Só, Num Solitário Domingo*

O solitário no piscinão…

Hoje, eu acordei me sentindo só… Estava igualmente sozinho na cama — a Tânia saiu cedo para o plantão no hospital — e imediatamente percebi que aquele sentimento de solitude seria a minha companhia por boa parte do dia. Registrei o homem só a lavar o rosto, se vestir, passar pelo corredor, abrir a porta do quarto das meninas, observar a filha deitada em sua cama e Lola Maria a lhe abanar o rabo. Descer para tomar café e decidir o que faria naquele solitário domingo… Resolveu experimentar a sua solidão entre outros e ir à academia. Ele trocou a água da Baleia, Cotoco e deixou cenouras para as porquinhas; acarinhou a Penélope, a Domitila, a Frida e a Dorô; deu adeus ao Horário, à Dulce e deixou ração para as calopsitas; saiu para a rua. Assumi o seu corpo.

Eu já havia vivido muitas vezes essa sensação de solitude, não era incomum para mim, mesmo estivesse rodeado de gente por todos os lados. Aliás, diria que fosse uma circunstância cíclica. No entanto, não foi um sentimento eivado de amargor, ao contrário… Nesses momentos, me sentia pleno e arguto. O único senão é que, para onde olhasse, para quaisquer pessoas que encontrasse, eu via refletida nelas a minha condição. Todos se transfiguravam em seres sós no mundo — uma grande comunidade de apartados.

O dia estava convenientemente nublado e abafado. O asfalto esburacado, quase sem nenhum carro a cruzá-lo. Quando algum passava, não via o motorista. Eram apenas máquinas sobre rodas… O invasivo ar quente abraçava a mim, às árvores, aos muros e às casas. Por onde andasse, a solidão se intrometia nas cenas.

Casal de bolivianos. Ela, encostada na grade do Piscinão, de frente para mim, quase a chorar, enquanto ele, de costas, parado-calado, com um cigarro entre os dedos. Mais adiante, um rapaz, de cabeça baixa, sentado à beira do Piscinão, por entre o lixo deixado pela enxurrada. Nesse, senti carregar uma solidão diferente da minha, que me animava, a dele parecia bastante angustiada.

Ao passar em frente ao burburinho da feira, não consegui ver a multidão, somente muita gente só, a reclamar dos preços altos e a carregar o dia seguinte em sacolas plásticas. Perto do Largo do Japonês, um casal de namorados. Ele, sem camisa, sentado em uma cadeira, recebe um beijo na boca, outro no peito e, por fim, na barriga… Ao passar por eles, reconheço os sem-teto que se abrigam em coberturas improvisadas por ali. São dois moços… um deles, se veste dela… Parece que estão juntos para o que der e vier…

Nesse instante, o encanto se quebrou. Não me senti mais tão bem sozinho…

*Texto de 2015

Carapuça

Carapuça

Há um ano, em maio de 2019, e no ano anterior, 2018, quando surgiram os primeiros sintomas da doença que enfim tomou conta do País, antes da pandemia de Covid-19 que foi apenas mais “azar” a se somar ao outro relatei um episódio ocorrido na emblemática Avenida Paulista. Para quem quisesse ou pudesse ver, estava a se demonstrar qual seria o rumo que tomaríamos desde então quanto ao quadro que se apresenta hoje.

“Avenida Paulista, 26 de Maio de 2019, São Paulo. Não consigo ter outra leitura em relação à hostilidade sofrida pela mulher que vestia uma camiseta com o nome de Marielle Franco no peito: seu covarde assassinato parece ter muitos mais apoiadores do que pudéssemos imaginar.

Antes que alguém venha me chamar de ‘esquerdopata’, saibam que sou um crítico contumaz quanto aos rumos tomados pelos governos executivo, legislativo e, eventualmente, judiciário no Brasil dos últimos 20 anos, de todos os matizes ideológicos, o que tem causado algumas discussões em casa com as únicas pessoas para quem tenho mostrado os meus posicionamentos minha família.

No entanto, o que aconteceu há pouco mais de um ano foi um complô horrendo para eliminar uma corajosa voz discordante ao sistema dominado por poderosos claramente ligados ao crime organizado. A possibilidade de haver canais de comunicação do atentado com o atual governo central parece ter melindrado um grupo específico em meio à multidão que prestava apoio a ele, a ponto da senhora ter precisado de proteção policial para não ser ferida, o que me dá a impressão de que esse pessoal tenha vestido a carapuça…

Mais um acontecimento no mínimo impróprio dentre tantos outros de várias gradações de hilários a tristes que preencheram os primeiros cinco meses do ‘novo’ governo brasileiro.”