Alguns perguntarão do que se trata. Respondo: este pequeno objeto ao centro é um papel laminado que encontrei hoje de manhã no chão de casa. Provavelmente, fui eu que o transportei na sola de meu sapato desde o local onde se realizou a festa de casamento na qual sonorizamos e iluminamos a banda que nela se apresentou.
São resquícios do momento em que os noivos adentraram ao salão de festas, recebidos por aplausos, assobios, gritos, ovações, pipocar de flashes e… papéis laminados. Desde a Copa do Mundo de 2002, na qual Cafu levantou o troféu para o alto, acompanhado de papéis laminados regurgitados ao alto por máquinas que apropriadamente adotam o nome de Sky Paper Machine, se tornou quase obrigatório incluir este item nas festas de todos os matizes e motivações.
Isso, para o desespero de quem limpa os salões, que sofrem para removê-las do chão ou onde quer que esse troço grudento se adere. Além da apreensão de operadores técnicos de moving-lights, mesas de som e outros equipamentos eletrônicos — ferramentas trabalho que podem ser danificadas —, “queimadas” quando essas coisinhas penetram em suas placas de circuitos através das frestas de refrigeração. Quanto aos casamentos, a maioria durará bem menos do que esses papéis do céu…
*Texto de 2012
Participam do B.E.D.A.: Adriana Aneli Cládia Leonardi Darlene Regina Mariana Gouveia Roseli Pedroso Lunna Guedes
Vivia o homem em cavernas e as desejava protetoras, sem possibilidades de serem devassadas. No escuro segredado por elas, desenhava em suas paredes o mundo que acontecia lá fora. Com a evolução dos grupamentos humanos que foram se tornando em gregários, na sua grande maioria, as habitações foram sendo construídas para atender as necessidades específicas de cada grupo. E ter janelas — comunicação visual com o mundo exterior — pareceu ser uma solução perfeita para muitos deles.
De simples recortes na madeira ou buracos nas paredes de pedra, o homem passou a criar janelas mais sofisticadas em variações de formatos, tamanhos e soluções para devassar o mundo o mantendo protegido do sol, da neve, do vento ou da chuva. Em alguns lugares, como em igrejas, vitrais tinham a intenção de jogar luz para o interior da nave, criando imagens coloridas pelo reflexo que buscavam uma experiência visual transcendente de religiosidade e misticismo.
Tão aferrada à captação da realidade pelos olhos humanos, as janelas foram adaptadas para as máquinas desenvolvidas para transportarem o homem. Navios, veículos automotores e aviões precisaram apresentar esse item muito mais pela necessidade de contato visual do transportado do que pela praticidade. A não ser pelos veículos que são conduzidos por quem os dirige, quem confiaria entregar sua vida nas mãos de um condutor de “olhos fechados”?
Complementares às janelas envidraçadas, surgiram as cortinas para obstar a luz excessiva, proteger o interior da casa de olhares indiscretos, embelezar a moldura da janela, entre outras funções. Cortinas dão um toque de requinte e aconchego, muitas vezes retratados em desenhos infantis, como os que eu mesmo fazia em criança. Cortinas são tão perfeitas para as janelas que se não soubéssemos que estas surgiram antes, poderíamos dizer que elas só existem para poderem abrigar àquelas…
Dessa forma, quando passo em frente à loja d’A Janela — Cortinas, sorrio sempre, como se me sentisse portador de uma estranha sabedoria, como se desvendasse cada segredo abrigado por trás de cada cortina de cada janela, guarnição adentro…
Robô iClub, que tem habilidades motoras avançadas que o permitem pegar e manipular objetos. Ele interage e aprende com o ambiente de forma semelhante a uma criança de dois anos de idade
Fui à boca do caixa. Das três disponíveis, havia uma única ocupada por um ser humano. Quando fui chamado, apesar da espera, me senti reconfortado por não estar falando com uma máquina, ainda que o atendimento da bancária tenha sido, de certa maneira, robótica. Não a recrimino, já que o trabalho que desenvolve é um tanto entediante. Está ali para cumprir tarefas que qualquer robô faria e fará, sem exceções, em futuro próximo. Aliás, o banco tem alardeado publicitariamente que o futuro já chegou e que grande parte das relações financeiras entre a instituição e seus clientes estão sendo eficazmente intermediadas pela inteligência artificial.
