Você me chamou e não a ouvi Estava absorto na faina cotidiana Navegava pelos rios de asfalto da cidade Percorria os túneis de fuga terra adentro Para fora de mim mesmo Sempre apartado do meu corpo O que poderia ser um sinal de independência Não se cumpria Pois os pensamentos arquitetados Por outras mentes Eram absorvidos pelos meus olhos Invadiam o meu cérebro E eram caminhados por minhas pernas Se incorporando à minha rotina Como se meus fossem através do poder de intervir Consumado pela arquitetura citadina Realizada pelos planejadores do ir e vir Estava partindo para um lugar certo Porém não pensava nisso Mesmo querendo parecer borboleta Ainda que formada e liberta Voltava para o meu casulo Que me atraía Como tal, as minhas asas voavam um voo curto Mais decorativas do que eficientes E termino sendo um simples humano ser Fingindo um próprio querer…
tudo poderia ficar para depois mas as lembranças não adiam a estadia enquanto os esquecimentos fazem morada permanente não há mágoa mas há para mim não vivo dias porém eternos minutos passo a passo e em cada um deles para cada memória aleatória uma parte de sombra e perdas porque não fui feito para interagir mal consigo lhe dar comigo me olvido de mim esqueço quem sou para onde vou não sei de onde vim me sinto apartado do mundo mas nele vivo quantas vezes no chuveiro olho para os meus pés em contato com o piso alagado de reminiscências que escoam pelo ralo a água é meu elemento preferido principalmente a salina nas ondas peito os enfrentamentos e afogo meus desejos enquanto os afago sim eu os tenho sou movido por eles os refuto conscientemente ainda que os concretize na temporada junto ao mar chuvas constantes raios que matam e ferem após um dia em inquietude desejei ir para a areia tarde em escuridão de nuvens carregadas efeitos de zcas el niño la niña seres humanos apesar disso entrei oceano adentro me banhei de penitência pensando que talvez morresse cercado de solidão a minha miopia imperante meus últimos pensamentos na desconhecida de todos visão para outro estado de ser talvez morresse naturalmente fulminado por um raio mas sobrevivi para continuar a magoar…
Embolei as ideias fiz um nó depois desatei (Nirlei Maria Oliveira)
Florzinhas “vagabundas” pelo caminho…
Gosto de caminhar. Aclara as minhas ideias, estabelece um rumo, enquanto desando em pensamentos fugidios. Percebo o caminho para além das marcações de asfalto, guias, calçadas e buracos. Por vezes, enquanto passo, passam personagens. Dois deles que formavam um casal de idosos, saíam pelos portões de seu condomínio e encetaram os seus passos lentos e encurvados de presumíveis 80 anos.
Ao ultrapassá-los, os cumprimentei com um bom dia de reconhecimento, ainda que nunca os tivesse avistado antes. A senhorinha respondeu com a sua voz fraca, mas o senhor apresentou um tom forte e estável, de quem vivia os seus 50. Foi uma agradável conversa entre as idades. Porque não são apenas frases longas que perfazem um diálogo. Deu vontade de interceptá-los e saber sobre as suas histórias — união, filhos, netos — se os tinham.
Mas me lembrei de itens que faltavam em casa e mudei o rumo para o supermercado. Ao passar pela caixa, uma simpática moça me ofereceu um panetone, há dois meses do Natal. Respondi que não gostava de frutas cristalizadas (foi o menino que fui respondendo). Ela disse que também só gostava de chocotone.
O que ficou de saldo, além dos itens pelos quais paguei foi o de como as idades que vivemos se intrometem vez ou outra em nossa vida, sem mais nem menos. Atualmente, tolero panetones com frutas cristalizadas, mas o diabético tem a desculpa de não poder comê-los. Desandei em novos pensamentos. Embolei as ideias, fiz um nó depois e os desatei. Outra desandança…
Porém, nem sempre equaciono as minhas dúvidas, das mais simples às mais complexas. Muitas vezes, deixo permanecê-las numa caixa de mistérios, como se fossem brinquedos com os quais escolho brincar quando mais nada me acompanha — de pessoas a sentimentos, de emoções a ações. Vou lá, abro o repositório e os toco com a reverência de quem vive conexões misteriosas a serem desvendadas.
Em minhas andanças em busca de flores pelo caminho, tem sido comum passar por pombas mortas. Tão acostumados a ciscarem pelo asfalto, distraídas ou lentas, os carros as atropelam, desfazendo o acordo que anuncia: quando estes passam, aqueles ratos alados devem voar (George Constanza, em Seinfeld).
Domesticadas, a morte não se dá por predadores comuns, mas motorizados. Nós, que as atraímos com o nosso comportamento de “sujismundos”, estamos a abatendo esportivamente por atropelamentos. Aliás, este último parágrafo aconteceu sem mais nem menos, resultado de meus desandados raciocínios. Acidentes articulados pelo meu precário des… tino…
Você me chamou e não a ouvi Estava absorto na faina cotidiana Navegava pelos rios de asfalto da cidade Percorria os túneis de fuga terra adentro Para fora de mim mesmo Sempre apartado do meu corpo
O que poderia ser um sinal de independência Não se cumpria Pois os pensamentos arquitetados Por outras mentes Eram absorvidos pelos meus olhos Invadiam o meu cérebro E eram caminhados por minhas pernas Se incorporando à minha rotina Como se meus fossem através do poder de intervir Consumado pela arquitetura citadina Realizada pelos planejadores do ir e vir
Estava partindo para um lugar certo Porém não pensava nisso Mesmo querendo parecer borboleta Ainda que formada e liberta Voltava para o meu casulo Que me atraía Como tal, as minhas asas voavam um voo curto Mais decorativas do que eficientes E termino sendo um simples humano ser Fingindo um próprio querer…
Penélope comeu e se posicionou junto à porta da sala. A olhar para fora, parecia, afora contemplar o sol a rebater nas paredes e no piso do quintal, refletir. Naquele momento, quis penetrar em seus possíveis pensamentos e saber se eles iam para além dos desejos imediatos – descansar, para de sentir dor, dormir – e depois voltar a comer… O que não duvidava é que, se me aproximasse, ela simplesmente buscaria as minhas mãos para um toque de carinho…