Mulher De Malandro

Vivemos uma época em que homens e mulheres não sabem onde colocar o desejo. Por mais que tenham se estruturado em torno de um arcabouço em que busquem responder de forma diferente à superestrutura patriarcal, escorregam em demandas internas que os movem em direção à irresponsabilidade comportamental em Sociedade. Não importa o nível social, o econômico (apesar das duas coisas se imiscuírem), o intelectual ou da capacidade de uma pessoa ser solidária ao outro em condição de fragilidade — o que poderíamos chamar de moral. Eu poderia também chamá-lo de solidário ou empático — compaixão.

Há muitas outras maneiras de acondicionarmos as características de alguém especificamente. Em uma figura pública — artista, política, esportista ou qualquer proeminência — jogamos sobre ela predicados que consideramos ideais. Quando esta entidade comete algum erro ou vai em sentido contrário ao que acreditamos, trai a confiança que desenvolvemos sobre o ser humano… por ser humano demais. Seres errantes sobre a Terra, somos seres que erram.

A notícia de que um homem eminente se deixou levar (até prova em contrário) por seus impulsos primitivos, jogando por terra uma construção idealizada sobre a sua personalidade — homem preto, professor acadêmico de carreira fora do País, defensor dos direitos dos despossuídos, pensador estudado, que chegou à alta administração do País — como se fosse a definição completa do sucesso de alguém que se colocou acima das expectativas de sua raça e/ou nacionalidade. Correndo o risco de referendar o uso de frases antigas que reafirmam preconceitos arraigados advindos do útero brasileiro — o Escravismo.

Nunca deixamos de vivenciar, mesmo depois da suposta abolição da escravidão, a estrutura escravista como modelo básico do desenvolvimento da sociedade brasileira. Passa pelo Patriarcado como alicerce, a condução de nossos caminhos pessoais em todos os níveis — psicológicos, principalmente — não deixando de penetrar no arcabouço mental de quaisquer homens (e muitas mulheres), de todas as raças. Ainda que se eduque bastante, que busque fugir dos paradigmas impostos pelos preconceitos, poderão vir a sucumbir a desejos mais rasos, mesmo que tente reprimi-los de todas as maneiras.

Ou pode surgir outra explicação. O sujeito nunca deixou de ser uma pessoa que deu vazão aos seus impulsos e tudo o que fez foi construir em torno de si uma superestrutura que o colocasse à vontade para exercer o seu poder de abusador. A favorável visão externa o colocaria à salvo de tal maneira que a forma como envolve as suas vítimas a fazem duvidar de que estivessem sendo abusadas: “ele sempre muito gentil com todos, não creio que tenha cometido essas faltas”. Aqui, está o escritor a se colocar de acordo com o conhecimento que tem da alma humana como matéria de criação.

Numa conversa com as minhas filhas, defensoras das minorias e de causas sociais, elas objetaram a minha opinião sobre um vídeo em que garotos pretos referendam posicionamentos de um ativista branco de extrema-direita. No cerne de suas posições, umas das mais caras passavam pelo racismo e pela misoginia. O que faz com que aqueles rapazes defendam essas pautas? Coloquei que, para mim, era o fato de se considerarem pertencentes ao gênero masculino, antes de se considerarem pretos. Essa condição talvez seja tão forte que obliteram o viés preconceituoso ao tipo de ideologia exposta. Sorridentes, quase ouço de fundo a fala dos subjugados pedindo benção ao “Sinhozinho”.

Outra consequência do efeito que o caso de abuso causou a mim foi de eu começar a vigiar a minha própria atuação como homem, pai, amigo, esposo. De que maneira eu poderia estar agindo que pudesse estar sendo interpretado como avanço indevido ou não autorizado ou até uma agressão? Eu gosto de mulher, para além da ordem sexual, eu a admiro como o gênero superior na relação da espécie. Dessa maneira, tenho que deixar claro que as minhas condutas devam carregar demonstrações desse respeito.

No trabalho, um jovem rapaz que cuidava do telão de led para a projeção do evento estava tendo dificuldades com o aparelho transmissor. Até que conseguiu arrumá-lo. Perguntei se era algum cabo defeituoso, ao que ele respondeu: “Não, gosta de apanhar, que nem mulher de malandro”. Quase que imediatamente, perguntei por que ele achava que mulher de malandro gosta de apanhar. Ele não soube responder. Obviamente, ele ouviu essa expressão (que já repetira várias vezes na mesma idade dele) do pai e/ou amigos, colegas de trabalho ou escola.

Eu contra-argumentei que sendo mulher de malandro, a mulher saberia que se revoltasse, vivendo numa estrutura fragilizada, poderia até ser morta, como aliás tem acontecido em todos os níveis econômico-sociais quando a mulher tenta obter a sua independência. O Patriarcado faz tanto mal à mulher (que é vitimada por ser mulher), quanto ao homem. Vítima e algoz, filhos, amigos e parentes sofrem com a violência no lar, no trabalho, na rua. Começa pela palavra, pode terminar no punhal ou na arma de fogo. No mínimo, pode matar biografias até então ilibadas…

BEDA | O Segundo Assassinato de Marielle

ARMA
Vamos nos amar ou nos armar?

Eu já escolhi em quem votar. E, principalmente, escolhi em quem não votar – um, entre todos. Ou seja, qualquer que seja o/a seu/sua oponente, caso chegue ao segundo turno, voltarei contra Jair Bolsonaro. Esse senhor talvez seja a pessoa mais despreparada para chegar ao cargo mais importante da Nação já visto. O que é incrível, visto o péssimo rol de candidatos que se apresenta para esta eleição e outras que já tivemos.

Não sabe nada sobre Economia. Não sabe nada sobre Educação. Não sabe nada sobre Saúde. Não sabe nada sobre relações humanas. Não sabe nada sobre governar. Talvez saiba algo sobre mandar, acostumado que está a ser obedecido por tropas sob seu comando: “Atirem, matem, recarreguem, atirem!”. Fala como um atirador. Acertas vários alvos. Balas perdidas, faz vítimas a torto e a direito. Seus apoiadores urram de satisfação se atinge um “malfeitor”, apesar dos vários corpos de inocentes jogados lado a lado.

Prometeu equipar com poderosas armas de fogo os combatentes de crianças de 8 anos de idade com fuzis nas mãos. “Nossas” crianças contra as “deles”. Nada de criar uma sociedade igualitária pela educação de qualidade, estimular a inclusão de brasileiros ao mercado de trabalho, diminuir a desigualdade. Não. Vamos matar todos que estão do “outro lado”. Talvez seja a guerra tão sonhada por generais ociosos que creem na revolução pela violência – equalizar pela eliminação, o diferente.

É homofóbico, saúda a família tradicional e o casamento entre heterossexuais como instituição – já fez isso três vezes. Nada contra. Parece gostar de mulher, mas não da mulher – misógino. Racista, avalia pessoas por arroba. Disse ter Deus no coração e professa o ódio como base de atuação. Ódio que atingirá a todos que não seguirem a cartilha do “marchar, continência, obediência cega, botas limpas, visual limpo e insuspeito”. Nada de educação sexual para as novas gerações de crianças que, com cinco anos de idade, já “aprendem” a fazer sexo em vídeos explícitos em seus celulares, no recesso de seus lares.

A sociedade brasileira, depois de anos de desenganos, está doente. Quer um remédio amargo, “nova” fórmula, mas tão antiga quanto a história da humanidade. O século passado passou, contudo, corre nas veias de velhos preconceituosos e jovens que desejam uma velha ordem, com cara de novidade. Os criminosos de dentro e fora do governo estão exultantes com a possibilidade de que tudo piore. Quem não sabe o que já aconteceu neste País, quer apostar no quanto pior, melhor. Ver o circo pegar fogo é o desejo de todo palhaço assassino.

Em outubro, Marielle poderá ser executada novamente, em público, à luz do dia, em uma emboscada que está sendo armada por todos nós, brasileiros. A mulher que representa as minorias (em direitos atendidos), será fuzilada mais uma vez. Eu, que não professo posicionamentos da esquerda partidária, reverencio a história dessa mulher. Sua memória de luta será aviltada, de novo. Nessa oportunidade, os autores do crime estarão armados de títulos de eleitor.

Participam do BEDA: ClaudiaFernandaHanna LunnaMari