Correios & Correias*

Correios

Encomendei um produto pelo Mercado Livre e fiquei agradavelmente surpreso pela facilidade de trânsito entre as partes – o ML, como meio de venda e o produtor do item. A Internet é uma faca “de dois legumes”, como diria o filósofo Vicente Mateus, mas que bem utilizada, facilita as transações econômicas, principalmente em um mundo baseado no livre comércio, como até a China percebeu.

Contudo, todavia, mas, porém, como já cantou Rita Lee, estamos no Brasil. E estamos ainda enclausurados em feudos – coisa de Idade Média – que impedem que a Revolução Francesa traga os seus benefícios, ainda que já tenha se desenrolado há mais de duzentos anos. Vivemos em um sistema de castas e cartórios, localizados em marcos e condados. A nobreza (adquirida ou comprada) monopoliza setores inteiros no Brasil e ainda dita as normas nestes rincões.

Um desses monopólios são os Correios. O produto que solicitei foi disponibilizado dia 21, com a promessa de entrega entre 26 de outubro e 3 de novembro. Ou seja, tivemos que, aqui em casa, montar um sistema de revezamento na expectativa do recebimento do produto pago à vista. Como não havia chegado até a data prometida, rumamos para a central de distribuição da Zona Norte de Sampa, distante cerca de 12 Km da minha residência. Trabalho normalmente á noite e fui deitar às 4h30. Tive que acordar ás 8h, para poder chegar logo na abertura dos Correios, as 9h, com duas horas de funcionamento, no sábado, até às 11h.

Com o número de envio do produto em mãos, que eu soube ser necessário para quem mora onde eu moro, pude resgatar o item que comprei para incrementar o meu negócio. É um investimento para que possa melhorar o meu serviço. Durante a chamada crise, investi pesadamente em insumos para que pudesse continuar o meu trabalho, ainda que tenha que realizar um esforço triplicado para manter o mesmo nível de rendimento.

No guichê dos Correios, a funcionária, apesar de não solicitar, tinha uma desculpa na ponta da língua, quando percebeu que eu estava contrariado com aquele imbróglio. Informou que a entrega para a minha região era feita sob escolta de uma empresa de segurança. Respondi que sabia que morava em uma área de risco, que nem o Uber atendia, mas que nunca sofrera nada por lá, enquanto já fora quase assaltado no Morumbi. Ela retrucou que não era apenas isso. A escolta era necessária durante todo o percurso das mercadorias. Nesse caso, qualquer ponto do trajeto poderia ter o veículo interceptado e ter a sua carga roubada. Então, o problema deixava de ser de segurança pública em um ponto específico, mas em toda a cidade.

De qualquer forma, o fato de ser um serviço monopolizado, impede a agilidade de um setor fundamental para o incremento de negócios – pequenos, médios e grandes – a distribuição de mercadorias do produtor ao consumidor. Enquanto o crime se organiza, inclusive ocupando setores importantes da sociedade, via legislatura, judiciário e administração pública, ficamos atados por correias que emperram o nosso desenvolvimento. A sociedade está refém de um sistema que assalta por fora e por dentro. Afinal, até o Fundo de Pensões dos próprios Correios sofreu desvio de seus recursos por antigos administradores. Seus funcionários (que até outro dia estavam em greve), são obrigados a retirar uma porcentagem a mais de seus vencimentos para cobrir o rombo.

As correias, na mecânica, são cintas feitas de materiais flexíveis, normalmente camadas de lonas e borracha vulcanizada, que servem para transmitir a força e o movimento de polias ou engrenagens de um motor. No entanto, encripadas, impedem um motor de funcionar. Correios sem agilidade e correias sem função, palavras quase sinônimas, vêm a constituir alguns dos fatores do nosso atraso como País.

*Texto de 2017.

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