05 / 08 / 2025 / BEDA / Dama De Cinzas

Vem um dos homens e lhe ofende a natureza feminina
Silenciosamente rouba-lhe a inocência de menina
Determinado e consciente impõem-lhe a boca calada
Que quando balbucia a verdade é de pronto velada
Sofre a exclusão familiar e ainda a pecha que espezinha
De ser além de uma pequena mulher, uma mulherzinha
O decreto que apequena a moça a conduz ao descaminho
Tenta encontrar na química a sua recompensa, o carinho
Nos corpos alheios busca confirmar a dúbia fama
E passa a acreditar nos créditos de cinzenta dama
Mas como um anjo caído, sabe que pode alçar voo maior
Acima do rés do chão, além do horizonte de novo alvor
Subjuga o ódio que poderia sentir pelos machos da espécie
E ainda consegue amá-los e achar graça além da efígie
Prova-se emancipada em carne, osso, mente e espírito
Escreve a cada momento a sua história rumo ao infinito
Une-se a nós e expande o seu ser de boa influência
Confessa-se imperfeita, ainda que seja uma dama de excelência.

Foto por Vladimir Uporov em Pexels.com

Missivas De Primavera / Receituário De Uma Quinta Infinda

Roseli Pedroso

Companheira,

se fosse fazer uma brincadeira, dessas de criança, perguntando: “o que é que é, um ponto prateado num Centro cinza” – sem pestanejar, responderia – Roseli! Pois você se destacaria com a sua cabeça de prata em meio a multidão que caminha pelas ruas centrais da Vila Buarque. Assim como o Buarque de Holanda, também escreve e poetiza a realidade com as suas crônicas que falam de tudo e de todos – da vida e da morte, do azar e da boa sorte, de si e do outro. Como o compositor, compõe crônicas ora com a alegria de viver, ora com a decepção de saber, ora com a oportunidade perdida, ora com a batalha vencida.

Senhora de si e do verbo, escreve Quinta das Especiarias, remetendo ao passado de sabores, odores e amores que a formaram. Como também narra as vidas de mulheres que viveram as agruras de expectativas não realizadas, alienação e sofrimento de umas e revoltas construtivas de outras, em Equação Infinda. Em Receituário de Uma Expectadora, vemos mais do que alguém que espreita o movimento, mas intervém na Realidade, imprimindo com a sua análise a marca de ironia fina. Contadora de histórias e defensora do conhecimento, quase a imagino um ser mitológico, uma espécie de Atena, que após o fim do mundo como o conhecemos, a encontraria guardiã de uma imensa biblioteca para o bem do novo alvorecer.

E é aí que nos encontramos, passeando para além do cenário amado do Centrão, ainda que nunca tivéssemos trombado por aí. Porque talvez os forasteiros não saibam, mas São Paulo é uma província, apesar de tanta gente viver por aqui. É o teatro onde buscamos personagens e lugares, falas e situações que nos enredam e nos trazem enredos com os quais enveredamos por testemunhos e textos. Quase a imagino um ser mitológico, uma espécie de Atena, que após o fim do mundo como o conhecemos, seria guardiã de uma imensa biblioteca para o bem do novo alvorecer.

Com eles, contribuímos para a boca de cena da Scenarium. Lugar de amálgama, síntese e solvências, esta cidade é a seara onde plantamos palavras que geram escritos, ainda que seja um campo endurecido de asfalto e concreto. Como sabemos, nada é por acaso. Se uma italiana se perdeu / se encontrou em Sampa e, através dela estes paulistanos se encontraram, alguém objetaria dizer que não foram pelas mãos de divindades celtas? Promotora de misturas alquímicas, realizou cerimônias ritualistas a qual chamou de Saraus, a nos colocar sempre fora de prumo, pela luz da Lua minguante.

Querida, espero nos reencontrarmos num desses rituais promovidos pela sacerdotisa-mor ou antes, por um desses acasos de tempo e lugar. Por enquanto, envio esta missiva, com muito carinho, já antevendo o seu imenso sorriso que nos remete à eterna menina que é.

Um abraço cenográfico!

                                                                                                                                Obdulio

Participam: Lunna Guedes / Suzana Martins / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso

Filosofia*

Hoje, eu encontrei a Filosofia na saída da academia. Ela vinha da aula de natação, trajava um vestidinho rosa e não devia ter mais do que três anos de idade. A moreninha, rápida e esperta, correu à frente de sua mãe, fazendo com que ela a advertisse: “Pare, Filosofia! Me espere!”. Como Filosofia não a obedecesse e rapidamente atravessasse a catraca por baixo, fazendo menção de ir à rua, sua mãe gritou: “Não corra, Filosofia!”. Eu, que estava um pouco adiante, já me preparava para segurá-la a fim de evitar que fosse para o asfalto. Acho que, assustada com a minha presença, parou repentinamente e me olhou com os seus olhos curiosos, a tempo da mãe alcançá-la e ralhar por seu comportamento.

Senti-me reconfortado com a possibilidade de ter salvado a Filosofia de sofrer algum acidente. Imediatamente, comecei a desejar o melhor futuro possível para aquela menina de nome tão pouco usual. No caminho de volta para casa, fiquei pensando que mesmo neste mundo tão prático, ainda podemos encontrar a Filosofia em qualquer lugar, como na academia de atividades físicas…

*Texto de Março de 2012

Foto por Monstera em Pexels.com

Uma Mulher

Até o outro dia, eu vivia em minha cidade
Quem caminhava por aquelas calçadas
Tinha oito, dez, doze anos de idade
Sonhava cantar entre bocas caladas

Queria ser ginasta olímpica ou acrobata
Seria bailarina, atriz, cantora e modelo
Corria, saltando por sobre o muro do meu castelo
Princesa que eu era, moleca, brincava de pirata

Corria de carros e de touros, de gansos e de moços
Até que cresci e o perigo começou a me atrair
Descobri o poder que tinha de conquistar sem esforços
Lançava olhares ao redor, possuía e tinha vontade de partir

E parti em busca de sentimentos profundos e do mundo
Vivi amores, senti dores, provoquei desmoronamentos
Alcancei o céu e chafurdei no lodo imundo
Fui considerada excelente e fomentei lamentos

Eternamente apaixonada e quase sempre apaixonante
Capturei vítimas e me vitimei, fui muito amada e muito amei
Na curva da rua a menina que fui não mais ouviu o vento sussurrante
Deixou de subir em árvores e de ouvir respostas que clamou

Envelheci ao encontrar o meu amor definitivo?
Ao sentir que pertenço a alguém, deixei de sonhar?
O meu corpo, compartilhado, se sentirá permanentemente cativo?
Por que, em vez de certezas, agora só tenho o que perguntar?

Cantora Maior

ANGELINA

Uma das maiores cantoras deste planeta e, atualmente, minha preferida, tem 13 anos de idade, é norueguesa e costuma se apresentar liricamente descalça. Seu nome? Angelina Jordan. Sua curta carreira, no entanto, já ocupa mais da metade de sua vida. Ela se mostrou ao mundo aos 7 anos na edição da Norske Talenter 2014. Desde a sua primeira apresentação, todos ficaram embasbacados – juízes e público – devido a grandiosidade de sua voz especial em corpo pequeno. Sentenciaram: tratava-se de uma “old soul“, tanto pela maturidade vocal quanto pela escolha de repertório – standarts de jazz.

Em seu canal do Youtube, em que faz covers de várias canções, as interpretações de Angelina vem a demonstrar, ano a ano, seu crescimento musical. Tudo assombra nesse ser tão jovem – a talentosa utilização de melismas, vibratos e gradações tonais, variações de voz de cabeça e de peito, além de seu exímio controle vocal, alicerçado pelo desenvolvimento de seu timbre único, profundo. Além das peças jazzísticas tradicionais – Billie Holiday, Dinah Whashington, Nina Simone, Frank Sinatra, James Brown, sua preferência desde o início – começaram a ganhar espaço interpretações de canções pops mais atuais, de Lana Del Rey, Whitney Houston, Amy Winehouse, Rihanna, John Legend a Adele, entre outros. O toque refinado no tratamento de suas versões trouxe frescor e maior sofisticação a elas. A única vez que nos foi dado ver perda de controle total sobre sua emissão vocal foi na homenagem a seu avô, com “You Were Always On My Mind”, bem no finalzinho da canção. Só os pouco sensíveis deixariam de se emocionar.

A menina Angelina Jordan Astar, aquinhoada de uma personalidade grandiosa de artista-referência, tal como foi Michael Jackson, chegou para ficar no panteão das grandes cantoras. Evidentemente, a não ser que mude tremendamente de estilo, ela não alcançará a penetração popular do Rei do Pop. Mas quem puder acompanhá-la no lançamento de suas incríveis interpretações, viverá o prazer sempre renovado na apreciação de uma música popular de qualidade. Entre as minhas buscas de suas interpretações, encontrei no Youtube a seleção feita no final de outubro de 2018 por Martin Cropper (https://www.youtube.com/watch?v=WhmLra5lAlk), ainda que seja de um e meio antes, mostra um pouco de sua trajetória. Algumas de suas faixas estão entre as melhores versões já feitas.

No início de janeiro, para a minha grata surpresa, Angelina se apresentou na edição 2020 do America’s Got Talent – Champions. Assim que entrou no palco, simpática e desenvolta, fiquei apreensivo por ela se apresentar diante de um público normalmente estimulado por pirotecnias vocais mais simples e efetivas. Respondeu às perguntas dos juízes com simplicidade, elogiou Simon Cowell – uma lenda, segundo ela – e foi se posicionar para a sua apresentação. Fiquei impressionado com a sua altura. Mesmo descalça, ombreava com os técnicos que ocupavam o palco na mise-en-scène improvisada-ensaiada na preparação do espaço. Minha expectativa era de que interpretasse um dos clássicos do jazz que a catapultaram ao mundo artístico.

À emissão das primeiras notas de Bohemian Rapsody, do Queen, percebeu-se que não ouviríamos algo comum. A nova versão de um dos maiores hits de todos os tempos iniciou-se por versos da metade da terceira estrofe. Angelina sopra-sussurra as palavras, a causar o efeito do ar a circular pelos ouvidos dos presentes:

“Anyway the wind blows
Doesn’t really matter to me
To me…”

Ainda a nos acostumar com a estranheza estilística inicial, em vez do tradicional piano da gravação original, um plangente violão nos encaminha para os próximos e cortantes versos, entoados com a voz “jogada para trás” de Angelina, ao contrário da voz aberta, bela e límpida de Fred Mercury:

“Too late, my time has come
Sends shivers down my spine
Body’s aching all the time
Goodbye everybody, I’ve got to go
Gotta leave you all behind
And face the trut”

Neste momento, Angelina sobe o tom para alcançar a dimensão do desespero:

Mama, oh!
I don’t want to die
But sometimes wish
I’d never been born at al”…

Em seguida, volta à calma aparente de quem está conformado com o crime que sabemos que cometeu, pela versão original, cantando apenas a parte final dos versos que mostravam a luta interna da alma da personagem, atormentada por visões dantescas:

“Oh baby, can’t do this to me baby
Just gotta get out
Just gotta get right outta here”

O encerramento se dá com os mesmos versos originais. Angelina entoa lindamente a segunda linha da estrofe, trazendo extrema leveza à certeza de que nada realmente importa, afinal:

“Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters
Nothing really matters to me”…

Os cortes realizados na letra original, necessários para fazer a longa Bohemian Rapsody caber no formato da apresentação para o programa – um minuto e meio – em vez de prejudicá-la, acabou por expor a dor excruciante da personagem que decidiu se matar. Os versos escolhidos para a versão de Angelina acabou por me convencer que o homem a quem matou foi ele mesmo, ao contrário do que eu supunha até então pela quarta estrofe: “Mama, just killed a man / Put a gun against his head / Pulled my trigger, now he’s dead / Mama, life had just begun / But now I’ve gone and thrown it all away” – trecho ausente na canção de Angelina.

Ao final da apresentação, o público – que acompanhou sua apresentação entre “uaus”, silêncios e luzes de celulares acionados – aplaudiu de pé e ovacionou a menina-cantora-maior. Os quatro analistas teceram elogios rasgados, incluindo o temido Simon Cowell. Apenas faço o reparo ao que ele disse quando sinalizou que a versão de Angelina tinha a marca da “simplicidade”. Atrás do que parece simples, de fato se esconde um trabalho meticuloso na escolha do que cantar e como cantar, dando valor de obra-prima a uma versão de Bohemian Rapsody que ganhará outros intérpretes. Heidi Klum a elegeu para o Golden Buzzer, dando direito de ir direto para a Final do concurso/reality show.

Para quem não a conhecia, surgia uma nova estrela no firmamento. Para quem a acompanha desde os 7 anos, como eu, fã de programas de calouros do mundo todo, além de vídeos musicais desde garoto, era a confirmação de um talento especial. Que ao conhecer o que é tradicional tem maiores condições de inovar. Que a exposição que venha a sofrer com a continuação do programa, de grande audiência nos Estados Unidos e visto no planeta todo, seja encarada com a devida maturidade e a simplicidade que tem a caracterizado.

Apresentação de Angelina Jordan no America’s Got Talent – Champions 2020:

https://www.youtube.com/watch?v=VPuAl7ux7VY

https://www.youtube.com/watch?v=rn6nkX0h6Xw

Canal no Youtube:

https://www.youtube.com/channel/UC1Pwa4nFvIPbtYVLcBGDpjA