Projeto Fotográfico 6 On 6 / Meus Livros

Sou escritor. Ao falar sobre “meus livros”, poderia citar apenas dois, oficialmente lançados – REALidade e Rua 2 – pela Scenarium. Outros, são projetos em andamento-inacabados. Aliás, mesmo que impressos e publicados, os citados também são – coisa de quem é escritor-re-escritor – ao lermos o que publicamos, tudo merece reparo e revisão. Dos livros publicados por outros autores, há alguns que envelhecem bem e ganham possíveis reinterpretações a cada leitura. Com alguns outros, sentimos certo gosto de passado mofado. É comum não desejarmos voltar à suas páginas para que não percam o encanto da primeira leitura. Nossos “clássicos” particulares – aqueles livros que nos influenciaram definitivamente – muitas vezes montam uma biblioteca inteira e remontam à nossa história pessoal, a ponto de mudarem nossa visão de mundo e inspirarem a escrita. Exporei a seguir, arbitrariamente, os livros que formaram meu caminho como leitor-escritor-leitor.

Meus Livros

A palavra “alfabeto” é uma das mais incríveis que conheço. Remete à cultura grega, formadora de nossa estrutura mental-filosófica. Fico a imaginar que se conversássemos com um sábio grego antigo, talvez conseguíssemos nos fazer entender, assim como ao contrário, ainda que aquelas mentes privilegiadas, nas mesmas condições no alcance de subsídios que temos hoje para nos desenvolvermos, estariam à frente de nosso tempo, se não tivessem ímpetos de fugirem correndo da civilização, buscando entender porque tanto desenvolvimento material não redundou, necessariamente, em aprimoramento humano. O livro didático de alfabetização “Caminho Suave” deu ensejo para que eu aprendesse a ler de maneira prática. Lembro de outros livros escolares, mas esse é o clássico de quem frequentou a escola desde o final do Anos 40 e o foi pelos 50 anos seguintes, até meados dos Anos 90. Apesar de ter dado lugar a publicações para atual alfabetização de orientação construtivista, ainda são vendidos mais de 10.000 exemplares por ano com a mesma formatação.

MEUS LIVROS - 1

Alfabetizado, comecei a ler o que caísse em minhas mãos – de anúncios comerciais a bulas de remédio. Na biblioteca da escola, busquei os autores disponíveis. Já ouvira falar de Monteiro Lobato e Júlio Verne. Do primeiro, me apossei de “Reinações de Narizinho”. Do autor francês, “20 Mil Léguas Submarinas”. As aventuras fantásticas elencavam minha preferência literária. Apesar de atualmente ser considerado um autor que poderia figurar no Índex do Politicamente Correto como passível de revisionismo – o que considero absolutamente ridículo – me influenciou definitivamente. Ao reler há pouco tempo um trecho de sua obra, encontrei maestria na confecção do texto e voltei a viajar no mundo particular que criou no Sítio do Pica-Pau Amarelo. Eventualmente, seu comportamento público sofrerá, sob a visão atual, restrições e questionamentos, entre elas, as críticas feitas à Anita Malfatti, algo estranho para quem tinha capacidade em criar conexões com o fantástico, porém não conseguiu escapar do nacionalismo estreito.

“Entrando, verificou que era assim. O guarda dormia um sono roncado. Esse guarda não passava de um sapão muito feio, que tinha o posto de Major no exército marinho. Major Agarra-e-não-larga-mais. Recebia como ordenado cem moscas por dia para que ali ficasse, de lança em punho, capacete na cabeça e a espada à cinta, sapeando a entrada do palácio. O Major, porém, tinha o vício de dormir fora de hora, e pela segunda vez fora apanhado em falta.” – In: Reinações de Narizinho – Monteiro Lobato

Meus Livros - 2

Não temo ser redundante quando se trata de Machado de Assis. O escritor abriu, com a sua obra, os meus olhos para o comportamento do brasileiro, em suas raízes. Invadi portas e janelas das casas nacionais. Quase uma pesquisa antropológica em forma de literatura, comecei a ver suas personagens a passear pelas ruas que caminhava. Passei a identificar Bentinho, Capitu e o agregado José Dias; os irmãos Esaú e Jacó; Brás Cubas, sua amante, Virgília (e o marido Lobo Neves); Quincas Borba e as pessoas e situações evocadas por Aires, em seu memorial. De “Memorial de Aires”, inclusive destaco este trecho que me deu vontade de relê-lo:

