BEDA / Scenarium / Eventualmente*

Eu costumo usar o termo “eventualmente” muitas vezes. É um advérbio que evidencia algo que ocorre de maneira ocasional, fruto de uma casualidade ou incerteza. Que possivelmente aconteça, mas não é provável. Gosto do sinônimo “porventura”, que seria o contrário de desventura, ainda que represente muitas vezes também uma situação perigosa além de feliz. Talvez seja o caso de sabermos o quanto é perigoso ser venturosamente feliz.

A insistência em utilizar “eventualmente” se dá porque, apesar de a priori crer que nada seja por acaso, a teoria quântica é mais do que atraente para deixar de ser contemplada como possibilidade de escrita. O uso do “se” como caminho a ser tomado, geralmente sobre acontecimentos passados, é igualmente prerrogativa de um exercício de antecipação ou interpretação. Modificar o Tempo é uma tentação a qual muitos gostariam de ceder. Desejo de experimentar uma viagem temporal em que o Presente, o Passado e o Futuro são interdependentes e modificáveis.

Viajo nas palavras como verbos-mundos que terminam por decidir destinos de meus personagens e de nós mesmos, personagens que somos de algum louco escritor. Crer que nada seja por acaso também se aproxima da loucura. O “sim” talvez possa levar ao “não” e vice-versa.  Ou não. A matemática da vida por vezes não casa com a geometria dos corpos, sendo que os algoritmos atuam como as novas estrelas do nosso palco. O imponderável ganha voz em meus contos e poemas. As eventualidades e as incertezas marcam frequentemente a estrada que percorrem. A casualidade é permeada sincronicidade. São trilhas pelas quais caminho e que avivam ou matam a minha expressão. Porventura ou por desventura.

Apesar de parecer ficção, a própria realidade brasileira de hoje é baseada fortemente na interpretação dos fatos a depender do viés ideológico. Como tema de livro distópico, uma guerra do bem contra o mal em que os dois lados se arvoram no direito de empunhar a bandeira do que é certo, ainda que venham a distorcer a realidade. Eu mesmo, que brinco com o dito anarquista  “si hay gobierno, soy contra” — encontrei uma boa desculpa para combatê-lo Sua plataforma de atuação — de aniquilamento dos avanços sociais e desmonte da estrutura administrativa participativa — vai contra tudo o que acredito.

Seus apoiadores creem que travam a boa luta contra a corrupção e o solapamento moral da sociedade, ainda que saibamos que os critérios que utilizam, humanos que são, sejam um tanto permissivos, principalmente porque escolheram alegoricamente o caminho do mito. De início, apontam para a instabilidade civil por não acreditarem na igualdade social e por defenderem que o desnivelamento econômico seja abençoado por Deus.

De debatedor ideológico, o agente miliciano passou a ser uma ameaça para a estabilidade democrática do País, além de colocar em perigo a vida da população diante de uma grave crise sanitária. É a aplicação do jogo do “se” de maneira dolorosa. A Física Quântica a embaralhar as probabilidades eleitorais de 2018 e, se houver, a de 2022. A eventualidade de uma facada a decidir o destino de um país. Enfim, se conseguirmos ultrapassar todas as possibilidades contrárias de virmos a sucumbir ao destino ou ao acaso, porventura possamos ser felizes. Eventualmente.

*Texto publicado pela Scenarium.

Participam do BEDA: Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Suzana Martins / Darlene Regina / Roseli Pedroso

BEDA / Scenarium / A Ideia, O Mito E O Beijo

BEIJO

Quando alguém se torna uma “Ideia”, como se fosse a perfeita definição de uma ideologia, na verdade incorre-se numa idealização. Normalmente, subjetiva. Qualquer um pode pensar o que quiser sobre essa ideia.

Quando alguém é chamado de Mito, podemos inferir que mito seja uma questão de interpretação, geralmente enganosa. Como o “Mito da Caverna”, de Platão. Nele, a experiência de vida reclusa se confronta com a claridade – um conhecimento novo – que é alcançado quando o sujeito se liberta do claustro. Seria tão fácil se a luz revelasse tudo… A luz também pode ofuscar, a ponto de não percebermos a verdade. É como se o brilho excessivo revelasse algo que está além da capacidade que algumas pessoas têm em enxergar. Há igualmente os cegos por opção ideológica ou incapacidade de percepção por estarem com as costas voltadas para o lado contrário ou porque a mentira lhes convém.

Há, ainda, os que estão a ver o que acontece, das suas possíveis consequências e apenas querem se beneficiar com a miopia ou cegueira coletiva, ao afirmarem que também não estão a ver a realidade ou interpreta-na de forma fantástica. É comum acreditarmos muito mais na mentira elaborada do que na verdade simples. São os recursos dos manipuladores-ilusionistas.

O entendimento da realidade imediata, portanto, acaba por se tornar algo tão pessoal que é comum duas pessoas brigarem por concordarem na essência, mas discordarem quanto à forma. Radicalmente, acho que só nos entendemos convenientemente no escuro, com as bocas abertas e as línguas caladas num beijo…

Beda Scenarium