#Blogvember / Eu Você Nós

Você e eu, frente e verso (Suzana Martins)

Foto por Harrison Haines em Pexels.com

estamos…
colados você e eu frente e verso
e versos
nossos corpos a conversar
intumescências a versar
transpor limites penetrar âmagos
nos engolirmos fazer vibrar estômagos
liquefazer desejos salivares
acessar berços estelares
ultrapassar sistemas solares
em viagens para além do passado
voltar ao útero do nada antes de tudo
penetrarmos em presentes possíveis
conhecermos futuros acessíveis
eu você nós urdidos em fibras
transfigurarmos nossos somas
sonharmos os sonhos dos deuses
somarmos nossos prazeres
inaugurarmos o tempo
fecundar o solo da matéria
criarmos planetas e satélites
explodirmos e enfim
adormecermos a vida…

Participam: Mariana Gouveia / Lunna Guedes




A Chegada Da Páscoa Ou Análise Do “Big Crunch” Pelo Efeito Comercial-Temporal Observável*

O Big Crunch não haverá! “O Big Crunch é uma teoria segundo a qual o Universo começará no futuro a contrair-se, devido à atração gravitacional, até entrar em colapso sobre si mesmo. Até 1998, pensava-se que a velocidade com a qual as galáxias se afastam deveria diminuir com o tempo, devido à atração gravitacional entre elas. A este princípio, alguns astrofísicos chamam de ‘memória elástica’ universal.” (Wikipédia).

A partir de 1998, através da observação de supernovas muito distantes, os cosmólogos descobriram que a velocidade da expansão universal está cada vez mais rápida e aparentemente não há condições de ser revertida. Estudos recentes tentam buscar explicação na implicação da matéria escura e energia escura.

De qualquer maneira, um possível efeito que podemos observar em nosso cotidiano é a sensação da passagem cada vez mais acelerada do Tempo, associado à estrutura espacial. Essa sensação é corroborada pelo apelo comercial que, com maior frequência, oferta-nos cada vez mais cedo campanhas publicitárias exaltando a próxima temporada de comemorações. Normalmente de origens religiosas, com o avanço do Capitalismo, ganharam contornos mercantis com o passar do Tempo. Aliás, a associação entre Fé e Comércio é tão antiga que, há mais de dois mil anos, um certo Profeta se revoltou contra isso e expulsou os vendilhões do Templo.

Nos supermercados — templos designados à outros deuses — já podemos observar a chegada dos ovos de Páscoa, enquanto sobras de panetones do Natal dividem espaço com os enfeites de Carnaval. Mais um pouco, os doces e temperos das Festas Juninas conviverão com os chocolates de Abril, enquanto as chamadas para o Dia das Crianças e do Halloween, estarão coladas a do Natal, com o indefectível Papai Noel à frente, a disputar espaço entre as gôndolas, em uma briga colossal, digna do Final dos Tempos.

Por essa e por outras, é que uma dona-de-casa ou qualquer outro cidadão comum, têm muito a ensinar a qualquer teórico físico quântico ou astrônomo que vive a observar galáxias distantes, sobre a aceleração da expansão do Tempo-Espaço…

*Texto de 2016

Foto por Foto por André Moura em Pexels.com

BEDA / Scenarium / Lógica

Lógica

Lógica tem dois significados principais: discute o uso de raciocínio em alguma atividade e é o estudo normativo, filosófico do raciocínio válido. No segundo sentido, a lógica é discutida principalmente nas disciplinas de filosofia, matemática e ciência da computação.

De início, o uso do raciocínio, a depender de quem o utiliza, passa por caminhos insuspeitos, redundando desde criativas análises estruturais a mirabolantes teorias da conspiração. Para esses, “raciocínio válido” é o que vale para explicar porquê as coisas “são” o que “estão”. Os argumentos são apoiados em ideias coletivas normalmente orquestradas externamente.

Deve ser mesmo difícil para quem não encara de maneira racional os acontecimentos cotidianos ver escapar de suas mãos os rumos alternativos aos seus paradigmas. Uma gripe vinda da China, de cepa mais virulenta, poderá significar desde indício de guerra biológica até a um projeto comunista específico para derrubar o governo de um país latino americano do outro lado do mundo. A morte de centenas de milhares de pessoas no planeta inteiro é apenas um mero detalhe.

Contra a determinação do estabelecimento da Quarentena de afastamento social, esses seres “lógicos” levantam a bandeira do prejuízo econômico resultante, sem levar em conta que a elevada mortandade igualmente causa não apenas revezes financeiros como psicológicos. A escolha pela vida é mais ética. Todos os governos sérios a estabeleceram como prioridade. Também filosoficamente falando, é a decisão mais lógica a ser tomada para impedir a progressão da Covid-19.