“9 de janeiro

Ora bem, faz hoje um ano que voltei definitivamente da Europa. O que me lembrou esta data foi, estando a beber café, o pregão de um vendedor de vassouras e espanadores: ‘Vai vassouras! vai espanadores!’. Costumo ouvi-lo outras manhãs, mas desta vez trouxe-me à memória o dia do desembarque, quando cheguei aposentado à minha terra, ao meu Catete, à minha língua. Era o mesmo que ouvi há um ano, em 1887, e talvez fosse a mesma boca.”

Meus Livros - 3

Pelos poetas, comecei a tomar gosto quando moço, na escola. Apesar da época, ainda que pudesse parecer conformista, ao apresentar os poetas tradicionais, através disso tive contato com o lirismo. Sem passado, como contestarmos a realidade atual sem revisitarmos o que já foi produzido? Com certeza, ao invés de criarmos “novas” expressões (há algo “novo”?), sem conhecê-los, corre-se o risco de tentarmos inventar a roda – uma absoluta perda de tempo criativo. Naquela ocasião, conheci Gonçalves Dias, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Álvarez de Azevedo, Olavo Bilac. Apesar de Augusto dos Anjos representar certa revolução com sua temática, apenas ao tomar contato com os modernistas pude realmente me sentir em casa, com Mário e Oswald. Até que aconteceu Drummond, outro Andrade. O único parentesco entre eles, a energia criativa. Drummond representou um olhar revelador sobre como a poesia pode estar nos recantos mais insuspeitos. Antes de me inteirar sobre Pessoa e, mais recentemente Al Berto e Herbert Hélder, outros poderosos poetas da Língua Portuguesa possam me impressionar, os brasileiros são os que coloco entre os autores dos meus livros, porque me formaram…

“Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.” – Carlos Drummond de Andrade

Meus Livros - 4

Coloco entre meus livros uma obra cujo o valor literário talvez não seja considerado alto, mas que orientou o sentido para onde quis caminhar desde que o li. Livro místico, não era igual aos que já havia tomado contato antes, ao estilo de Carlos Castañeda. Feito um Beatle, encetei rumo ao Orientalismo. Comecei a escrever, principalmente poemas, em que a divisão entre viver a vida material e a mística se fez presente em versos de amor físico relutante e descrições de estados d’alma liberta dos liames deste plano. Dali em diante e pelos dez anos seguintes, cumpri um projeto que a vida tratou de alterar. Força vital chamo a todas as circunstâncias que não podemos controlar, incluindo uma espécie de auto sabotagem. Paramahansa Yogananda até que tentou, mas creio que ainda nada esteja definitivamente determinado. Esperemos…

“A fermentação psicológica, não encontrando possibilidade de se expressar através de meu corpo imaturo, dava origem a muitas e obstinadas crises de choro. Recordo-me da desorientação e do assombro que meu desespero provocava em toda a família. Lembranças mais felizes também me ocorrem: as carícias de minha mãe, as primeiras tentativas que fiz para balbuciar frases e dar os primeiros passos. Estes triunfos infantis, normalmente logo esquecidos, criam, contudo, em nós, um alicerce natural de autoconfiança.” – Autobiografia de Um Iogue Contemporâneo – Paramahansa Yogananda

Meus Livros - 5

Tomo posse de todo livro que estou a ler. O livro do momento é “Carol”, de Patricia Highsmith, que estou revezando com “Vermelho por Dentro”, de Lunna Guedes. Fazia algum tempo que não exercitava a alternância de leitura. Era comum, em outros tempos, sem tantas exigências de trabalho e da paixão que é escrever. Isso que faço agora. Nem sempre da maneira que ache bom o suficiente para interessar alguém. Muito autocrítico, talvez não publicasse nada, senão estivesse em busca da sentença perfeita. E só a perpetrarei se continuar tentando – obviamente, uma utopia. Mas como viver sem buscá-la?

