30 / 01 / 2025 / A Atriz

Há tempos não encontrava Léo. Eu havia perdido o seu contato por todos os meios possíveis por dois anos. Porém vim a receber um e-mail enviado por ele, dizendo que estaria em São Paulo por esta semana. Ficamos de nos encontrar na Paulista, em frente ao Reserva Cultural e passamos uma cálida tarde deste verão atípico a prosear. Amigo querido da Faculdade de Jornalismo, éramos dois trintões ainda buscando espaço naquela atividade de destino incerto diante das novas plataformas da informação, “cada vez mais pontuada por opiniões pessoais e conspurcada por posicionamentos ideológicos…” — frisei, ao comentar sobre as dificuldades da profissão. “Não foi sempre assim?” — contrapôs Léo. Ele sempre foi muito mais cerebral do que eu e devia ter razão…

De início, perguntei por onde ele havia andado por todo aquele período, ao que me respondeu que foi morar em Santa Catarina. Para explicar porque havia sumido das redes sociais, disse que havia casado… quer dizer, se unido à uma jovem. “Essa circunstância o impediria de se comunicar com os amigos?” – retorqui. Léo baixou enigmaticamente a cabeça, fechou os olhos, os abriu novamente e passou a desfiar a sua história recente.

Em uma viagem que fez para o Sul, disse, conheceu T…. “Era atriz e trabalhou no ‘Hair’…” brincou. Na verdade, T. era uma atriz que ultimamente começava a se tornar conhecida por participar de uma novela global. Inicialmente, lhe dei os parabéns por estar com a bela “tigresa de unhas negras e íris cor de mel”!…

“Meu amigo, foi paixão à primeira vista! Desbundei! Ela também gostou de mim! O fato de ser de outro lugar ou talvez por minha personalidade mais calada, diferente da maioria dos seus amigos de teatro, veio a trazer certo frescor aos relacionamentos que já havia tido. A sua postura agressivamente aberta, inversamente ao que sempre evitei, imediatamente me cativou. Logo, estávamos a fazer planos para o futuro. Uma loucura!”

Conforme Léo depunha, maior era o meu espanto. Aquele não parecia ser o cara que conheci na faculdade, controlado ao extremo. Era um tipo que sempre evitou as possíveis paixões pelas colegas de classe, os namoros gostosamente inconsequentes ou, minimamente, os “amassos” inocentes com as amigas mais próximas. Certamente, T. devia ser alguém muito especial…

Continuou: “Logo, conheci os seus outros namorados…”. Nesse trecho, derrubei a cerveja na mesa. “Fiquei amigo de quase todos, mas um deles se sentiu ameaçado em sua posição de primazia e tinha razão para isso, porque assumi essa referência, como até hoje acontece…”.

Léo olhou para mim com um sorriso de quem sabia que estava a provocar um efeito de singularidade no espaço-tempo. “Com T., apesar de ser mais nova do que eu, aprendi muita coisa sobre o amor (também o físico) que me transformou em outra pessoa. Aquele Léo que você conheceu, eu diria, morreu…

Quase chegava a ouvir a voz de Gal ou a de Caetano:
“Com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher
Que tem muito ódio no coração, que tem dado muito amor
Espalhado muito prazer e muita dor…”.

Léo: “Em poucas semanas, estávamos morando juntos. Consegui trabalho no jornal local e, quase ao mesmo tempo, devido ao seu talento (para mim) e à boa sorte que lhe dei (segunda ela), T. obteve um pequeno papel em um filme feito por lá, com produção do Rio de Janeiro. Os produtores e o diretor, o A.W. a adoraram, não somente porque fosse realmente uma bela mulher, mas também, posso garantir, por ser muito talentosa!”.