Porém, por estes lados, para os seguidores do governo central, o isolamento trata-se de um conluio de opositores para derrubar o líder supremo. Da maneira que vejo as atuais circunstâncias, por mais que sejam políticos (portanto, dignos de desconfiança), os chefes dos executivos estaduais e municipais adotaram as medidas corretas. Melhor para eles – em termos de repercussão política a longo prazo – que, em sendo da oposição, enfrentem a rebeldia psicótica do Capitão.

Da mesma forma que é lamentavelmente muito ruim para a população brasileira, já que muitos vagueiam entre atenderem ao chamado para permanecer em casa e o de saírem às ruas para angariar recursos para pagarem as contas. O risco de perder a vida é colocada como possibilidade distante, isso até acontecer com o amigo, com o pai ou a mãe, o marido ou a esposa, consigo. Ser soldado de uma causa não o torna mais nobre, apenas mais um número na operação de soma… ou seria de subtração?

A lógica, em termos filosóficos, me leva à metafísica – exame da natureza fundamental da realidade, a relação entre mente e matéria, entre substância e atributo e entre potencialidade e atualidade. Esse processo me eleva acima das circunstâncias comezinhas, as quais que chamo de crispações na superfície do oceano. Igualmente, me salva do sentimento de me ver como um elemento dispensável no jogo da vida – ainda que seja. Prefiro, se for para morrer de forma tão estúpida, que o faça contrapondo a minha capacidade mental lógica à perfídia de servir de peça num jogo irracional e vaidoso. Política é a arte da convivência. O que se apresenta hoje como cenário é da convivência sem abraços, sem toques e beijos somente à distância – para sobrevivermos. Para podermos voltar a viver, em futuro novo, uma vida plena.

Beda Scenarium

Espelho E Sombra

espelho-e-sombra.jpg

Estou diante do espelho,
face redescoberta a cada mirada-admiro-me,
insensatez à flor da pele –
reflexo do segundo passado
que se diz presente.
Abro passagem para que meus olhos apreciem
o anteparo em branco.

O que percebo é – ao mesmo tempo –
imagem e contra imagem,
espelho e miragem
visão e ilusão,
perda e aquisição.

Apreendo pelo olhar,
o corpo pela projeção:
luz-objeto – espelho-parede,
sombra-dureza – matéria-evanescente:
interpretação sensorial,
deleite da percepção.

Anteponho
a arte involuntária e bela
à verdade feia da realidade arquitetada…
Fonte de devaneios e viagens circulares,
enveredo pelos descaminhos
e me perco no ponto infinito
do que nunca foi,
ainda que seja…

Morreria feliz se fosse agora…

Redemoinhos, Rodamoinhos, Remoinhos, Moinhos

Careca

Hoje, perdi um grande amor – os escritores são pródigos em perder histórias e amores – todos os dias. Ao passar a mão pela cabeça desnudada, com os poucos cabelos quase ao rés (máquina 2), dia de calor intenso, sinto o suor a umedecer a pele da palma e lembro dos redemoinhos da vasta cabeleira que portei durante décadas. Desde garoto, fui adepto dos fios longos, ainda que não os penteasse, por questão de princípio. Fui perdendo os cabelos ao longo do tempo, influência direta da ascendência calva de meu pai. Ultimamente, como foco de resistência, tenho adotado a barba um tanto mais pronunciada, quase sempre desgrenhada.

Meus redemoinhos ficavam (ficam) em três pontos, no cimo, e atrapalhavam o penteado mais comportado. Segui suas desorientações. Certa ocasião, ouvi alguém chamá-los de remoinhos. Procurei saber e descobri que também é uma forma de nomear essas zonas tempestuosas em nossas cabeças. Eu os imaginava como sorvedouros de ideias. Seria uma das possíveis explicações para eu viver a criar histórias vindas do nada ou inspiradas por palavras soltas ou circunstâncias as mais simples imagináveis – temas de amor, vida e morte.

O meu cérebro, logo ali, abaixo dos pelos, se transformava em moinho de ventos e pensamentos, gerando viveres e sonhos – esfarelados, amalgamados, reconstruídos – e jogados no papel. Certa ocasião, decidi parar de aceitar que meus rodamoinhos pessoais deixassem de tragar histórias. Quis criar vivências reais, com pessoas reais. O sofrimento igualmente tornou-se real – não fingido – doloroso e cru, ventos contrários. Em contrapartida, o amor ganhou solidez e riqueza – ventos favoráveis. A caneta de lado, quase não mais serviu ao propósito de transformar tudo em ficção. Cria que isso balizaria minha existência. No entanto, quase morri…

Porque somente a realidade ou pelo menos a realidade que nos impõem, é prerrogativa da existência. Como no Cosmos, a matéria escura – algo supostamente ausente – tem o condão de explicar a união da matéria mensurável. Precisamos – eu preciso – sonhar a vida. Escrever gera esse movimento. Apesar de meus redemoinhos estarem invisíveis, pelo efeito da calvície, ainda têm o poder de absorver e regurgitar energia. Metaforicamente, ainda balanço a cabeleira ao vento e absorvo, com cada vez maior paixão, a vitalidade de existir.