#Blogvember / Começo… Fim

Teatro: artista que sou, prisioneira da vida, o que me resta senão representar? (Rozana Gastaldi Cominal)

Foto por Pixabay em Pexels.com

não acredito em fim…
nem em começo
a energia é circo é lar
circular
sessão após sessão
um nunca terminar
representar
o que me resta
senão ser artista
prisioneiro da vida
algo tão grande quanto pequena
porque tudo abarca
a barca
eterno navegar entre sóis
sós e totais
por galáxias e vazios plenos
ser marinheiro capitão
servidor do convés
carregar o timão e o temor
de não saber a rota
viajar em círculos concêntricos
excêntricos cada vez maiores
experimentar saberes e mentiras
ciclos
ultrapassar campos e núcleos
imersos uns nos outros
em busca de novos continentes
e formas
um lugar onde ficar
encontrar outros conviver
exterminar reproduzir assentar cruz e bandeira
de invasor predador criador mantenedor
ser pais mães filhos e avós
morte e vida…
matéria e além…

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

BEDA / Mentiras

Mariana, o título de sua missiva – as mentiras que esquecemos de dizer – me remete aos mecanismos da convivência social que utilizamos para que nos sintamos mais confortáveis diante da “violência” que é aceitar um ao outro, com todas as suas-nossas contradições. Referente ao Dia da Mentira, como resposta a uma postagem do nosso companheiro escritor, Joaquim Antônio, expressei que convivo com a mentira há sessenta anos, desde que eu nasci. Tempo que depreendi que a mentira é um sustentáculo da Sociedade.

As mentiras que dizemos tem a ver com o que desejamos. Os momentos de lucidez podem a vir a resultar em situações até engraçadas, pela quebra de poderosas regras não escritas. No meu casamento, a minha mãe recomendou para que o responsável pela condução da cerimônia pedisse a nós que repetíssemos as palavras: “na doença e na doença, na riqueza e na pobreza…”. Percebi que seria o momento do escritor intervir e tasquei: “na riqueza e, muito mais provavelmente, na pobreza”. Provoquei o riso dos convidados, descontraí o ambiente, mas no fundo era naquilo que eu acreditava.

E isso diz respeito às promessas feitas – “Mentimos que era para sempre, mentimos que a emoção seria sempre a mesma e mentimos que não sofreríamos”. No fundo, queremos acreditar e eternizar o instante, ainda que “saibamos” que esse não seja o padrão. O poder da crença carrega a força necessária para que o ser humano sobreviva. A fé seria outra mentira? Não é para quem crê que crê. Especulo que se vivemos a mentir e esquecemos de fazê-lo, mentimos que somos melhores do que somos. E me pergunto se mentimos ao deixarmos de ser francos sobre determinadas situações

Mentir seria como viver alternativamente. Porém, se essa é a norma, acaba por se tornar a realidade com a qual lidamos. Não é por outro motivo que os embates ocorrem e ficamos admirados quando encontramos quem mente a nossa mentira e podemos trocar impressões sobre as gradações das verdades alternativas. Filosoficamente, essa questão é discutida como possibilidades do devir, mas no sentido prático é manipulada por pessoas que controlam ou desejam controlar as demandas diárias de nossos sentidos, sentimentos, emoções e necessidades, na busca de maior poder.

A franqueza, a transparência nas respostas às circunstâncias, inviabilizaria que continuássemos unidos através de contratos materiais e imateriais não ditos, mas que concordamos em cumprir. Destruiríamos a Sociedade como a conhecemos se assim não fosse. Ou instauraríamos a liberdade de ser. As relações talvez se tornassem parecidas com as dos primeiros grupamentos humanos. No entanto, como a mentira é poderosa e é o viés de como percebemos o mundo, no tempo provou-se ser mais efetiva como regra da expressão da personalidade humana.

Para intermediar essa forma de comunicação, criamos linguagens em que a luz da verdade se consubstancia em arte e a autenticidade de cada um pode vir a se identificar nas obras de arte de todas as vertentes culturais. “Mentiras sinceras me interessam”…

Que saibamos reconhecer as nossas verdades em meio a tantas mentiras, Mariana!

Imagem: Foto por Florencio Rojas em Pexels.com.

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

Cavaleiros

02 de junho de 2020. Tempo de Pandemia de Covid-19. Quarentena em São Paulo. Data marcada e demarcada. Momento grave no Brasil. Transição política entre o estado democrático de Direito e eventual golpe de Estado provocado por um político do baixo clero que um dia serviu de ponta de lança ao projeto fascista gestado nos ambientes limpos e degenerados de condomínios de luxo e, esdruxulamente, à beira de mesinhas de plástico, regados à caipirinhas e churrascos.

Ao vivo, bebem leite. Seu bando plagia discursos de Goebbels, brandem tochas, vociferam contra as instituições, apoiam símbolos da supremacia branca e a liberação de armas de fogo. Além dos soldados-milicianos, conta com o apoio de simples de mentes e de corações carregados de ódio. De todas as classes. Uns, crentes-descerebrados ativos, inocentes úteis, culpados por serem tão facilmente usados. Outros, isentos, incapazes de ações empáticas com o lado fraco do elo social e, de certa maneira, simpatizantes de ideias de erradicação dos doentes sem atacar a causa — a doença que os geram e sustenta o sistema.

São a favor da desigualdade econômica, das distorções que servem aos senhores de engenho e se esforçam para manter a moenda rodando. No centro de tudo, um ser tacanho. O “cérebro pensante” é externo ao corpo que o move, sem inspiração ou aspirações culturais. O abominável se alimenta do Caos. Baseia-se em modelos que aplainam a Terra, abominam o Conhecimento e a Ciência. Abdica da humanidade como medida ou, radicalmente, absorve o pior que o ser humano já produziu — elucubração de teorias de exceção racial e afirmação da eugenia numa nação que carrega o dom de ser múltipla e miscigenada. Morte de velhos, tratados como tomadores de recursos; erradicação de direitos da massa que acreditam terem nascido para servir; instauração de privilégios dos grandes empresários (“com eles, ganharemos dinheiro”); tomada dos espaços naturais como bens de consumo (“fazer passar a boiada”); (des)governo das mentiras repetidas mil vezes até se tornarem verdades; desrespeito a Democracia ̶ escada para chegar ao poder — do qual não pretende apear.

Eis um dos cavaleiros do Apocalipse — a Peste. Aquele que se diz superior, beija os pés do grande irmão do Norte e, por ele se orienta ao sul do hemisfério Sul — cucaracha de estimação, cão amestrado que lhe lambe a mão. Programa de exterminação dos bens culturais, do sentimento de igualdade cidadã e da união na pluralidade de identidades. Desejo de extirpar oposições, afastar aquilo que o inferioriza — quase tudo que o rodeia. Revela-se grande somente aos seus seguidores de seita, sem perceber que joga o País na conflagração. Satisfação máxima de quem não tem nada a perder, a não ser sua prole — iguais a ele, reprodução dos outros três cavaleiros do Apocalipse — Guerra, Fome e Morte.

Que coloquemos um basta: a tolerância não deve servir aos intolerantes.

Imagem: Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, por Viktor Vasnetsov (1887)