BEDA / O Gigante Gentil*

Então, o nosso querido Ivan Rocha, o Payakan, nos deixou fisicamente. Saiu de cena tão silenciosamente quanto entrou em nossas vidas, do Humberto e a minha. A primeira vez que o vimos, encontramos um rapaz em torno de 20 anos, de tez amorenada, de longos cabelos lisos quase até a cintura. Estava sentado a uma mesa, dobrando papéis de propaganda do baile daquele dia no Patropi, tradicional casa de eventos que se tornou igreja evangélica, na Rua Cubatão.

Ele namorava a promotora, uns dez anos mais velha, muito bonita e comunicativa. Ao se levantar, percebemos um sujeito de porte imponente, quase uma entidade indígena. O apelido Payakan, que depois adotou, surgiu na época do surgimento da liderança de Paulinho Payakan, dos Caiapós, há uns vinte anos. Impressionava igualmente o seu olhar levemente cerrado, de sábio chinês, sempre de cima para baixo, devido ao tamanho de quase 1,90m., principalmente quando tocava o seu baixo.

Tímido e calado à época, com o tempo, foi se tornando uma referência querida sempre que falávamos de bom músico e excelente companheiro de trabalho. Estivemos muitas vezes juntos, através da Ortega Luz & Som, o chamando para a orquestra que administramos por um tempo ou através de terceiros, como na foto que fizemos a Orquestra Tributo À Sylvio Mazzucca, em 2011, no Clube Piratininga.

Nos últimos anos, era ele que nos chamava para fazer os seus eventos, como empresário e produtor. A outra foto retrata uma dessas ocasiões, com a turma do BPCBeatles Para Crianças, em agosto de 2017, para os jovens e entusiasmados alunos de uma escola — a última que tenho dele conosco.

Sempre que podíamos, trocávamos ideias e informações acerca da vida. Certa ocasião, ao passarmos por uma mecânica especializada em amortecedores, falei aleatoriamente: “para o amor, não há o que amorteça dores…”. Citava sempre que podia essa frase porque aquilo lhe tocou profundamente. O último contato que tivemos foi por ocasião da realização de um possível trabalho para o Réveillon de 2021 para 2022. Depois, não mais…

Agora, apenas as boas lembranças nos acompanhará até estarmos juntos novamente para realizarmos eventos interdimensionais com o pessoal que já está viajando entre as estrelas, compondo a grande orquestra cósmica. Afinal, tudo é música!

No primeiro registro fotográfico, Payakan é o terceiro da esquerda para a direita. No segundo, é o sexto.

*Texto-homenagem de 9 de junho de 2022

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso

Correios & Correias*

Correios

Encomendei um produto pelo Mercado Livre e fiquei agradavelmente surpreso pela facilidade de trânsito entre as partes – o ML, como meio de venda e o produtor do item. A Internet é uma faca “de dois legumes”, como diria o filósofo Vicente Mateus, mas que bem utilizada, facilita as transações econômicas, principalmente em um mundo baseado no livre comércio, como até a China percebeu.

Contudo, todavia, mas, porém, como já cantou Rita Lee, estamos no Brasil. E estamos ainda enclausurados em feudos – coisa de Idade Média – que impedem que a Revolução Francesa traga os seus benefícios, ainda que já tenha se desenrolado há mais de duzentos anos. Vivemos em um sistema de castas e cartórios, localizados em marcos e condados. A nobreza (adquirida ou comprada) monopoliza setores inteiros no Brasil e ainda dita as normas nestes rincões.

Um desses monopólios são os Correios. O produto que solicitei foi disponibilizado dia 21, com a promessa de entrega entre 26 de outubro e 3 de novembro. Ou seja, tivemos que, aqui em casa, montar um sistema de revezamento na expectativa do recebimento do produto pago à vista. Como não havia chegado até a data prometida, rumamos para a central de distribuição da Zona Norte de Sampa, distante cerca de 12 Km da minha residência. Trabalho normalmente á noite e fui deitar às 4h30. Tive que acordar ás 8h, para poder chegar logo na abertura dos Correios, as 9h, com duas horas de funcionamento, no sábado, até às 11h.

Com o número de envio do produto em mãos, que eu soube ser necessário para quem mora onde eu moro, pude resgatar o item que comprei para incrementar o meu negócio. É um investimento para que possa melhorar o meu serviço. Durante a chamada crise, investi pesadamente em insumos para que pudesse continuar o meu trabalho, ainda que tenha que realizar um esforço triplicado para manter o mesmo nível de rendimento.

No guichê dos Correios, a funcionária, apesar de não solicitar, tinha uma desculpa na ponta da língua, quando percebeu que eu estava contrariado com aquele imbróglio. Informou que a entrega para a minha região era feita sob escolta de uma empresa de segurança. Respondi que sabia que morava em uma área de risco, que nem o Uber atendia, mas que nunca sofrera nada por lá, enquanto já fora quase assaltado no Morumbi. Ela retrucou que não era apenas isso. A escolta era necessária durante todo o percurso das mercadorias. Nesse caso, qualquer ponto do trajeto poderia ter o veículo interceptado e ter a sua carga roubada. Então, o problema deixava de ser de segurança pública em um ponto específico, mas em toda a cidade.

De qualquer forma, o fato de ser um serviço monopolizado, impede a agilidade de um setor fundamental para o incremento de negócios – pequenos, médios e grandes – a distribuição de mercadorias do produtor ao consumidor. Enquanto o crime se organiza, inclusive ocupando setores importantes da sociedade, via legislatura, judiciário e administração pública, ficamos atados por correias que emperram o nosso desenvolvimento. A sociedade está refém de um sistema que assalta por fora e por dentro. Afinal, até o Fundo de Pensões dos próprios Correios sofreu desvio de seus recursos por antigos administradores. Seus funcionários (que até outro dia estavam em greve), são obrigados a retirar uma porcentagem a mais de seus vencimentos para cobrir o rombo.

As correias, na mecânica, são cintas feitas de materiais flexíveis, normalmente camadas de lonas e borracha vulcanizada, que servem para transmitir a força e o movimento de polias ou engrenagens de um motor. No entanto, encripadas, impedem um motor de funcionar. Correios sem agilidade e correias sem função, palavras quase sinônimas, vêm a constituir alguns dos fatores do nosso atraso como País.

*Texto de 2017.