Ao término da última sentença, eu me senti muito mal por ter passado um pensamento fugidio por minha mente, fruto de puro preconceito, mas nunca o verbalizaria, como não o fiz, diante do amigo…

“A minha relação com a T. foi se aprofundando mais e mais, porque além de amante e um amoroso companheiro (palavras dela), ela sempre respeitou a minha opinião, inclusive sobre o seu processo artístico. Igualmente, passou a estimular o meu desejo de escrever. No ano passado, cheguei a publicar alguns contos em cadernos literários… Quanto ao meu afastamento, foi uma opção pessoal, pois me sentia livre e decidi me desvencilhar dos liames que me prendiam ao antigo eu. Desculpe não ter entrado em contato antes, mas tudo aconteceu tão rapidamente e tudo foi tão impactante que não tive cabeça para mais nada!… Atualmente, passamos a morar no Rio, onde ela está gravando a novela. Esta semana, ficaremos uns três dias em Sampa. Viemos analisar a oferta de sua participação em um filme”.

Tomou um longo gole de cerveja e, como a encerrar o seu relato, disse que estava feliz, amava a sua companheira e que estava atento aos possíveis novos paixões de T. para que ela não se machucasse com pessoas que a quisessem somente usá-la.

Pensei em perguntar outras tantas coisas ao Léo, mas qualquer questão que formulasse talvez o ofendesse de alguma forma. Percebi que não estava preparado para lidar com um assunto tão delicado, sem parecer preconceituoso, e decidi apenas aproveitar a companhia dele que, por amor, transformou a sua visão de mundo, em que a tigresa podia mais do que um leão.

Passamos a conversar sobre antigos colegas e conhecidos, também sobre política, futebol e trabalho. Senti certa vergonha em relatar qualquer coisa que tivesse como tema o amor ou mulheres. Percebi que os meus romances não sobrepujariam em interesse a sua história.

Algo pior estava a assomar — pelo brilho dos olhos do Léo, quando falava de T. — senti que também eu poderia me apaixonar por ela… Ah, como gostaria saber tocar um instrumento…

Foto por Tima Miroshnichenko em Pexels.com

29 / 01 / 2025 / Amantes

Quem acha que seja impossível 
chupar cana e assobiar, 
não conhece os amantes…
Amantes são capazes de caminhar 
sobre o chão em brasa 
com o sorriso despercebido 
de quem esconde um grande segredo…
Desencarnam os pés,
porém disso não se apercebem,
pois confundem a dor com prazer…

Amantes dão nó em pingo d’água.
Trocam o certo pelo duvidoso.
Não creem nas certezas perenes 
e apostam quase tudo no imediato.
Amantes só tem como certo
o aqui e o agora…
E juram que o futuro conjura 
contra as suas paixões…

Amantes
intuem que passarão…
Que passará a sensação de vertigem…
Que cairão… em si…
Vazios…
alheios…
desamados…
E como se sentem morrer de sede,
bebem do veneno
até a última dose, 
a sonhar morrerem
apaixonados…

Foto por Anthony ud83dude42 em Pexels.com

BEDA / Paixões & Loucura

Assim como águas passadas movem moinhos…
Quando me encontro perdido é quando me encontro
Porque não me canso de me procurar
Em meu âmago sinto que prefiro me arrepender
Do que fiz do que não fiz
As consequências são escolhas por mais que não as controlemos
Mesmo porque quase nunca controlamos nada
“Sempre” e “nunca” decidi não usar mais certa vez
E por isso vivo me contradizendo
Quase sei o que não sei… aprendi
Desconhecer é um caminho sem volta
Desconhecer o mundo, o outro, a si
É como renascer a cada manhã
Novo e ignorante de sua essência
Mas ciente do que seja essencial… respirar
Como se sabe?… respirando
De obviedades também se vive
Como morrer, a maior obviedade que existe…

BEDA | O Dia Seguinte

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Ingrid e Gus, o australiano

Hoje, o dia seguinte, amanheceu frio e nublado. Agosto é um mês de mutações térmicas drásticas. O dia anterior, iniciado quente e ensolarado, foi se transformando gradativamente, até se precipitar em água.

AGOSTO (1)
Val Guimarães e Roseane “Poesia”, primeiras a chegar

Trabalhei muito. O que me ajudou a não pensar frequentemente sobre minha paixão tornada confissão. Lunna soube bem identificar um dos significados da frase anunciada em rede social: “A loucura nos faz cometer paixões.”.

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Cláudia Leonardi, a Mãe Literatura

Uma dessas paixões foi testificada por palavras e seria colocada em mãos e, eventualmente, decifrada pelos olhos de quem quisesse conhecê-la – criar-recriar-transformar a vida em cenas e vivências – por personagens que representam minha experiência nesta jornada de quem me lê e dela participa.

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Maria Gonçalves, fã da Scenarium

Essa magia que é viver pode estar sempre por um fio. Feito Agosto. Repentinamente, podemos mudar de “estado”. Somos, mas estamos. Tento registrar essa dinâmica, como escritor.

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Minhas filhas – Ingrid e Romy – e amigas

Espero ter alcançado, com Rua 2, sucesso nessa empreitada. Porque, sucesso, para mim, é isso – encontrar receptividade para o que tento mostrar. Ainda que seja por apenas uma pessoa. Ainda que a mensagem seja entendida de maneira totalmente particular.

AGOSTO (7)
Com Mariana Gouveia, que lançava “Corredores, Codinome: Loucura

Com um livro de contos, cada um deles é uma chance de sucesso e, naturalmente, de fracasso – incentivo na busca do aprimoramento.

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Com outro autor da Scenarium, o poeta Marcelo Moro

O que chamo de “queda no precipício” foi acompanhada por muitas pessoas no ambiente do Café. Com certeza, perturbamos a rotina do local. Eu vestia uma camisa e carregava um chapéu em tons parecidos com o da capa de Rua 2.

AGOSTO (9)
Destaque para Maria C. Florêncio e Joaquim Antônio, poetas da Scenarium

Amigos, parentes e leitores seguidores da Scenarium, reunidos para um congraçamento em torno da literatura – um acontecimento cada vez mais estranho em um país em que as mídias visuais e sonoras preponderam. Diferentemente do “esforço” de ler.

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Com Mister Scenarium – Marco Antônio Guedes

Foi uma noite prazerosa. Os sorrisos irradiavam sem querer. Risadas espocavam alvissareiras de encontros festivos. O encanto se estabelece simplesmente por todos estarem reunidos em torno de um projeto de vida – Lunna e Marco – seus mentores e anfitriões.

AGOSTO (11)
Com  Adriana Elisa Bozzeto, autora de Verbo: Proibido

A artesã da palavra e das palavras transformadas em livros, editora de ideias transmutadas em projetos de vida. Vidas lançadas em embarcações sem destino, até chegarem ao coração de alguém – porto inseguro.

AGOSTO (12)
Lunna Guedes, escritora-editora da Scenarium

Acordei cedo. Prometi para mim mesmo colocar este texto no blogue por volta das 11h de Brasília. Consegui apenas às 16h, pois a vida nos solicita para além do escritor, realizar as tarefas cotidianas.

AGOSTO (13)
Frida, solicitando atenção…

Quem me lembra disso é a Frida, que pede atenção e comida. É hora do almoço. Interrompo a minha escrita e a alimento, como igualmente as outras meninas – Penélope, Lola, Betânia e Domitila.

Comeram tudo… Foi um sucesso!

Participam do BEDA:  Claudia — Fernanda — Hanna — Lunna — Mari

 

 

 

 

Super Humano

Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande


O Homo Sapiens, de presumíveis trezentos mil de anos, seria resultado do desenvolvimento de outros humanoides ao longo de um milhão de anos, para alguns. Para outros, foi criado pronto, única possibilidade que explicaria a complexidade de seu “desenho inteligente” e as relações de forças imponderáveis entre o mundo físico e o imaterial. Cheguei a acreditar certa época que somos resultado de experiências extraterrestres alienígenas.  O Homem Sábio (de si) é um ser que passeia entre a claridade e a escuridão. Tanto pode ser criador de sistemas filosóficos que o elevam para além de suas limitações materiais em busca do autodomínio e libertação dos liames do mundo visível, para se chegar além, como Buda ou Jesus – supra-humanos –, quanto pode funcionar apenas para satisfazer seus instintos mais básicos, em que prepondera as emoções fáceis e os sentimentos simples. O que não impede que utilize de muita inteligência (prática), voltada para alcançar e manter poder sobre outros, como Hitler ou Stalin – esses, humanos demais. Entre uns e outros, nos colocamos, em nossa maioria.

Assim como parte dos seres humanos prejudica outros seres vivos simplesmente porque pode, outra parte prefere estabelecer laços de conexão em “frequências” mais altas por todos os níveis da existência. Eu suponho que ainda não nos matamos todos uns aos outros, apesar de parecer que estejamos por um fio, porque acredito que a energia positiva gerada é maior do que a negativa. Uma impressão inteiramente pessoal é que o poder de atos e pensamentos elevados sejam mais intensos do que os mais baixos, apesar de percebermos a atração que casos escabrosos têm sobre a população como um todo. A tristeza promovida por notas infelizes parece ganhar mais destaque que a alegria por boas novas. O ódio se anuncia mais candente do que o amor edificante. A paixão, volátil, é mais celebrada do que o afeto profundo. Rompantes sexuais são decantados como ideais para romances em contraponto à união madura. O pau duro e a buceta quente vencem a cabeça fria. Celebrado desde as castas cultas, em versos lascivos, passando pelas populações iletradas que expelem a cultura da precariedade como padrão, vemos a dominação do baixo ventre de maneira sequencial. No entanto, esse discurso também poderá ser encarado, de maneira inversa, como repressor, impeditivo da expressão do corpo livre da dominação de regras sociais, ainda que eu a considere uma outra forma de prisão.

Diante da relatividade dos posicionamentos, da falência da Filosofia como método abrangente, a aparência é de que todos estão certamente errados. A causa talvez seja encontrada na deseducação promovida a longo prazo pelos agentes governamentais e as cíclicas guerras de desinformação político-partidárias. Grupos agem para tentar assumir o poder sobre o cofre público, sob fiança de nossas escolhas. Como cortina de fumaça, grêmios promovem batalhas de cores, escolhidas para apartarem tendências, religiões, países, ideologias, pessoas – tática usual para aglutinar riqueza – medida de todas as coisas. A sensação é que guerreamos batalhas perdidas.

Como a se desvencilhar dos antigos saberes, os jovens tecnológicos criam virtualmente um mundo novo, apenas na aparência. Muitos vivem apenas a repetir os mesmos erros do mundo real, confirmados através de guerrilhas simuladas, uma realidade que já existe. Não sairemos dessas armadilhas armadas diligentemente por décadas a fio por agentes do Sistema. Gostaria de colocar um “talvez” (tão caro a mim), mas o pouco que o Xadrez me proporcionou como conhecimento estratégico e senso de antecipação, aliado ao meu olhar cada vez mais descrente da atual fase da aventura humana, me leva a crer que não viverei para ver alguma mudança significativa no futuro próximo.

Tomando a liberdade de me apropriar de uma nomenclatura parente utilizada por Nietzche (não é o caso de matá-lo), se eu fosse estabelecer, pelo meu critério de humanidade médio, um super-humano na atual escala talvez escolhesse Darth Vader. Afinal, o que muitos tentaram, ao promoverem maldades isoladas e coletivas, menores e maiores, o supremo representante do Lado Sombrio da Força superou a todos ao aniquilar civilizações inteiras, ainda que tivesse poderes especiais para salvá-las.