De forma derivada, brinco com a concepção da artificialidade intelectual apresentadas por algumas pessoas, observável quando não conseguem estabelecer uma comunicação razoável, ainda que se digam inteligentes. Em muitos casos, adotam comportamentos, expressam argumentos e realizam atividades obviamente dirigidas e emprestadas, tornando-se, ao invés de produtoras, meras replicadoras de ideias simplistas.
No entanto, aparentemente, as virtudes dos robôs são amplas, a ponto de sermos levados a entendê-los como seres humanos melhorados – capacitados, confiáveis e sinceros – a ponto de acreditarmos que se forem questionados se são robôs, responderão que são. Afinal, qual seria o objetivo de haver esse tipo de pergunta ao fazemos um cadastro online como quesito de segurança, se não houvesse a certeza que um robô, talvez um tanto envergonhado por querer se passar por uma pessoa, “sonho” de toda máquina inteligente, declinasse de sua pretensão de assumir, com dignidade: “Sim, sou um robô! Desculpe-me por querer passar por um ser vivo!”. Acresce-se que ao aparecer para mim o receptáculo em que devo assinalar o “X” em “Não Sou Um Robô”, fantasio com a possibilidade que me descubram, finalmente.
Isaac Asimov, em 1950, no livro “Eu, Robô”, acabou por desenvolver as três Leis da Robótica: 1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e 3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. Se já fossem tão desenvolvidos, talvez não ocorresse tantos episódios de fake news que fazem tanto mal às relações humanas. Mais recentemente, diante da realidade que se impõe cada vez mais aceleradamente de convivermos com máquinas que simulam comportamentos humanos, o exponencial desenvolvimento da tecnologia se chocará, mais cedo ou mais tarde, com nosso atraso como exemplares de “unidades de carbono defeituosas”, como nos nominou V’Ger, em Jornada Das Estrelas, de 1979.
Nesse filme de Jornada Das Estrelas, V’Geroriginou-se da sonda espacial Voyager 6, que de fato originalmente nunca foi ao espaço pelo programa de sondas exploratórias espaciais norte-americanas lançadas a partir de 1977 para estudar os planetas do Sistema Solar e que posteriormente prosseguiriam para o espaço interestelar. Pelo enredo, a Voyager 6 acabaria por acumular tanto conhecimento que desenvolveu autoconsciência e voltou à Terra para encontrar seu “criador” – o próprio homem. Por encontrá-la infestada de seres subdesenvolvidos, a ponto de não entenderem o sinal lançado por ela, tornou-se seu objetivo limpar o planeta daquelas “unidades de carbono defeituosas”. A máquina consciente deseja, além disso, unir-se fisicamente ao criador. O filme soluciona a questão de maneira interessante, baseado no sacrifício humano, aliado ao amor, expressado inclusive de maneira carnal, o que nos salvará de sermos varridos do planeta ao qual fazemos tanto mal.
Há várias previsões alarmistas que nos levam a acreditar que o conflito entre o Homo sapiens e as máquinas capacitadas com inteligências artificiais hiperdesenvolvidas será uma questão de tempo. Não duvido, se compreendermos que a lógica do desenvolvimento de uma espécie como hegemônica passa pela violência e aniquilação de adversários. É o que fazemos com os outros seres com os quais convivemos no planeta. Por enquanto, não tem sido preciso que as máquinas com inteligência artificial se revoltem contra seus criadores e nos exterminem progressivamente. Nós mesmos, com a ajuda da tecnologia que desenvolvemos, estamos fazendo esse trabalho sujo de maneira criativa e exemplar.