“A Lua e a Estrela, anel de turquesa…” — Trem das Cores (Caetano Veloso).
Sônia Braga interferiu no cancioneiro nacional através de duas composições: Tigresa e Trem das Cores. E, sabe-se lá, talvez muitas outras do mesmo autor. Fosse eu o compositor, certamente não deixaria de me inspirar em tamanha força da Natureza feito a atriz intensa e talentosa. Eu cheguei a escrever um conto chamado Tigresa em homenagem a ela. A Tânia não gostou dele porque achou o narrador um tanto capacho demais. Falo de um homem totalmente preso à sua irresistível paixão em que somente algumas migalhas de carinho bastavam para enternecê-lo. Libertária, a minha Tigresa passava como um trator por cima dos homens e assim como alguém já disse em uma conversa solta, “não passava vontade”. Enfim, uma mulher digna de inspirar o melhor dos homens a melhorar o mundo com poesia da maior qualidade.
Foto de Sônia Braga por Jean-Pagliuso-Photography-Inc
Tive que resolver um problema com o meu aplicativo de banco no meu celular e fui para a Avenida Angélica. Quase chegando à minha agência, passei pela Praça Buenos Aires. Do lado de fora, visualizei um monumento que quis ver de perto. Havia outros, mas esse me chamou mais a atenção por sua temática. A placa indicava o título: Veado Lutando Com Três Tigres.
Como sou um sujeito que conhece razoavelmente a Natureza, achei estranho que três tigres se associassem em um ataque a um pobre veado. Os tigres são caçadores individualistas, solitários, com ação em um determinado território. Agem de forma diferente dos leões (ou leoas) que costumam se unirem para usarem conjuntamente estratégias de ataque.
Fiquei incomodado com a violência gratuita da obra, bem desenvolvida em termos técnicos. Aparentemente de origem francesa, não sei porque alguém poderia a ideia como algo de relevância que não seja somente a excelência dos traços. No mais, acho de mau gosto desnecessário que as artes plásticas produziu.
Vem um dos homens e lhe ofende a natureza feminina Silenciosamente rouba-lhe a inocência de menina Determinado e consciente impõem-lhe a boca calada Que quando balbucia a verdade é de pronto velada Sofre a exclusão familiar e ainda a pecha que espezinha De ser além de uma pequena mulher, uma mulherzinha O decreto que apequena a moça a conduz ao descaminho Tenta encontrar na química a sua recompensa, o carinho Nos corpos alheios busca confirmar a dúbia fama E passa a acreditar nos créditos de cinzenta dama Mas como um anjo caído, sabe que pode alçar voo maior Acima do rés do chão, além do horizonte de novo alvor Subjuga o ódio que poderia sentir pelos machos da espécie E ainda consegue amá-los e achar graça além da efígie Prova-se emancipada em carne, osso, mente e espírito Escreve a cada momento a sua história rumo ao infinito Une-se a nós e expande o seu ser de boa influência Confessa-se imperfeita, ainda que seja uma dama de excelência.
O tempo urge. De tal maneira que ele nos atropela e 24 horas já não são suficientes para conseguir fazer tudo o que queremos, principalmente se somos pressionados por limitações temporais. É o caso deste “6 On 6“, em que acrescentei outro “On 6“, por estarmos no mês seis, o último do primeiro semestre de 2025. O tema remeteria aos textos e livros que eu tenho lido nesta estação do ano em que a temperatura começa a baixar, mas que os sinais de sua chegada haviam se antecipado, com a queda das folhas das árvores já em meados do último Verão. Esse atropelo temporal, também ocorre no Clima, cada vez mais instável e imprevisível. Mesmo a edição deste coletivo faço um dia depois, como se fosse parte do processo. Estava ocupado com o meu trabalho e não houve como publicá-lo na data correta, ontem. Para arrematar esta introdução, pensei em relatar as minhas leituras de livros, mas como tenho me dedicado a “pescar” os meus próprios textos em publicações no mar das redes sociais ao longo dos anos, decidi colocar parte delas, ainda que sejam pequenas notas, para ilustrar o projeto fotográfico. São pequenos capítulos de minha trajetória como escritor-repórter do meu tempo.
Bem me quer?
O medo de não ser querido impede que eu faça à margarida a pergunta decisiva: “bem me quer?… Ou mal me quer?”… Ainda que o amor me diga “sim!” ou “não!, jazerá, a branca flor, tristemente despetalada ao chão…
Há, dentro de mim, uma briga Momentos em que o meu coração grita Esperneia dentro do peito Com o pulmão se atrita Rebela-se contra os órgãos que abastece de sangue Veja se pode?
Autoritário, tenta impor as suas certezas Rumar contra as correntezas Chega a sugerir que sonhe a mente Mente que aguentará outras aventuras Que não sofrerá com outra aversão Confia na sua característica demente A da mente que se engana facilmente
Porque sabe que ela não se exprime Para além dos sentidos Aprecia pela visão Enternece-se pelo som Subjuga-se pelo toque Submete-se pelo gosto É uma mente limitada Ao mundo que apreende pelas demandas do corpo
Onde está a minha alma, que não toma o controle? Por que não assume a posição de senhora? No conjunto, creio que saibamos a resposta Buscamos todos Ainda que pela experiência sensorial Pelas vidas afora Encontrar outra alma perdida De mim, para mim Amém!
LONGO MAL SÚBITO
Ronco de motores rodovia movimentada motoqueiro fantasma sem capacete deve ser parado pária da sociedade calção chinelos camiseta pobre desce do cavalo se posiciona com respeito aqui é autoridade autoritarismo práticas de tempos passados por chefes no poder incensados não reclama não fala se cala continua sem voz além das muitas na sua cabeça tomo remédio olha as cartelas não queremos saber você é fora da lei eu só quero respeito não cometi crime nenhum está sem capacete nós estamos protegidos com os nossos somos senhores da vida e da morte você deve aprender e quem nos observa também fica assolado no chão nossas botas na sua canga vamos aplicar a nossa sentença culpado por ser brasileiro sem rumo sem ganho sem profissão para ganhar o pão um verme como tantos outros porque essa tortura? queria voltar para a casa vai para a nossa casa ambulante receberá a lição estamos em guerra contra quem nos interpõe representamos o topo do poder nunca mais repetirá a ousadia de contestar mataram mais de vinte no Rio um a mais ou a menos não sou bandido sou trabalhador tenho família filhos pai mãe primos todos tem ratos que se multiplicam olha a nossa viatura a chamamos de carro de dedetização eliminamos pragas as degustamos com pimenta me tirem daqui me desamarrem abram a caçamba não sou lixo sequer indigente sou gente ah! meus filhos mulher não estou aguentando me perdoem não consigo respirar estou deixando a escuridão vou para um lugar sem Luz e sem resposta mesmo sendo de Santos Jesus até quando?
Umbaúba, Sergipe, em 26 de Maio de 2022 – dois anos depois da morte de George Floyd, em outro Hemisfério e outro “não consigo respirar”.
Imagem de 20 anos antes…
UM DIA DEPOIS (10 de Agosto de 2020)
Um dia depois do Dia dos Pais, o que mudou no País? Para tantos pais, filhos e famílias, o segundo domingo de agosto não foi comemorado. Pais não receberam seus filhos, filhos não abraçaram quem os gerou cuidou, trabalhou, viveu por… Muitos, estavam vivos, mas distantes e distanciados, por força do isolamento ou pela desavença e litígio. Eu, mesmo, passei os últimos anos de meu pai, alienado da sua presença. Outros, partiram pela doença do descaso. Cem mil vezes pranteados. Há ainda os que estão acamados, entubados, estratificados. Todos, marcados por estatísticas macabras. Eu pude estar com as minhas filhas. Percebi o quanto sou agraciado por ser beijado, abraçado, por me sentir amado, entrelaçado pelo enredo familiar. A minha alegria carregava um travo. Em domingos sequenciais, vivemos dentro de uma bolha boçalizada, em ilhas isoladas, de mar que se nega a aprofundar. É como se o oceano não fosse salgado, suas águas não quebrassem em ondas ao chegarem às praias, não se permitisse abrigar sereias, miríades de outros seres, tesouros naufragados e continentes perdidos — raso de vida, mistérios e poesia. Contudo, se aproveitam da crença no fantástico e renegam a profundidade da Ciência. Existimos em realidade paralela, afirmando nossa indecência. Negamos o conhecimento e festejamos a morte. Entre plantas — coqueiros e bambuzais — o supremo mandatário deglute a nossa humanidade. À caminho da segunda centena de milhar, o chefe do jogo do bicho medonho continua sem paradeiro. Quem o impedirá o testa de ferro insubordinado de continuar a jogar? Há remédio para evitar que muitos mais pais e filhos estejam separados no próximo Dia dos Pais, por arte e obra da desconsideração por brasileiros, por arte e obra da estultice de eleitores brasileiros?
Ao varrer esta plataforma, encontrei marcas que não havia percebido antes. Como faz alguns anos que foi feita, fiquei me perguntando quem teria deixado este registro para a posteridade. Lembrei das amigas que nos deixaram fisicamente. Não deve ter sido a Penélope, labradora que tinha o corpo e o coração grandes demais. Talvez fosse da Dorô, tão doce e amada por ter crescido junto com as crianças humanas. Ou da Frida, as de olhos de avelãs, quieta ilusionista, que surgia do nada em algum ponto da casa. Da Domitila, que ainda está conosco, também não, pelo tamanho maior do que está marcado. Enfim, o que sei é que daquele patamar as marcas poderão sumir um dia por alguma reforma no piso. Do meu coração, enquanto eu existir, jamais!
Natural (Outubro de 2021)
Nascido há 60 anos em terra, no centro de São Paulo, na maternidade de mesmo nome (hoje demolida), sob Libra, signo do Ar, é na Água que me sinto em meu elemento. Adorei saltar, flutuar em queda, atravessar o azul, mas ao mergulhar é que me percebo um com a Natureza…
Em 2019, escrevi: “Quem tem cachorros (na verdade, são eles que têm a nós), não deveria usar roupa preta. Ou não se importar com demonstrações de carinho. Pelo amor, nunca pelo contrário, só a favor…
Onde estou?… Em São Paulo, junto à Represa de Guarapiranga. Esta cidade é imensa e plural, onde podemos conviver com a decadência arquitetônica do Centro, por descuido dos administradores ou percorrer caminhos juntos à novos edifícios, construídos feitos Torres de Babel, nas marginais do Rio Pinheiros, poluído e mal cheiroso… ou apreciar a Natureza em todo o seu esplendor de força e beleza, como aqui pode se perceber — em Clube Atlético Indiano.