“Era uma pessoa diferente daquela que estivera ali três semanas antes. Naquela manhã acordara na casa de Carol. Carol era como um segredo espalhando-se dentro dela, espalhando-se dentro daquela casa também, como uma luz invisível a todos, menos a ela.

– Eu amo você. – Therese disse, só para ouvir as palavras. – Amo você, amo você.” – Carol – Patricia Highsmith

Participam igualmente de 6 On 6:

Lunna Guedes, Mariana, https://aestranhamente.com, https://livrosgatoscafe.wordpress.com

Postagem Coletiva / Scenarium Plural / Oito Curiosidades Sobre Minha Vida Literária

OITO CURIOSIDADES
Meus dois livros: REALidade (Crônicas), de 2017 e RUA 2 (Contos), de 2018, pela Scenarium

1 – Não há diferença entre o início da vida literária de um escritor – em se tratando daquele que transforma a escrita em função criativa – com a de quem escreve apenas para a execução de tarefas práticas. Ela se dá quando começamos a ler. Antes, mesmo que tenhamos recebido estímulos auditivos ou visuais, muitos advindos originalmente da Literatura, apenas o contato direto com as palavras através da leitura nos fará despertar para a fantástica aventura do conhecimento de seus símbolos, signos e significados. Partir para a criação de textos que convidam leitores a ingressarem na realidade alternativa da Literatura se assemelha a recebermos um chamado – ao qual quis atender.

2 – Comecei a ler entre seis e sete anos. Antes disso, desenhava palavras em letra de forma no caderno. O gosto pelo desenho se acentuou nesse período. Foi a primeira maneira que utilizei para produzir temas que, com imagens, contextualizassem histórias. Como não compreendia textos e diálogos dos gibis, produzia enredos de acordo com a sequência dos quadrinhos. Cheguei a ficar decepcionado quando li pela primeira vez as mesmas histórias que anteriormente apenas imaginara as tramas. Primeiro indício claro da confusão entre interpretação e entendimento da mensagem.

3 – Sempre gostei muito de música. De gosto eclético, passeava do erudito para o popular com facilidade e sem preconceito. Cantor amador, gostava de entoar sambas-canção antigos, muitos que conheci na época que tocava violão com meu pai, aos cinco, seis anos de idade. Deixei o instrumento porque as cordas de aço machucavam meus dedos. Fazia versões de músicas que ouvia em outras línguas, desde os oito ou nove anos. Fã dos Beatles, transformei “Hey, Jude” em versos de amor para uma menina pela qual estava apaixonado. Mas foi a tradição de excelentes letristas do cancioneiro brasileiro que me influenciou, a ponto de criar poemas que pudessem ser musicados.

4 – O primeiro gênero que realmente me atraiu, como escritor, foi o de mistérios. Aos dez, onze anos escrevia contos em que o fantástico ganhava vida. Eu lia para o meu irmão menor, que os apreciava. Tendo esse “público” fiel à disposição, fiquei estimulado a produzir cada vez mais. Até que tive contato com Machado de Assis. Leitura obrigatória, entre outras, na escola, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” transformou a minha experiência de leitor e influenciou definitivamente a de escritor. Justamente nesse livro, Machado conseguia conciliar o contrassenso de morto e, com maestria, descrever a natureza humana, desnudada metódica e atentamente em vestimentas, gestuais, minúcias de olhares e silêncios.

5 – Sonhei um dia trabalhar no cinema como roteirista e diretor. Junto aos enredos, me chamava a atenção a maneira como as histórias se desenvolviam através do encadeamento das imagens. Pelos livros que conhecia adaptados para o cinema, pude perceber que um belo tema tanto poderia se esvaziar ou crescer a depender do diretor e edição, poderia ganhar em vivacidade e profundidade. Devido à influência que cinema, teatro e televisão exerceram em determinada época na minha escrita, muitos dos meus textos apresentavam sequências de representação imagética. Era como se escrevesse histórias para vir a público sob o comando de uma voz a clamar: “luz, câmara, ação!”

6 –Durante anos, vivi uma intensa fase mística, principalmente a partir dos 16, 17. De agnóstico praticante, passei a crer – abri a minha percepção para o invisível, obviamente, através da Literatura Não foi a Bíblia, que lia por “recreação”, mas um livro de inspiração na fé orientalista que encontrei – ou ele me encontrou – no “lixo”, pois trabalhava com recicláveis. Tudo que passei a escrever a partir desse “choque de realidade” pessoal trazia a marca do imponderável, do além-Terra. Cada texto que escrevia buscava trazer a mensagem de que a vida era maior do víamos-sentíamos.

7 – Até os 27 anos, escrevi intensamente. Publicá-los era algo que via como algo distante, apesar de não totalmente inviável. Ao casar, a vida familiar e profissional me absorveu de tal forma que aos poucos deixei de escrever regularmente. Praticamente, parei. Filhas crescidas, voltei devagar a lidar com as palavras, agora pelo computador. Com o advento das redes sociais, voltei a produzir textos, apenas para registrá-los. Com a repercussão inesperada dos meus escritos, a possibilidade de materializá-los em páginas do formato-livro tornou-se palpável.

8 – Publicar, percebi com o tempo, não me faria um escritor por si só. Chamar-se de escritor tem um peso absurdo para quem valoriza a palavra escrita. Normalmente é um processo demorado. Pelo menos, foi para mim – uma assunção. Quando a Scenarium Plural finalmente surgiu em minha vida, propiciando que meus textos – crônicas, poemas, contos – viessem a público em forma de revistas e livros, individuais e coletivos, já estava convencido que era um escritor. No entanto, o registro eterno representado pelo livro, realizou um sonho de garoto, que percebi ainda ter lugar no mundo, sem medida de tempo.

 

 

 

 

 

Maratona De Outubro | Maníaco

Maníaco - 1
Devorador de palavras…

Esquisitice, obsessão, vício, hábito – mania… Escrever ou ler livros tem se tornado um hábito totalmente fora de órbita nos últimos tempos. Portanto, minha preferência por livros é uma mania hiperbólica. Mensagens curtas, neologismos, onomatopeias, emojis, gifs, hashtags, filminhos, desenhos substituem discursos mais longos, estruturados com começo, meio e fim, não necessariamente nessa ordem. Nada contra desestruturações verbais que tenham o propósito de imprimir peculiaridades da comunicação. No entanto, para brincar com as palavras, a ponto de remontá-las como meio de expressão, há de se respeitá-las porque suas origens têm raízes no princípio do entendimento humano pela fala. Eventualmente, preferir a tradição do formato-livro, com capa, linhas e páginas sequenciais possam ser chamadas de decadentes, facilmente substituíveis por e-books, aos quais, eu rejeito, por enquanto.

Tento identificar qual seria minha mania literária e percebo que já tive algumas, mas hoje, não mais. Se bem que, quando me interesso por algum assunto, começo a procurar referências daquele determinado tema até que o esvazie. Desfio livros como se rezasse um terço. Coisa de minha tendência maníaca obsessiva. No entanto, assim como surge, ela se vai, até o próximo surto. Evidentemente, não é possível conhecer todas as variantes dos gêneros pelos quais nos apaixonamos. É comum, como nos dias atuais, tentarmos entender o momento pelo qual passamos. A literatura política deveria assumir os primeiros postos dos mais procurados. Mas estamos obcecados pelas mensagens curtas e grossas das fake news – nova mania – ainda que admitidas como ficção, tecnicamente bem contadas, se transformam em verdade literal porque reproduzem a essência de quem as acessam.

Aceita-se a versão pronta sem tentar desvendar se, por trás da “notícia” jogada nas redes, existe ou não manipulação dos fatos. De alguma maneira, isso sempre ocorreu, mas a tecnologia aprimorou sua efetividade e a tornou uma expressão tão invasiva quanto eficiente para representar nosso mundo de maneira inversa. Podemos desvendá-lo, se conseguirmos, através do jogo de espelhos que se apresenta, buscarmos as fontes primordiais. Ser escritor-leitor é um vício. Conseguir criar algo crível qualitativamente e saber ler nas entrelinhas, uma obsessão. Conseguir ultrapassar minhas limitações e condicionamentos para alcançar sucesso nesse mister, o meu maior objetivo. Buscar a verdade, esquisitice minha…

Participam também desta Maratona:

Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes

Maratona De Outubro | Sobre Gêneros Literários

Gêneros
Todos os gêneros…

Em Etimologia, gênero deriva do latim generu, genere, que significa nascimento, origem. A palavra gênero ganhou ultimamente repercussão extremada. O papel social atribuído ao homem e à mulher e às suas identidades sexuais passaram a ser discutidas até em programas de governo. Aparentemente, há aqueles que creem que possam intervir nas preferências pessoais humanas, a partir do Estado. Esclareço que tratarei sobre minhas preferências… literárias. São gostos que, muitas vezes, não deixam de ser conflituosos. Ao ser perguntado sobre qual gênero literário prefiro, fiquei em dúvida.

Antes de responder a essa questão aparentemente simples, percebi o quanto o temor de não esclarecer totalmente nossas predileções, de maneira geral, avança sobre quase todos os assuntos da vida. Qualquer resposta que dermos estará sob judicie por quem a recebe. Ao dizer que comecei pelas histórias em quadrinhos, talvez fosse desacreditado. Minha iniciação na literatura foi igualmente escudada por ficção científica e fantástica, mitológica, através de Monteiro Lobato, Júlio Verne e outros. Concomitantemente, adorava ler enciclopédias e dicionários.

Eu me lembro que, quando garoto, desejava a aprovação das pessoas quanto ao meu comportamento. Na adolescência, a minha evidente incongruência nos grupos, familiar e amigos, passava despercebida pelas boas notas na escola e no futebol, entre os colegas, apesar da minha miopia. Gostava de poesia. Carlos Drummond de Andrade era o meu preferido, entre todos, mas, antes dele, tive contato com Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos e Castro Alves, que me impressionaram bastante, além dos poetas românticos Fin De Siècle brasileiros. Ao mesmo tempo, o romancista Machado de Assis invadira minha vida e meu discurso de escritor, então já iniciado, que também sentiu a força da expressão de Jorge Amado.

Mais tarde, ao buscar uma postura cada vez mais alienada do sistema, fui ficando cada vez mais misantropo, ajudado pelo fato de começar a frequentar a faculdade de História, curso em que ninguém se conhecia. As divisões por classes diferentes a cada semestre, colaborou para impedir que permanecêssemos muito tempo juntos com os mesmos colegas. Passei a ler, além dos livros da matéria, os de Filosofia e místicos-religiosos de várias vertentes. No mesmo balaio metia Michel Focault, Paramahansa Yogananda, Emile Durkheim, Os Vedas, Santo Agostinho, Nietzsche, Boris Fausto, Kardec, Claude Lévi-Strauss, Sérgio Buarque de Holanda, Reich e Gilberto Freyre, bem como a sempre presente Bíblia.

De novo, o futebol me salvou de ser um esquisito calado. Escalado para o time da História, dentro do campo estranhamente meu estilo de atuação mudou. Os jogadores humanistas da História, forçou-me a transformar o médio-volante elegante em um arranca-toco, distribuindo pancadas a torto e a direito. Cheguei a lembrar de Ernest Hemingway. Aflorou o jogador da periferia, que jogava “contras” nos campos mais inóspitos da cidade. Sabia de minha capacidade em me dividir em outras personalidades sob determinadas circunstâncias, temperatura e pressão. Cheguei a recear certa tendência esquizoide, mas em reunião com os outros habitantes em mim, decidimos que não fosse algo preocupante…

Desde que tomei contato com os livros, alguns autores fizeram morada em meus olhos e mãos – Rosa, Wolf, Pessoa, Borges, Lispector, Cortázar, Cecília Meirelles, Garcia Marques, Nelson Rodrigues, Rubem Braga, J.M. Coetzee. Mais recentemente, voltei a minha atenção para os escritores da Scenarium, que perfilam seus trabalhos em um recanto especial em minha biblioteca. Postagens em blogues da Internet – poesia, crônicas, contos, artigos científicos e psicologia – foram acrescidas ao meu dia a dia.

Em resumo, sejam crônicas, poesias, romances, contos, livros de filosofia, religiosos, biografias e históricos, eu prefiro ler sem fronteiras. Já passei por várias fases de preferência. Em momentos específicos, exerceram ampla influência na estruturação de meu pensamento e de minha postura como ser humano. As palavras adentram por nossos olhos e se instalam em nossa alma, fazem morada permanente, ainda que não lembradas. É como se fossem as paredes de nossa casa, ainda que caiadas de branco, são estruturas que nos guardam. Gênero preferido: o vital.

Participam também desta Maratona:

Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes

Maratona De Outubro| Desarrumação

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Sob o olhar de Salem…

Para desespero da Tânia, as estantes da nossa biblioteca apresentam uma organização peculiar… sob a minha perspectiva. Na dela, pura e simples desarrumação. Por sua iniciativa, criou o cantinho da Scenarium na parede oposta, o que aliviou um pouco o aspecto de barafunda em que livros novos e antigos se misturam em cenas de amor livre, como deve ser na literatura – expressão da paixão pelas palavras.

Prometi, há muito tempo, intervir nessa aparente bagunça, organizando as estantes por coleções, temas e campos – literatura nacional e internacional, datas, edições, autores. A falta de tempo e certo prazer em perceber harmonia no desalinhamento, impedem que eu comece a “limpar” as estantes de intrusos – livros e objetos – indesejáveis. Além disso, como quando acontecia quando era garoto e  recolhia livros no lixo, em todas as oportunidades que começo a organizá-las, me agarro a entrar pelas páginas dos títulos, como se buscasse respostas às minhas perguntas existenciais no acaso de linhas insuspeitas.

Nas prateleiras, os livros que estão arrumados em sequência numérica perfeita, coleções com cores e tamanhos padronizados, são os menos acessados. Os que estão deitados ou fora de seu ninho, são os que li (ou reli) todo ou uma parte, manuseei, avistei, deixei de lado com pretensões de voltar a ler, vontade muitas vezes não cumprida. Eu quase li vinte livros este ano. Li efetivamente alguns outros e sonhei que li muitos. Pode parecer estranho, mas li muitas vezes o livro que lancei – Rua 2 – por diversas ocasiões, duas ou três vezes, multiplicada pelas tantas vezes que o editei até que ficasse pronto. A estranheza se dá porque ouvi dizer de escritores que não leem o que escrevem…

Um olhar “descuidado” verá em minhas prateleiras utensílios velhos, alguns inúteis para quem não percebe um propósito secreto para cada coisa. Afinal, uma caixa com fones de ouvido avariados teria que utilidade? Ou frascos vazios de chicletes sem açúcar colocados junto a compêndios sobre Marx, Keynes, História Antiga e “Segredos do Mundo Animal”? Ou uma caixa de fitas cassetes antigas (pleonasmo)? Segredos deste humano animal…

Não apenas eu contribuo com a bagunça. Mas a culpa recai sobre aquele para quem foram montadas as estantes – eu. O propósito seria de guardar livros guardados em caixas. Gosto muito da maioria, porém, os que mais tenho apego não estão à vista. Eles estão ainda encaixotados, já que requerem maiores cuidados por estarem com páginas rotas, capas estragadas, muitos atacados por cupins – sábios seres devoradores de páginas repletas de conhecimentos, expressões de sentimentos, emoções e histórias de vida. Eu os encontrei alijados de outras bibliotecas. Muitos, recolhidos da escola onde estudei, em Santana.

Certa ocasião, em glorioso dia de sol, vi ao lado do pátio, pilhas e pilhas de livros reunidos para serem desprezados em latas de lixo. O local onde estavam guardados, seria transformado em um laboratório de química. Pedi permissão a quem de direito e os trouxe para casa aos poucos, de ônibus, em sacolas de feira. Ainda traziam, além de dedicatórias de autores e ofertórios de seus proprietários doadores, cartões com fichas indicativas de quando foram emprestados e lidos pelos estudantes de décadas passadas. Eram joias, cada vez mais menosprezadas em tempos de ouro de tolo.

Participam também desta Maratona:

Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes