29 / 03 / 2025 / Farfalla

Farfalla cumpre o destino
após tanto tempo no casulo autoimposto
não se faz de rogada Farfalla fala
nasci neste dia quero festa quero cumprimentos
não desejo votos de isentos
desejo beijos ainda que distanciados
quereres bem-intencionados  
calor humano
a suplantar o calor deste litoral
em que voo sobre as águas sob o Sol
sou amiga sorridente bailarina no jardim
absorvo o néctar de flores
enquanto me afasto das lembranças de dores
revoo aprecio a paisagem que me renova
volteio não fico no meio alcanço as fronteiras
sou da vida bela ainda que dela nada se leve
sou leve asas abertas passeio por multicores
de plantas absorvo doces fragrâncias
escrevo o meu caminho em poemas
em cantos em danças em delicadezas
um dia pousarei hoje não que não quero
descansarei ao raiar do dia de nova hora
cercada pela flora sonora de abelhas que lhes beijam
ao cintilar solar da aurora…

Foto por Joseph M. Lacy em Pexels.com

15 / 01 / 2025 / Os Solitários

Em 15 de Janeiro de 2019, escrevi: “Hoje, volto para São Paulo e me despeço deste meninão, Fred. Jovem, três ou quatro anos, já passou poucas e boas — atropelamento, tentativa de homicídio — mas segue em frente, com sua voracidade de viver. Saía à noite com ele para andar junto ao mar e a explorar as redondezas, a farejar cada recanto e a registrar sua passagem com seu cheiro. Não gosta de outros cães e muito menos de carros e motoqueiros, a demonstrar que uns e outros são lembranças de seu sofrimento. Porém, gosta de gente à pé, portanto, desarmada. Enfim, é um ser contraditório como todos nós, humanos. Como dois solitários que estávamos ou somos, passamos a nos compreender. Até a volta, meu amigo!” #amigosnaturais

Post Scriptum: Atualmente, o Fred mora com a minha irmã, na casa ao lado. Resgatado de onde estava, sofrendo com maus tratos, ele e o Marley são seus leais companheiros. Cada vez que passo por lá, ofereço um carinho recebido com a disposição do meninão que sempre foi.

12 / 01 / 2025 / Encontro Calado

voltei a encontrá-la
estava entre amigos
ainda que não quisesse
beijei o seu rosto abaixo a luz difusa
de seus olhos de entornos vincados
visíveis apesar da maquiagem
exprimiu um sorriso sem dentes
eu invadira o seu espaço de forma brutal
sabia que a incomodava
com o meu cheiro de antigo amante
o qual fazia questão que mantivesse
sem perfume fantasia industrializado
gostava de cheirar meu pelos
beijar a minha boca de língua intrusa
que descia por pescoço colo mamas pequenas
umbigo perfeito
e triângulo das bermudas
coxas joelhos e pés
que expunha o seu coração de joelhos
costas musculosas ombros que segurava
meu mundo de homem
foi um encontro calado sequer um “tudo bem?”
mas o rumor que ainda percorre por minhas veias
de lembranças alardeia que nunca a esquecerei…

Foto por Cameron Casey em Pexels.com

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Quinquilharias

Estou cercado de quinquilharias. Quando jovem, imaginava que viveria à margem da Sociedade, uma vida alternativa em que não precisasse de penduricalhos para me afirmar como pessoa. Eu estaria sempre em trânsito, mochila nas costas, usufruindo da Natureza para sobreviver, trabalhando para me sustentar minimamente. Sonhos de uma noite de verão juvenil. Passadas as décadas, estou atulhado de objetos, muitos supérfluos. Outros, nem tanto. Ao me casar, fui transportado para outra plataforma de vida. As circunstâncias me obrigaram a entrar como colaborador do Sistema.

Para complicar, fui criado por pais que passaram necessidades materiais. Guardavam tudo o que podiam. Principalmente, o meu pai. Graças às suas latinhas de manteiga que abrigavam parafusos pregos, porcas, elásticos e outros utensílios, e pelas quais era fascinado, comecei a escrever, desenhando as letras. Queria saber o significava aqueles desenhos que “enfeitavam” as embalagens. Comecei a reproduzi-las. Ao longo do tempo, o acervo de guardados do meu pai aumentou exponencialmente. Para ajudar, ele se tornou recolhedor de materiais recicláveis. Daí, pude começar a minha própria coleção de quinquilharias. As mais importantes, os livros.

Livro se come? Não, mas a depender do interesse que desperta em mim, eu o devoro. Livro é um item supérfluo em muitos lares brasileiros. Seria uma quinquilharia dispensável. É raro irmos a algum apartamento, por exemplo, e encontrar um cantinho em que haja livros dispostos a ocupar o espaço físico. O que não quer dizer que o morador não possa ter o hábito da leitura. As bibliotecas estão aí para suprir essa demanda.

Um dos motivos para guardar quinquilharias apresenta apelo sentimental. Os objetos expressam, de alguma forma, as lembranças que venha a ter de um determinado fato. No caso do trofeuzinho quebrado – cada vez menor ao longo do tempo – eu o recebi como prêmio num festival escolar de música. Esta envolto a tantos outros objetos, embalagens e dispositivos que larguei por ali até ser finalmente desprezado, como as pilhas que precisam ser dispensadas com segurança para não poluir o meio ambiente.

Eu tenho um quarto que fica fora da casa em que guardo parte do meu equipamento de trabalho e que não uso tão frequentemente, além de ferramentas e peças de uso eventual como pregos, parafusos, fitas, elásticos, lâmpadas e os recicláveis que dispenso para os catadores de recicláveis no dia da passagem do caminhão de lixo. Mas antes de ter uma parede reformada para organizar a bagunça, ela aumentou consideravelmente com o acréscimo de outras coisas, como esses quadros que estão à espera da parede reformada.

Eu tenho certa dificuldade de me desapegar de certas coisas. Uma meia velha e rasgada, a qual gosto muito, deixei a encargo da Tânia dispensá-la. Objetos que fizeram parte da história das crianças, também. A dispensa acontecerá, certamente, mas o exercício do apego é um tanto viciante.

Há objetos que ficam em trânsito, indo de lá para cá e em sentido inverso, igualmente. Vivem em estado “provisório-permanente”. Até que sejam recuperados ou definitivamente colocados fora de nosso alcance. Por um tempo, cumprem a sentença de ostracismo.

Gosto muito desses lagartos fujões! Retirados da parede da sala para reforma, ainda penso vê-los a nos observar largados nos sofás vendo TV. Ou escrevendo ou me vendo a participar dos cursos de literatura da Scenarium etc. Por enquanto, estão descansando em um ponto diferente, longe dos nossos olhos cotidianos.

Participam: Lunna Guedes /  Roseli Pedroso / Claudia Leonardi / Mariana GouveiaSilvana Lopes

BEDA / Passagens*

Foto da minha primeira identidade. Tinha 17 anos e uma nascente barbicha. Logo, por efeito de ter me tornado vegetariano, começaria a emagrecer bastante até ficar um tanto irreconhecível. Depois de me adaptar pouco a pouco à alimentação sem carnes de qualquer tipo, consegui ficar menos magro. Essa fase, durou cerca de dez anos, até me casar, em 1989.

Por encomenda da Ingrid, em Janeiro de 2022 recebi um biscuit delicadamente confeccionado pela talentosa Maria Luíza Alves. Eu amei o mimo! ¡Gracias! 

Em #TBT de 2014, um registro de 2002. Na época, legendei: “Cultivamos amigos e plantamos o verde pelo mesmo motivo: melhora o ar que respiramos” – um registro da filhote Dorô, filha única da última gestação da Lua. Acompanhou as meninas em boa parte da adolescência.

Numa madrugada do início de dezembro de 2015, quando voltava de um trabalho com a Ortega Luz & Som, assistia alguma programação até baixar a adrenalina. Comigo, a nossa eterna e dourada Dorô. Eu nem sei quanto tempo faz que ela não está mais fisicamente conosco. Mesmo porque não há dia em que não nos recordamos dela.

Esse #TBT de 2016 é muito especial para mim. Além da Bethânia, recém-chegada, mais afastada, vê-se à esquerda, Frida, que há uns três anos deixou de estar conosco fisicamente e, à direita, Domitila, que encantou-se há pouco. Não são poucas as vezes que acabo por pegar uma vasilha a mais para dar comida para as meninas… e só então me lembro que ela não precisa mais se alimentar de ração, mas apenas do amor que não lhe falta em nossas lembranças.

Neste registro de 2011, estamos, meu irmão, Humberto e eu, em momento de descanso depois da montagem do equipamento da Ortega Luz & Som para a realização de mais um trabalho de sonorização. O local em que estávamos, foi uma antiga fazenda de café transformada em local de eventos. Na sede do Hotel Fazenda, encontramos várias referências à época da escravidão, incluindo as senzalas nos casarões. Patrimônio construído com sangue e suor dos escravizados que agora é usado para diversão de quem pode pagar.

*Postagens feitas no Facebook ao longo dos anos desde 2011. Publicação participante do Beda: Blog Every Day August

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi