde estávamos. Tomávamos cuidado para não apertar seu corpo em algumas partes mais doloridas.

Esse ser, todo amor, deixará como legado a paciência com que recebia as novas moradoras caninas, que logo se afeiçoavam àquela labradora que protegia as novatas das outras companheiras de quintal. Mãezona, era também menina, sempre disposta a brincar e a passear. Adorava banana, maçã, abacaxi, cenoura… bem gostava de quase tudo. Não dispensava um pedaço de pão, que só introduzimos na dieta para dar o remédio que precisava. Na verdade, ela tinha fome de viver.

Sentiremos falta de seus chamados-latidos. O silêncio de sua ausência será, por um bom tempo, ensurdecedor. Sua marca, em nossas vidas, eterna…